28 junho 2006

Belo Horizonte: um ipê roxo, em flor, com um edíficio projectado por Oscar Niemeyer, em fundo.














Belo Horizonte: especiarias no Mercado Central.
Ouro Preto: em primeiro plano, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição.














Ouro Preto: a arquitectura colonial portuguesa.















Ouro Preto: Restaurante Chafariz.
Ouro Preto: República Afrodite.














A Maria Fumaça saindo da estação de Ouro Preto.














A Maria Fumaça entre Mariana e Ouro Preto.
Congonhas: Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos.

27 junho 2006

MINAS GERAIS – BELO HORIZONTE E AS CIDADES HISTÓRICAS

Depois de uma maratona aérea pelo Brasil, chego a Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, considerada a terceira cidade mais populosa do Brasil.
À minha espera no aeroporto de Confins (o nome provem do facto deste se encontrar longe da cidade) está o meu primo Hernâni, nascido em Angola e residente no Brasil há cerca de 30 anos.
O Hernâni é casado com a Aílce, tendo duas crianças pequenas. Oferecem-me cama no seu apartamento. As crianças estão com a mãe do Hernâni, residente nos arredores de Belo Horizonte.
No dia seguinte à minha chegada, domingo, o Brasil tem o seu segundo jogo no Mundial de Futebol, pelo que é fundamental ficarmos na cidade.
Amavelmente, o Hernâni faz de cicerone e mostra-me alguns locais de interesse.
A cidade, em crescimento acelerado, parece-me pouco interessante, com excepção de áreas restritas como a Praça da Liberdade, com um jardim aprazível, com coreto, onde pontificam árvores para mim desconhecidas, ipês, que estão em flor, mostrando-se exuberantes.
Mais tarde, de volta a Belo Horizonte, visito o Mercado Central. Este é um mercado farto e peculiar, porque nele também existem bares e restaurantes (aqui chamados de botecos) frequentados pelos locais, para beberem muito chopp (cerveja a copo) e comerem petiscos da cozinha mineira.
O que impressiona é o facto de muitos dos bares estarem localizados nos corredores de acesso às áreas tradicionais do mercado, sem espaço para proporcionarem o mínimo de conforto aos seus clientes. Mesmo assim, nestes locais os clientes amontoam-se, literalmente, para beberem e comerem algo, e para confraternizarem, em pé.
Também de interesse é a Feira de Arte e Artesanato, de grandes dimensões, realizada todos os domingos numa das principais avenidas da cidade, fechada ao trânsito para o efeito, junto ao Parque Municipal.

No dia seguinte saio de Belo Horizonte, para Ouro Preto, acompanhado pelo Hernâni, que regressaria a Belo Horizonte ao fim do dia.
A viagem por estrada, demora pouco mais de uma hora. Ao chegarmos a Ouro Preto, encontramos uma cidade que, em termos arquitectónicos, parece ter parado no tempo, localizada numa área de relevo bastante acidentado, rodeada por montanhas. Aliás, a própria cidade está situada a mais de 1.000 metros de altitude.
A irregularidade topográfica associada ao facto de todas as ruas de Ouro Preto terem pavimentos de pedra antiga, faz com que o acto de caminhar nas suas ruas seja um desafio físico.
Comparando com Ouro Preto, poderíamos dizer que a cidade de Lisboa é quase plana.
Apesar do condicionalismo topográfico, a cidade revela-se fascinante, sobretudo pelo património arquitectónico aqui construído a partir do final do século XVII, quando nesta região foi descoberto ouro que, misturado com metal de ferro, se apresentava escuro, o que veio a originar o nome da cidade.
Impressiona o facto de, em terreno tão difícil, se ter edificado uma urbe tão rica, tudo graças ao ouro extraído das entranhas da terra.
O valor deste património foi há muito reconhecido pela UNESCO como de interesse mundial, o que talvez explique o bom estado de conservação da maioria dos imóveis, e a quantidade de lojas dedicadas aos visitantes.

A vida em Ouro Preto é claramente marcada por dois grupos populacionais: os visitantes/turistas, em pequeno número nesta época do ano, e os estudantes universitários (entre 4.000 a 5.000). A cidade tem tradição nesta área, e os estudantes residem maioritariamente em repúblicas (algumas centenas), talvez por influência de Coimbra, nome de um dos largos da cidade.

Fico hospedado numa casa antiga, localizada frente a uma das principais igrejas da cidade, Pouso do Chico Rey (recomendável), onde pago por dia um valor inferior a 30 €.
A casa é agora gerida por um casal do Rio de Janeiro, após a morte recente da anterior proprietária, com 99 anos de idade.

Ao longo dos dias passados em Ouro Preto, dedico-me a conhecer alguns dos edifícios notáveis da cidade, nomeadamente igrejas.
Estas, quase todas edificadas no século XVII, impressionam pela riqueza das decorações, no estilo barroco, denunciando a característica de ostentação da Igreja Católica.
Não sendo o estilo barroco muito de meu agrado, devo reconhecer o extraordinário trabalho de um génio local, na arte da escultura, quer em madeira, quer em pedra.
Refiro-me ao que ficou conhecido como Aleijadinho, filho de um artesão português aqui estabelecido, e provavelmente de uma escrava.
Aleijadinho nasceu no século XVIII, vindo a falecer já no século XIX.
Toda a sua vida profissional parece ter sido dedicada à arte sacra, sendo justamente considerado a referência máxima do barroco mineiro.
Ainda no campo do património, destaco o excelente Museu do Oratório, local onde encontramos toda a espécie destes objectos de culto católico, de variadíssimos tamanhos, formatos e estilos.

No Brasil, as pessoas em geral, primam pela simpatia e sociabilidade.
Aqui em Ouro Preto, encontro algumas com as quais simpatizo bastante: a Fernanda e a Natália, ambas empregadas da casa em que me hospedei. A Natália falou-me orgulhosamente da filha única que está no jardim infantil, e da festa que lá irá decorrer em breve, acreditando ela que a sua filha será eleita a “Rainha da pipoca”.
O senhor José Donato Lessa, que encontrei na sacristia da Igreja do Carmo, sentado numa conversadeira, ou fofoqueira, bancos de pedra que ladeiam as janelas de uma casa. O que me despertou a atenção, foi o facto do senhor Lessa estar a limpar uma coroa da igreja, em prata, antiga. Ao aproximar-me dele, fui recebido com simpatia e extrema educação. Falou-me das suas responsabilidades para com o património da igreja onde trabalha, e do desejo de ser algum dia substituído nessas funções, para dar lugar a pessoas mais jovens. O senhor Lessa tem 92 anos de idade, mantendo uma vitalidade e lucidez notáveis.
O Pedro, pintor autodidata, que vende os seus trabalhos em aguarela e bico de pena, na rua, junto à Praça Tiradentes. O Pedro, homem humilde, de forte personalidade, mostrou-se revoltado pelas injustiças sociais do seu Brasil, onde “a policia só prende os pobres e os pretos”, e “os políticos só têm papo furado”.
A Verônica, jovem estudante-trabalhadora que me recebe com simpatia e disponibilidade no seu local de trabalho, num edifício recém reconstruído na Praça Tiradentes, onde procuro informações para organizar a minha visita a Ouro Preto.
A Verônica, apesar de jovem, revela-se uma pessoa madura, sensivel e inteligente. Fala-me do seu percurso de vida, passado em várias regiões do Brasil, das suas viagens de orçamento apertado a outros países, e do prazer de viajar.
Conta-me da sua experiência de vários anos em Ouro Preto, primeiro como estudante de Turismo, e agora como responsável pela Agenda Cultural de Ouro Preto. Quanto ao futuro, quem sabe, o amor da Verônica vive em São Paulo e as saudades são muitas.

Em Ouro Preto encontro o restaurante mais interessante que pude conhecer até agora no Brasil. Chama-se “Chafariz”, tem a minha idade, e é uma instituição na cidade. Os proprietários, Rosa e Vicente, irmãos, são membros de uma família de origem italiana proprietária de vários espaços comerciais em Ouro Preto. O Vicente recebe-me dizendo que a casa é minha, e apresenta-me um retrato de Fernando Pessoa, de Júlio Pomar, exposto em destaque numa das paredes do restaurante. Este distribui-se por duas amplas salas, decoradas com objectos heterogéneos, que combinam bem entre si.
Quanto à oferta gastronómica da casa, em estilo buffet, é a cozinha mineira em todo o seu esplendor: feijão amigo, feijão tropeiro, tutu, frango ao molho pardo (cabidela), frango com quiabo, torresmos e muitas outras especialidades.
Aqui, pude comer algo inédito para mim, simplesmente delicioso: mousse de pepino.
Para quem queira comprovar, eis a receita do restaurante Chafariz:
6 pepinos grandes, sem semente
6 gelatinas de limão
5 colheres de sopa de maionese
1 molho de salsa
1 cebola média
Dissolver a gelatina em cinco copos de água a ferver, e deixar arrefecer. Juntar tudo e bater na trituradora até ficar em creme.
Colocar num recipiente e colocar no frigorífico, até endurecer.
Estas quantidades são as utilizadas no restaurante, para uma taça grande que é colocada na mesa de saladas.

O meu plano de viagem para Minas Gerais incluía outras cidades históricas, tais como Mariana e Tiradentes.
Quanto a esta última, perdi a esperança de a visitar quando soube que no período em que me seria conveniente ir a Tiradentes, estaria a decorrer um encontro de motociclistas que atrai muitos adeptos de motas.
Mariana, cidade menor que Ouro Preto, está a cerca de 30 minutos desta, em autocarro. É assim que me desloco a Mariana, em dia de mais um jogo do Brasil na Copa.
Encontro uma cidade pacata, a preparar-se para mais um jogo do escrete canarinho. Os monumentos encerram duas horas antes do início do jogo (excepto uma das igrejas), tal como os bancos, e a maioria das lojas.
Passeio pelas ruas cada vez mais desertas, o tempo está chuvoso, pelo que regresso a Ouro Preto. Felizmente que os autocarros não param.

No dia seguinte volto a Mariana, manhã cedo, com o propósito de lá apanhar um comboio para Ouro Preto. Parece confuso, não é?
Mas este não é um comboio qualquer. É uma Maria Fumaça, um comboio a vapor, recuperado para reabilitar uma linha ferroviária há muito abandonada. São 18 km, sempre a subir no sentido em que faço a viagem, com um desnível superior a 300 metros, por entre montanhas, com ravinas abruptas, e dois pequenos rios à vista do comboio.
À vista desarmada, apercebo-me da triste realidade dos rios estarem poluídos. Observo alguns garimpeiros há procura de fortuna, e uma das razões para a poluição destes rios está no mercúrio normalmente utilizado no trabalho de garimpo. Mais tarde, dizem-me que uma outra fonte de poluição reside numa fábrica de alumínio da região.
Poluição à parte, esta viagem no tempo é magnifica. Demora cerca de uma hora, e a Maria Fumaça, de origem Checa, fabricada em 1949, pesando 160 toneladas, consome cerca de 2 toneladas de carvão mineral e 18.000 litros de água.
Este belo passeio é possível graças ao investimento de uma empresa importante nesta região, e no país, a Vale do Rio Doce.
O projecto muito bem executado e concluído recentemente, incluiu a recuperação das estações ferroviárias de Mariana e Ouro Preto, nas quais o público pode usufruir de outras informações e serviços, relacionados com a região e a história ferroviária.
Para quem aqui venha, é um passeio obrigatório.

Ao deixar Ouro Preto, dirijo-me a Congonhas, para me encontrar com o Jorge, meu primo, irmão do Hernâni. O Jorge, engenheiro de profissão, trabalha actualmente na região, regressando a Belo Horizonte no final da semana.
Congonhas é uma das cidades históricas da região, e hoje atrai a atenção dos visitantes praticamente pela Basílica do Bom Jesus de Matosinhos, e dos restantes elementos arquitectónicos e escultóricos associados, localizados num ponto elevado, com vista panorâmica sobre a cidade e terras circundantes.
Esta obra da igreja católica, mais uma, edificada na segunda metade do século XVIII, contou com a colaboração de Aleijadinho, já na fase final da sua vida, com manifestas dificuldades físicas que ampliam o valor da obra por ele aqui produzida.
Dezenas de esculturas em pedra sabão, muito comum nesta região, representam o expoente máximo do génio de um homem que durante uma parte da sua vida sofreu de uma doença, provavelmente lepra, que lhe fez perder os dedos das mãos, e a utilização das pernas.














Alcântara: Praça da Matriz















Alcântara

23 junho 2006

ALCÂNTARA – REVIVER O PASSADO

No século XVII, a colonização do Brasil avançou decisivamente para o norte, motivada em parte pela exploração da cana-de-açúcar.

Nesse período, os nossos antepassados elegeram um promontório na costa do Maranhão, próximo da foz do rio Anil, para edificarem a cidade de Alcântara, que se tornou na capital da região.

Ali foram construídos casarões, sobrados, e igrejas claro, que deram outra vida a um local privilegiado pela natureza.

Hoje, quase 400 anos decorridos, ao chegar de barco (calhou-me o “Bahia Star”, construído há 30 anos atrás nos E.U.A.) vindo de São Luís (cerca de 1 hora de viagem), fico impressionado pela localização magnífica da povoação, sobrelevada relativamente ao mar, com vista panorâmica, e uma pequena ilha (Livramento) a curta distancia.

À medida que subo a encosta, a partir do cais, apercebo-me não só da pobreza da vida humana da actual Alcântara, mas também da degradação extrema de uma boa parte do património arquitectónico da localidade.

Percorro as ruas até atingir a praça principal, ampla, com uma ruína de uma igreja que já foi imponente, um pelourinho, e uma moldura de casarões em estado de conservação razoável.

Mais adiante, caminhando pela sombra, que o sol escaldava, passo frente a duas mulheres sentadas na ombreira de uma porta, supostamente da residência de uma delas. Cumprimentamo-nos, bom hábito que aqui ainda se cultiva, e a conversa nasce espontaneamente.

Uma das duas mulheres, a Miriam, manifesta-se mais comunicativa e perspicaz. Em breve se oferece para me acompanhar a uma visita à vizinha Casa do Divino, local dedicado às Festas do Divino Espírito Santo, que aqui se celebram há séculos, com devoção religiosa e esmero.

Lá, encontramos a alma da Festa do Divino, o Sr. Heidimar, personagem notável de Alcântara. Depois de uma visita curta mas significativa, saímos e a Miriam leva-me a passear pela sua Alcântara. Passamos à porta dela, e diz-me ser vizinha de D. Pedro. Paredes-meias com a casa da Miriam, encontra-se uma ruína de uma casa apalaçada, onde provavelmente teria pernoitado D. Pedro, daí a relação de vizinhança virtual.

Convido a Miriam para almoçar comigo, o que acontece, até porque a intenção dela ir à praia (era dia feriado), gorou-se.

A Miriam é professora e directora da escola local. Diz-me com orgulho, que a escola tem instalações novas, para os cerca de 700 alunos que a frequentam, estando o ano lectivo prestes a começar.

Fala-me da vida em Alcântara hoje, das dificuldades e dos anseios.

Diz-me que há poucos dias receberam a visita do embaixador de Portugal e da esposa. Eu penso que bom seria que Portugal assumi-se alguma responsabilidade para com o seu passado, contribuindo para a recuperação do riquíssimo património que construiu neste canto do Brasil, há muito abandonado.

A Miriam é uma pessoa inteligente. Conta-me histórias interessantes. Fala-me do “boca de lata” que percorre as ruas de Alcântara, anunciando informações de interesse local (como por exemplo, o inicio do ano escolar). Eu explico: já tinha visto viaturas automóveis com potentes sistemas de som a anunciarem mensagens. Até já tinha visto motociclos a fazerem o mesmo trabalho, como aqui. O que eu vi em Alcântara foi uma bicicleta, na qual o ciclista cumpria não só o papel de pedalar em ruas de piso empedrado irregular, mas também lia mensagens dirigidas à comunidade local, através de um sistema de som amplificado, desproporcionado, quer em relação ao meio de transporte, quer ao local, onde impera o silêncio.

Ao fim da tarde, feitas as despedidas, desço para o cais, para regressar a São Luís. Ainda paro numa casa de doces local, onde só se vende um produto. Avisado estava da existência de uma especialidade local, o doce de espécie, espécie de biscoito feito à base de coco. Muito bom.

Despeço-me do Maranhão satisfeito com a escolha deste canto do Brasil, para início da minha peregrinação pelo mundo.

Encontrei um pouco da história de Portugal, não apenas na arquitectura, mas também na vida cultural da região.

A propósito do património arquitectónico de São Luís, tendo conhecido dois arquitectos ali residentes, fiquei a saber que os imóveis do centro histórico podem ainda ser adquiridos por valores inferiores aos que são praticados noutras cidades históricas do Brasil, tais como Olinda e Ouro Preto.

Dizem-me que um sobrado vale hoje entre 100.000 a 150.000 reais, ou seja, entre 35.000 a 50.000 euros, o que revela existir aqui uma oportunidade para serem feitos bons investimentos imobiliários.

Próxima etapa, Minas Gerais.

22 junho 2006















Parque dos Lençóis Maranhenses.

21 junho 2006















Diversão no Parque dos Lençóis Maranhenses.














Lua cheia sobre o Parque dos Lençóis Maranhenses.
Parque dos Lençóis Maranhenses.

13 junho 2006

BRASIL – Maranhão – Parque dos Lençóis Maranhenses

No Maranhão, a cerca de 250 km da cidade de São Luís, encontra-se o Parque dos Lençóis, região remota do litoral norte do Brasil.
Este Parque é a maior atracção turística do estado do Maranhão, logo a seguir à sua capital, São Luís.
O que desperta a atenção dos visitantes é sobretudo a coexistência de dunas de areia com lagoas de água doce, fenómeno raro, senão mesmo único no mundo.
Para lá chegar, viajei por estrada num autocarro confortável, na companhia de novos amigos, a Silvana (brasileira), o Hans (suíço), casal residente em Florianópolis, e o Marc (francês), amigo deles.
A paisagem observada da estrada é verdejante, sobressaindo várias espécies de palmeiras, a saber: buriti (a espécie emblemática da região), ariri, babaçu, carnauba, dendê (dendem em Angola), jussara e tucum.

Chegados a Barreirinhas, principal porta de acesso ao Parque dos Lençóis, deparamo-nos com uma pequena cidade sem eira nem beira, onde imperam os serviços dirigidos aos visitantes do Parque, sobretudo as “Toyotas”, como aqui são chamadas as viaturas todo-o-terreno, utilizadas para o transporte de pessoas na região, e não apenas os visitantes.
Efectivamente, este meio de transporte está monopolizado pela marca Toyota, com os “velhinhos” Land Cruiser, fabricados no Brasil até 2001.
Consultámos um agente de viagens local, Off Road (recomendável), a quem comprámos duas viagens: uma de Toyota às dunas, e outra descendo o rio Preguiças, de barco.

De imediato partimos para as dunas, acompanhados pelo motorista da Toyota e pelo guia, Arnaldo, jovem de 16 anos de idade.
O percurso até ao inicio da área de dunas demora cerca de 50 minutos, em caminho arenoso, sinuoso e alagado, dado estarmos no final da época da chuva ou seja, a melhor altura do ano para se visitar o Parque dos Lençóis.
A perícia do condutor é posta à prova num terreno difícil, feito sem falhas.
O Parque dos Lençóis ocupa uma área total de 155.000 hectares, da qual cerca de 75% são dunas e lagoas.
Chegados à orla das dunas, descemos da viatura e caminhamos. A paisagem é deslumbrante: dunas, não muito altas, a perder de vista, intercaladas com lagoas de água doce, proveniente da chuva, de dimensões variáveis.
As sensações de prazer são diversas: silêncio quase absoluto, apenas interrompido por aves que vivem na área, areia branca e fina como pó, macia e não muito quente, água das lagoas transparente e excelente para nos banharmos, com temperatura ideal para o meu corpo.
Nalgumas lagoas vivem nenúfares, rãs e pequenos peixes que, estes últimos, quando mergulhamos, vêm inspeccionar o nosso corpo, sem receio.
Caminhamos durante algumas horas, brincamos, fotografamos, e despedimo-nos dos Lençóis depois do pôr-do-sol.

Pernoitámos numa Pousada (Sossego do Cantinho – recomendável) à beira rio, fora de Barreirinhas, propriedade de um suíço, há anos residente no Brasil. Sem preconceitos, a verdade é que neste local, embora modesto, existe uma ordem que talvez possa ser atribuída à origem do seu proprietário.

No dia seguinte, partimos cedo, rio abaixo, numa “lancha voadeira”, barco com o casco em alumínio, motor potente (90 cv), com capacidade para 12 passageiros, mais o piloto.
Este é o meio de transporte utilizado apenas pelos visitantes, devido ao preço.
A alternativa para os locais, e para alguns visitantes, são os “barcos de linha”, embarcações em madeira, de porte razoável, que demoram cerca de 4 horas “de relógio” (como se diz por aqui) a percorrer o leito do rio, de Barreirinhas até à foz.
O percurso rio abaixo, ou acima, é muito bonito. O leito do rio tem uma largura que varia entre uns 50 a 150 metros, à excepção de dois atalhos que percorremos lentamente, pela pouca profundidade e por serem estreitos.
Nas margens de vegetação densa, imperam os mangais e palmeiras das mesmas espécies já vistas.
Paramos várias vezes, e numa delas, junto a dunas, também elas com lagoas, local ao qual chamam os Pequenos Lençóis, encontramos quatro meninas que acompanham os visitantes, como guias, na esperança de que aqueles lhes possam proporcionar uma vida menos difícil. A Ana Cléia, a Cleilce, a Marilene e a Maria Helena têm entre 9 e 13 anos de idade, embora fisicamente todas aparentem ser mais jovens.
Emociono-me com elas, particularmente com a Ana Cléia, com a qual estive mais em contacto. Histórias tristes de vida, em local tão belo!

Em Caburé, já próximo da foz do rio, despeço-me dos meus companheiros de viagem, que regressariam a Barreirinhas e a São Luís no próprio dia.
Eu decidi ficar em Atins, povoado nos confins do litoral norte do Brasil, na foz do rio Preguiças.
O que me faz escolher Atins é a vontade de conhecer melhor o Parque dos Lençóis, e o desejo de estar num local isolado, junto ao mar.
Para chegar a Atins, viajo num bote de um pescador, que trajava uma camisola do Futebol Clube do Porto, movido por um motor de 7 cv, ruidoso.
Cerca de uma hora depois de termos saído de Caburé, já farto do barulho do motor, e do sol abrasador, chegámos ao outro lado do rio, perto de Atins.
Caminhámos até chegar ao povoado, primitivo e desinteressante.
Valeu-me a Pousada Rancho dos Lençóis (recomendável), fora da povoação, local aprazível, despretensioso, tal como o seu proprietário, Buna, maranhense de São Luís, aqui refugiado há muitos anos.

No dia seguinte, na companhia de três outros viajantes, jovens, chego novamente à conclusão que o mundo está transformado numa aldeia global ou melhor, numa miríade delas.
Aqui estava eu, num local ermo do norte do Brasil, com uma australiana, um israelita e um estónio (este de uma espécie rara, já que os estónios são pouco mais que um milhão de seres humanos). Os três encontraram-se em Jericoacoara, área há muito divulgada como um paraíso de praia tropical no Ceará (que julgo ser um logro).
Vai daí, resolveram continuar a viagem juntos, creio que para pouparem algum dinheiro.
Este trio acompanhou-me numa visita guiada pelo Buna, ao volante da sua Toyota, pelo lado marítimo do Parque dos Lençóis.
Desde já recomendo que, se ao visitarem este Parque magnifico não tiverem tempo para o fazer em ambos os lados, escolham o lado do mar, a partir de Atins.
O percurso desde a Pousada do Buna até ao Parque é feito por terreno plano, aberto e alagado, nesta época do ano.
Em cerca de meia hora atingimos a verdadeira foz do rio, num areal imenso, onde só os pescadores chegam.
No carro não conseguimos chegar junto ao mar, pelo que retrocedemos, para nos dirigirmos para as dunas, situadas a cerca de 1 km de distância do mar.
Antes de lá chegar, paramos num restaurante local (recomendável), da D. Luzia, conhecido pelo carácter dela e pelos magníficos camarões que ela prepara para os clientes (segundo o Buna, os camarões desta área são os melhores do Brasil).
A D. Luzia revelou-se uma mulher interessante. Quando lhe pedi que escrevesse no meu bloco de notas o seu endereço, ela resolveu escrever muito mais e, entre outras frases, terminou, escrevendo que “este é um pidacinho do céu”.

Depois de nos regalarmos com os justamente famosos camarões, demos corda aos pés, descalços, e fomos para as dunas.
Lá chegados, o mesmo espectáculo já visto no outro lado do Parque: dunas e mais dunas, de areia branca e macia, pontilhadas por lagoas tentadoras para o banho.
O valor acrescentado deste lado do Parque é, ter menos visitantes, e estarmos em contacto visual com o mar que, embora longe, está presente.

Chegado o dia do regresso a São Luís, empreendi o mesmo percurso da ida, utilizando uma barcaça de um pescador de Atins, maior que o bote utilizado para lá chegar, para ir até Caburé, onde me encontrei com a “lancha voadeira” que me levou até Barreirinhas.
O curioso é que, tendo eu contratado o barco do pescador para me levar ao outro lado do rio, acabámos por levar mais 16 passageiros, residentes em Atins, que iam a um lugarejo próximo, para participarem numa festa do dia dos namorados, comemorado no Brasil a 12 de Junho.

Notas de rodapé: se passarem em Barreirinhas, não deixem de provar as broas de mandioca, espécie de biscoito feito com mandioca e açúcar. Parecem-se vagamente com os suspiros, até pela cor, e são deliciosas.
As que comi, comprei a um menino na rua, por um preço ridículo, para os nossos padrões.
Disse-me que são feitas pela mãe, a quem enderecei os meus parabéns.

Hoje, 13 de Junho, dia de Sto. António, começam oficialmente as Festas Juninas em São Luís do Maranhão. Por isso, ficarei por cá até ao próximo sábado, quando partirei para Minas Gerais. Antes disso, irei a Alcântara num dos próximos dias. Não, não é a Alcântara de Lisboa mas sim uma cidade histórica do Maranhão, situada a cerca de 1 hora de viagem de barco de São Luís.

Hoje também, o Brasil irá iniciar a sua participação no Mundial de Futebol, na caminhada para o hexa, como dizem, plenos de confiança, os brasileiros.
O jogo começará às 16 horas locais, pelo que os serviços públicos e o comércio, com excepção dos bares e restaurantes, irão encerrar ao fim da manhã.
É uma outra festa!

Pela primeira vez desde que saí de Portugal, estou a utilizar o meu computador num local público, com uma ligação ADSL. O preço por hora é inferior a 1 €.


São Luís do Maranhão: Daniel, artesão.
A Imperatriz da Festa do Divino Espírito Santo, na Casa das Minas, e a sua mãe.
Vendedor de peixe no mercado de São Luís.
São Luís do Maranhão: pôr-do-sol sobre a foz do rio Anil.

07 junho 2006

BRASIL - Inicio da viagem - Junho de 2006

A 3 de Junho, comecei finalmente, a minha primeira viagem à volta do Mundo.
Projecto previsto há mais de um ano, amplamente discutido, e razoavelmente planeado, teve agora o seu início, com um voo da TAP entre Lisboa e Fortaleza, Brasil, com a duração de 7 horas.
Ao fazer o check-in no aeroporto de Lisboa, confirmo que levo demasiada carga para que me possa sentir confortável numa viagem que se prevê longa. Uma mala com 33 kg e uma mochila com 11 kg, para além de um saco de mão com peso não controlado. Total, quase 50 kg.
Primeiro objectivo traçado na minha mente: reduzir a carga que transportarei para as próximas etapas.
Premonitoriamente, embarquei no Airbus A310, chamado João XXI, pilotado pelo Comandante Jesus Pereira. Com estes nomes simbólicos a acompanhar-me, previ desde logo um voo tranquilo.
A previsão não só se confirmou como, ainda beneficiei de uma atenção extraordinária por parte de tripulação do avião que, avisada pelo meu amigo Alfredo, me tratou com particular cuidado. Ainda por cima, o chefe da tripulação a bordo é meu vizinho em S. João do Estoril, o que proporcionou uma conversa mais pessoal.

Depois de uma longa escala em Fortaleza, sem sair do aeroporto, apanhei o voo das 2 da madrugada para São Luís, com uma escala em Teresina, capital do estado do Piauí, uma das cidades mais quentes do Brasil, no que à meteorologia concerne.
Chegado a S. Luís por volta das 4.30 da madrugada, hora do Brasil (menos 4 que em Portugal), só queria era chegar ao hotel, para poder descansar.
Escolhi a Pousada Colonial (diária com pequeno-almoço incluído, cerca de 20 €), situada na área central da cidade que, mesmo percorrida de carro à noite, com os olhos a fecharem-se, me pareceu familiar, pela analogia arquitectónica com cidades de Portugal.

Na manhã do dia seguinte, na sala onde o pequeno-almoço é servido, encontro casualmente um brasileiro com quem estabeleço contacto.
O Carlos, natural de Brasília, residente em Toronto, Canadá, é historiador e está cá por um projecto em que participa, sobre a presença de escravos nestas paragens, no tempo colonial.
Apreciámos a companhia um do outro e decidimos sair juntos, para um passeio pedestre pela parte antiga da cidade, considerada património da humanidade pela UNESCO.
Rapidamente me apercebo da inclemência do calor húmido, que me faz lembrar o clima de Luanda, onde nasci e vivi, há muitos anos.
A cidade está estranhamente deserta, o que nos permite caminhar calmamente e observar o que nos rodeia com atenção.
As ruas de pavimento empedrado, sucedem-se com fileiras de casas construídas há muitos anos, com características claramente portuguesas. Muitas delas, têm as fachadas revestidas a azulejo, algumas das quais com padrões que me fazem lembrar edifícios que conheço de Lisboa.
Ao caminharmos, vou-me também apercebendo que uma das razões pelas quais a cidade está despovoada, é a da selecção de futebol do Brasil estar a disputar um jogo treino, para o Mundial, que começará dentro de dias.
É latente a devoção com que o país segue este assunto. São ruas e casas comerciais enfeitadas com adereços verdes e amarelos, são pessoas de idades diversas, e dos dois sexos, que vestem roupas com símbolos nacionais, são crianças que improvisam campos de futebol nas ruas da cidade, são mensagens publicitárias alusivas ao acontecimento, enfim, é toda uma ansiedade que paira no ar.

De tarde, acompanhados por uma assistente do Carlos, residente em S. Luís, vamos visitar duas casas comunitárias, situadas num bairro popular da cidade, onde se está a celebrar a festa do Divino Espírito Santo.
Nas casas das Minas e de Nagô encontramos outro aspecto da vida brasileira, o da conjugação de rituais religiosos e pagãos.
Em ambiente de festa, conjugando a fé religiosa com a música, os participantes convivem alegremente.
Lembro-me das festas homónimas que ocorrem nos Açores, e das semelhanças e diferenças de ambas as versões.

No dia seguinte, estava eu a consultar os serviços locais de informações turísticas, quando vi entrar no local três senhoras de idade respeitável, todas mais velhas que eu.
Apercebi-me que eram estrangeiras e falavam inglês, com sotaque americano. Como nenhuma das funcionárias do posto de turismo falava inglês, ofereci-me para ser o tradutor da conversa.
Depois de prestado o serviço, quis conhecer minimamente as senhoras americanas. Fiquei a saber que estão a percorrer vários países da América do Sul, tendo começado o périplo pela Colômbia, seguindo-se o Peru, Equador e o Brasil, onde irão ficar mais cerca de cinco semanas.
Na véspera tinham feito em autocarro público o trajecto entre Belém do Pará e São Luís, com a duração de 16 horas.
Antes de saírem do posto, fomos agraciados com um licor de maracujá, com o qual fizemos um brinde à vida e ao prazer de viajar.
Mais tarde reencontrei-as numa rua e decidimos jantar juntos, num restaurante conhecido no centro da cidade velha, perto do qual decorreu um espectáculo musical com vários grupos da região. O género musical dominante é o “bumba meu boi”, que é uma fusão do forró, do nordeste brasileiro, e do samba, com figurantes com trajes de fantasia, que interpretam coreografias mais ou menos carnavalescas.
Para surpresa minha, o primeiro grupo que actuou, apresentou-se com um fundo musical português, de Portugal.
O espectáculo desta noite deu inicio a uma temporada festiva que decorre entre os dias de Santo António e de São Marçal, designada de Festas Juninas, a qual é muito popular no estado do Maranhão.
Despedi-me das minhas novas amigas, que no dia seguinte seguiriam viagem para o Parque dos Lençóis Maranhenses, onde eu espero ir dentro de dias.
Encontros como este comprovam que o mundo se está mesmo a transformar numa aldeia global, e que a idade por si só não é impeditiva das pessoas viajarem, mesmo para áreas relativamente desconhecidas.

Ao fim de alguns dias em São Luís, decido visitar o Parque Natural dos Lençóis Maranhenses. Parto amanhã.