12 setembro 2005

EUROPA OCIDENTAL

Nota preliminar: tentarei redigir as minhas impressões, em estilo de diário, embora as publique no blog semanalmente, à segunda-feira, em hora incerta.
Irei destacar as datas, nomes de países e localidades a negro/bold, e os locais (estabelecimentos comerciais, culturais, e outros) a itálico.
Tentarei obter referencias e sugestões de residentes nos locais por onde passar, partilhando-as convosco.

5 de Setembro de 2005: saí de casa pelas 8 da manhã, para iniciar o meu passeio pela Europa Ocidental, aperitivo para outra viagem a realizar pelo menos em 2006, com destino a outras regiões do Mundo.
Parti sozinho (fisicamente), mas acompanhado por muitos dos amigos/amigas que me estimulam e acarinham. Para vós, o meu sincero agradecimento!
Na bagagem, para além das minhas coisas, sempre em excesso, levo pertences de dois amigos, um deles o João, filho da Paula e do Maurício, que vai em breve estagiar na Bélgica, preparando o seu futuro, que eu antevejo e desejo, muito positivo.

Casualmente, faz hoje seis meses que a “nossa” Ana partiu.
É impossível não recordar o facto, todo o sofrimento por que ela passou, para além da nossa vida em comum.
Naturalmente, a tristeza apoderou-se de mim. Chorei enquanto conduzia.

A viagem foi feita com tempo ameno, e muitas viaturas pesadas na estrada. Em Portugal, a paisagem está ferida por incêndios que a têm devastado. Em Espanha, sobressai a ocupação ordenada dos campos, por culturas agrícolas.
Andei depressa, e só parei em Tordesilhas, ao final da manhã, para desentorpecer as pernas, abastecer o depósito com combustível (menos caro que em Portugal), e satisfazer a curiosidade, prestando uma singela homenagem aos nossos antepassados que, de modo visionário, celebraram em 1494, com o Reino de Castela, o Tratado das Tordesilhas. Esta foi, provavelmente, a intervenção estratégica mais importante de Portugal, até hoje.
É fácil concluirmos que, se não fosse aquele acordo, o Mundo teria hoje fronteiras, e talvez culturas, diferentes.

De tarde, mantive o ritmo e cheguei ao País Basco, onde também a morfologia do terreno é muito diferente do resto de Espanha.
Pela primeira vez, desde que saí de casa, a paisagem é maioritariamente verde, e o tempo está encoberto. Sabe bem, depois da seca que assola o resto da península.
Percorridos quase mil quilómetros, decido pernoitar em Donostia/San Sebastian.
A cidade fervilha de vida, e parece-me interessante. Passo a noite numa residência universitária (Olarain) que também aluga quartos a turistas. As instalações são boas e recentes.
Pela excelente reputação da cozinha basca, não resisto a jantar num bom restaurante (Portuetxe). Comi bem, e paguei um valor elevado, cerca de 50 €. A fama tem o seu preço!

6 de Setembro: saio de San Sebastian, a caminho de Paris. Faço cerca de 850 km, com uma única paragem, até me encontrar com o António Domingues, amigo de longa data, residente nos arredores de Paris, numa localidade simpática chamada Mandres Les Roses.
A companheira do António, Elisa, teve que viajar para Portugal, por dever profissional, e está em minha casa.
Saímos para jantar, num restaurante que só serve peixe e marisco. Pusemos a conversa em dia, e regressámos a casa para descansar.

7 de Setembro: o António saiu cedo para o trabalho. Eu, vou para Paris, utilizando os transportes públicos, autocarro e comboio.
Paris é uma das poucas grandes metrópoles do mundo onde me sinto bem. Atrai-me o equilíbrio da cidade, tal como se desenvolveu ao longo dos séculos, e os muitos locais agradáveis onde podemos fruir da cidade. Também me agrada a elegância francesa, para além da língua, que falo com prazer.
Para desfrutar da cidade, começo por me dirigir ao Arco do Triunfo, um dos símbolos de Paris, descendo depois a avenida dos Campos Elíseos. Aqui, encontro-me com as mais diversas etnias do mundo, e ouço falar muitas línguas, entre elas o português nas duas versões mais conhecidas. Esta área de Paris alberga muitas das marcas comerciais de luxo que conhecemos, atraindo a sua clientela. Contudo, mesmo aqui, sente-se a presença dos desfavorecidos da sociedade, pessoas e animais que vivendo no mundo dos ricos são pobres.
Depois das duas maratonas automóveis dos dias anteriores, as minhas pernas reclamam por exercício.
A caminho da Praça da Concórdia, usufruo da sombra (o dia está quente, e estou farto do sol) dos plátanos esculpidos por jardineiros talvez influenciados pelas casas de moda parisienses, e dos castanheiros que já perdem folhas, prenunciando o Outono que se avizinha.
Cruzo a Praça em direcção ao jardim das Tulherias, onde indígenas e forasteiros se deliciam com o calor tardio do Verão. Chegado ao Louvre, casa de muitos tesouros artísticos da humanidade, aprecio a modernidade da intervenção do arquitecto Pei, simbolizada pelas pirâmides em vidro. Volto à cidade das grandes avenidas, subindo a da Ópera, encimada pelo belíssimo edifício que lhe dá nome.
De volta a casa, onde me espera o António, vamos jantar a um restaurante vizinho.

8 de Setembro: hoje tenho uma missão profissional a cumprir. Trata-se de uma reunião em Paris, no escritório da empresa CORBIS, com a qual trabalho há cerca de três anos, em Portugal.
Não se trata de uma reunião ordinária, já que vou assinar um documento que me desvinculará deste meu compromisso profissional. Isto significa que dentro em pouco estarei livre de qualquer responsabilidade profissional, reformando-me prematuramente.
Aconteça o que acontecer, poderei encarar a próxima grande viagem pelo mundo, a partir de 2006, com maior liberdade.
Concluída a reunião, passeio-me pela área onde se encontra a empresa, servida pela estação de metropolitano Cour St. Émillion, próxima da mais conhecida Bercy. Conheço esta parte da cidade, mais um bom exemplo de como Paris evolui urbanisticamente, respeitando o passado mas avançando para o futuro, com qualidade.
Aproveito ainda para revisitar outro centro de modernidade, o Instituto do Mundo Árabe, local onde confluem as várias culturas árabes.
Regressando a casa, saímos para jantar com o Miguel, filho do António e da Elisa, casado com a Karine, francesa.
Recém chegados de uma viagem de férias à Tunísia, aproveitamos para falar de viagens, prazer maior para todos nós.

9 de Setembro: de volta à estrada, dirijo-me para Bruxelas, onde tenho um breve encontro com o Mathias, genro da Ingrid, a quem entrego as bagagens que transportei.
Sigo para Roterdão, onde me espera o meu primo Xico, aqui residente. Chegados a casa, no centro da cidade, conheço duas amigas do Xico, Ângela e Susana, mãe e filha, residentes na Suiça, que também estão de visita.
Antes do jantar, saímos a pé, sendo evidente que os residentes de Roterdão, comunidade multicultural, aproveitam o ainda tempo de Verão para conviverem ao ar livre.
Jantamos no Restaurante Oliva, que pelo nome se dedica à cozinha italiana, na companhia de alguns colegas portugueses do Xico, na empresa Unilever, igualmente aqui residentes.
A rua em que se situa este restaurante encontra-se em festa durante este fim-de-semana, havendo muita gente, música, copos a circular, e outras manifestações de alegria.

10 de Setembro: para iniciar a minha estada na Holanda, país onde já tinha estado anteriormente, fomos visitar a cidade de Delft, burgo com mais de 750 anos de vida, situada a cerca de meia hora de carro, ou de comboio, de Roterdão.
Esta bela cidade, tem inúmeros atractivos, desde a tradição de azulejaria azul e branca - da qual temos em Portugal um espólio importante, no Museu da Figueira da Foz, devido a um naufrágio de um navio - passando pela “Dutch East Índia Company” que aqui se estabeleceu há cerca de 400 anos atrás, para explorar as riquezas do mundo oriental, particularmente as especiarias - em concorrência com Portugal e outras nações europeias - até ao pintor flamengo Johannes Vermeer (séc. XVII), sobre a vida do qual foi apresentado há poucos anos o filme “A rapariga do brinco de prata”, natural e residente em Delft.
Hoje, a cidade fervilhava de vida, também pela presença de inúmeros visitantes. Para além dos muitos locais de interesse permanente, havia mercados de rua onde se expunham bens alimentares, flores e velharias, entre outros, e uma feira colorida e ruidosa que, estranhamente, ocupava uma das praças principais da cidade, retirando-lhe a beleza habitual.
Regressados a Roterdão, fomos jantar ao Restaurante De Pijp, que julgo ser o preferido do Xico.
É um local curioso, por ter algumas características originais, pela história do local, e pela comida merecedora de crédito.

11 de Setembro: as outras duas residentes em casa do Xico, Ângela e Susana, regressam hoje à Suiça, viajando de carro.
Nós vamos visitar outros amigos queridos, a Jantien e o Betito, e os dois filhos, Carolina e Leonardo (em português), que vivem também próximo, em Wassenaar, nas imediações de Den Haag (Haia). Acompanha-nos a Marta, jovem portuguesa, colega do Xico, também residente em Roterdão.
Nós que vivemos em Portugal, temos a noção de estarmos num território pequeno. Aqui, acentua-se essa noção já que, quase todos os pontos de maior interesse estão ao nosso alcance, de carro, no limite de uma hora.
Wassenaar é uma área residencial para pessoas abastadas, com uma elevada percentagem de estrangeiros residentes.
Chegados a casa da Jantien e do Betito, constatamos que estão a preparar uma mudança para uma nova casa, maior que esta, na mesma área. Por este motivo, estão atarefados mas, o Betito convida-nos a irmos dar um passeio rápido no tempo, mas lento no ritmo, no barco a motor deles que está num dos muitos portos de recreio que fazem deste país um dos melhor equipados para a prática da navegação de recreio. Creio aliás, que a Holanda é o segundo país do mundo, a seguir à Nova Zelândia, no que respeita ao número médio de barcos de recreio por habitante.
A Jantien ficou em casa, nas arrumações.
Saímos do porto, interior, e percorremos alguns canais que nos levaram à povoação de Leiden, encantadora na sua escala humana e arquitectura tradicional, e cuidada por pessoas que prezam verdadeiramente o seu habitat e património.
Percorridos os canais que cruzam a localidade, lanchámos a bordo, e regressámos ao cais.
De volta a terra, dirigimo-nos para uma povoação vizinha onde nos encontrámos com a Jantien, para jantar num restaurante italiano.
No carro, o Betito colocou no leitor de CD um disco do grupo Duo Ouro Negro, angolanos, bastante populares no panorama musical português e angolano, sobretudo nos anos 60, do século passado.
A Marta que é demasiado nova para conhecer este estilo musical, ainda pôde apreciar uns passos de dança do Betito e do Xico, recordando os tempos da nossa juventude em Angola.
Curiosamente, os filhos do Betito parecem gostar bastante destas músicas, de terras distantes, para eles.
O jantar foi bastante agradável e divertido, até pelas intervenções de alguns empregados do restaurante, e sobretudo pelo proprietário, italiano de gema, tipo galã latino, que fez uma demonstração daquilo pelo que os italianos são conhecidos, interessando-se pela Marta.

No final desta primeira semana de viagem, começo a sentir-me descontraído e a apreciar o facto de poder viver sem os constrangimentos de cumprir formalidades e obrigações que normalmente nos limitam.
Esta semana, pelo menos, ficarei na Holanda. Até à próxima segunda-feira.

2 comentários:

Anónimo disse...

Que bom saber que esta sucessão de lugares libertos de formalidades te trazem bem-estar! Acompanhando as tuas histórias e imagens viajo também. Um xi-coração e até para a semana então

Anónimo disse...

Agora tive uma sensação bem diferente ao ver esta primeira reportagem fotográfica da "Viagem" e ao ler atentamente o diário, relativamente às publicações anteriores. Senti verdadeiramente que já não há distâncias para a partilha de conhecimento e emoções com aqueles que nos são queridos.
Na escrita vão aparecendo expressões "muito interessantes" (como diria pausadamente o Fernando), que documentam com vida a viagem.
É de facto uma forma de acompanhar um amigo na sua caminhada.

A "nossa" Ana, continua connosco! E como escreveu o M.S.Tavres a prósito da morte da sua Mãe "... e de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente..."

Até para a semana!