10 outubro 2005


Pirinéus, França: a beleza da natureza, servida em paisagens majestosas.

09 outubro 2005

EUROPA OCIDENTAL – Semana de 3 a 9 de Outubro

Segunda-feira, saio de Beaugency em direcção a Toulouse. Começo por acompanhar o rio Loire até Tours. Das várias estradas disponíveis, a mais interessante do ponto de vista cénico é a do lado sul do rio, muito próxima deste.
Depois de Blois, a paisagem é ainda mais interessante, alternando florestas, pequenas povoações e vistas para o rio.
Paro em Amboise, uma localidade pitoresca, com um dos castelos mais famosos, com o nome da terra. Em Tours, decido continuar a jornada, para já em direcção a Limoges. Aqui chegado ao fim da tarde, sigo viagem para Toulouse, onde chego quase à meia-noite. Para surpresa minha, os hotéis da cidade parecem estar cheios. Consigo encontrar quarto, com vista para a sala de pequenos-almoços do próprio hotel, por 110 euros.

Terça-feira, visito a área urbana antiga de Toulouse, interessante, e deparo-me com uma manifestação de trabalhadores grevistas que desfilam pela manutenção dos seus (ricos) direitos profissionais. Esta greve é nacional, e impressiona-me a capacidade de mobilização dos sindicatos franceses, que levam muitos milhares de pessoas, de vários quadrantes, para um desfile nas ruas. Segundo a imprensa, em todo o país mais de um milhão de cidadãos participaram nas manifestações de rua.
Ao princípio da tarde volto à estrada, a caminho de Pau. Saindo de Toulouse começamos a ter à nossa esquerda a muralha montanhosa dos Pirinéus, que separa a França da Espanha.
Chegado a Pau, encontro um hotel simpático, Montpensier, e deparo-me com uma recepcionista brasileira.
Vou jantar a um restaurante tradicional de Pau, La Goulue, onde pouco depois de eu entrar, chegaram três homens acompanhados por dois cães, sendo que um dos cães, minúsculo, ficou sentado ao colo do dono, não se contendo em tentar comer do prato deste. Com franqueza, tive vontade de sair do restaurante, como forma de protesto pela promiscuidade da situação, mas acabei por ficar e apreciar o ambiente geral.
Depois do jantar, passeei pelo centro da cidade e constatei duas curiosidades: estando Pau numa área climatérica fria, pela proximidade das montanhas dos Pirinéus, encontramos nos jardins públicos uma elevada quantidade de palmeiras. Lá como cá, há uma febre tropical.
Por razão que desconheço, na área comercial da cidade, existe uma quantidade/percentagem elevada de casas de lingerie femininas.

Quarta-feira, pouco depois de acordar, recebo uma notícia indesejável mas, de algum modo previsível: a minha avó, mãe da minha mãe, com 94 anos de idade, faleceu.
Desde há mais de um ano que a vida dela se degradou substancialmente, e por tabela, a da minha mãe, com quem vivia. Agora, a sua vida e sofrimento, terminaram.
Quanto a mim, tenho-a como uma das minhas referências morais, com quem aprendi muito.
Curiosamente, na véspera, dia da sua morte, passei perto de Lourdes, local de peregrinação dos católicos, como a minha avó, onde estive com ela há quase 30 anos atrás, em passeio. Não pude deixar de recordar esse facto, e de desejar que a fé que a acompanhou até agora a protegesse de males maiores.
Triste, constato que no espaço de sete meses perdi duas das três mulheres mais importantes da minha vida, a Ana e a avó Etelvina.
Assim, altero os meus planos de modo a viajar hoje até casa, em Portugal. Como o meu irmão Jorge, residente em Madrid, está interessado em ir também a Portugal para se despedir da nossa avó, combino passar em Madrid e seguirmos para Portugal. Em perspectiva, tenho cerca de 1.200 Km para percorrer hoje. Saio de Pau cerca das 12 horas, começando por percorrer os cerca de 100 Km iniciais, até à fronteira com Espanha, numa estrada de montanha, que atravessa os Pirinéus.
Apesar da pressa, perante a majestade das paisagens que ladeiam a estrada, tenho que as apreciar minimamente, parando algumas vezes.
As belezas proporcionadas pela natureza seduzem-me quase sempre mais do que as que o ser humano produz.
A passagem de França para Espanha faz-se através do túnel de Somport que, com cerca de 9 Km de extensão, é o mais longo que me lembro de atravessar até hoje. Aqui, a segurança é levada a sério. Para além de sinalização rigorosa e limite de velocidade adequado às circunstâncias, as duas extremidades do túnel estão permanentemente vigiadas por especialistas em segurança, que inspeccionam todas as viaturas pesadas que ali passam.
Chegado ao lado espanhol, noto de imediato alterações na paisagem, que passa a ser mais agreste, com menor densidade de vegetação. Verifico também um aumento significativo da temperatura do ar.
Gradualmente, a paisagem vai-se tornando mais árida, a ponto de em breve se parecer com outras paisagens que me são familiares no norte de África, em Marrocos, aqui tão próximo.
Com tudo o que se passa a nível climatérico e de ordenamento dos territórios ibéricos, tudo leva a pensar que, em breve, poderemos vir a ter um prolongamento do grande deserto do Sara, na Península Ibérica.
Vem-me à memória o problema da seca que tem afectado particularmente esta região, e a preocupação que também os franceses demonstram relativamente a este flagelo. Efectivamente, em Paris, constatei que alguns espaços públicos estão privados de água em fontes e repuxos, como medida de contenção dos gastos de água.
Na ocasião, pensei que bom seria que Portugal tivesse uma seca como a que afecta França.
Também me vem à memória uma história recente de amigos meus, a Paula e o Maurício, que receberam em sua casa uma amiga de uma viagem feita em 2004, à Mauritânia, onde esta reside. Quando a mesma se confrontou com o jardim relvado da casa da Paula e do Maurício, disse-lhes que tudo o ali via estava muito distante do conceito de seca e aridez dela. Na verdade, esta portuguesa residente na Mauritânia, vive há vários anos no deserto profundo do Sara, certamente um dos locais mais secos do planeta.
Chego a Madrid ao final da tarde, e encontro o Jorge numa esquina da avenida Castellana, seguindo viagem. Antes da uma hora da madrugada chegamos a minha casa.

Assim, de modo imprevisto, chega ao fim o passeio que planeei pela Europa Ocidental, para visitar alguns amigos.
À parte as impressões já registadas, fica-me a certeza que, comparativamente com os países que agora visitei, Portugal figura como um parente pobre. O termo “pobre” é aqui aplicado não tanto aos aspectos económicos que caracterizam as sociedades mas sim, aos indicadores de educação cívica e moral, e ao nível cultural. Provavelmente, o atraso económico de Portugal no grupo da União Europeia deriva precisamente dos outros indicadores que também nos são desfavoráveis.
Dos poucos países agora visitados, os que mais me agradaram na globalidade foram França e Holanda. Poderia equacionar viver em França, não em Paris mas numa pequena cidade do sul.
Mas esta é uma decisão que terá que ser muito ponderada. Qualquer decisão que me comprometa relativamente à minha vida futura só será tomada depois de eu empreender a viagem à volta do mundo, com início previsto para o primeiro trimestre de 2006, e só depois de visitar a Nova Zelândia, meu actual modelo.

04 outubro 2005


Paris, França: a Torre Eiffel, simbolo máximo da cidade de Paris, feericamente iluminada.

Paris, França: o interior do Grand Palais recuperado, 12 anos depois de ter sido encerrado.

Paris, França: tarde de Outono na Place des Vosges.

Chambord, Loire, França: o imponente castelo de Chambord.

Rio Loire, Beaugency, França: dois gansos selvagens no seu habitat, ao fim do dia.
EUROPA OCIDENTAL – Semana de 27 de Setembro a 2 de Outubro

Segunda-feira, fico em casa, para trabalhar. Isso mesmo, o facto de eu ter declarado que estou a caminho da reforma, não impede que trabalhe, ocasionalmente.
Em viagem, se queremos ter uma vida organizada, é necessário dedicar algum tempo a tarefas relacionadas com planeamento e controlo. Para além disto, como sabem, assumi o compromisso de publicar semanalmente no meu blog o relato deste passeio pela Europa Ocidental. Para cumprir este objectivo, para além da escrita diária ou quase, tenho que fazer o trabalho de transferência do texto e das fotografias para o blog.
Se este trabalho fosse feito a partir do meu computador portátil, ligado à Internet, seria coisa para me ocupar no máximo, uma hora por semana. Contudo, tenho constatado que nas casas de amigos que me têm alojado, e que têm ligação à Internet, não consigo utilizar o meu computador. Assim, para evitar deslocar-me a um local público onde o possa fazer, resta-me utilizar o computador da casa.
Nada mais fácil, dada a amabilidade dos meus amigos mas, como acontece em França e na Bélgica, os computadores de série estão equipados com teclados diferentes dos nossos, o que nos baralha.

Terça-feira, vou para Paris, utilizando os transportes públicos que servem a área onde resido. Isto significa cerca de uma hora divididas em três etapas (pedestre, autocarro e comboio), para cada lado.
Passeio-me por áreas já minhas conhecidas: Les Halles, Ile de la Cité, Ile de Saint-Louis e St. Germain. Delicio-me a observar as pessoas, lojas e todos os detalhes que fazem de Paris uma cidade especial, para mim.
Deleito-me com um gelado da casa Amorino, do mesmo nível que os do Santini, em Cascais.

Quarta-feira, tenho o dia reservado para cuidar do meu carro, levando-o a uma oficina, para a revisão dos 60.000 Km. Sendo o meu “companheiro” de viagem um Mercedes, esperava encontrar uma oficina grande e pomposa. Pelo contrário, dou com um pequeno concessionário, num subúrbio desfavorecido de Paris.
Feita a revisão ao carro, que está bem de saúde, aproveito para apreçar o mesmo modelo de carro, novo, em França. Sem me conhecer de lado nenhum, o vendedor apresentou-me um valor inferior em 5.590 € ao que eu paguei há quase três anos em Portugal, sendo que na ocasião me fizeram um preço especial, devido a uma relação de amizade. Nem vou agora dissertar acerca desta e outras incongruências da vida em Portugal, versus noutros países da União Europeia.
O jantar de hoje é em casa do Miguel e da Karine, também com a presença do Rafael, irmão do Miguel, e da companheira deste, Bérangère. Aqui temos dois bons exemplos de integração social: dois jovens de origem portuguesa, que vivem com francesas, em França. Ambos os casais parecem estar bem, também no plano profissional.

Quinta-feira, dedico o dia a passear a pé entre as duas margens do rio Sena, em Paris. Entre as duas margens do rio, encontram-se duas das áreas mais encantadoras da cidade: as pequenas ilhas, Ile de la Cite e Ile de Saint-Louis.
Na primeira está a igreja de Notre Dame, um dos monumentos mais visitados de Paris. Na segunda, entre casas de habitação para milionários e pequenas lojas à moda antiga, situa-se a casa de gelados provavelmente mais famosa de Paris, a Berthillon. Já a conhecia de visita anterior mas, não resisti ao apelo da gula. Embora este templo do gelado tenha hoje forte concorrência, louvo o excelente gelado de chocolate com que me deliciei.
Tive ainda tempo para fazer mais uma descoberta, visitando pela primeira vez a área próxima da Gare ferroviária de Lyon, chamada Viaduc des Arts. Trata-se de uma construção antiga de um viaduto, entretanto reabilitada para espaços comerciais de caracteristicas artesanais. Na cobertura foi instalado um magnifico passeio pedestre ajardinado, o qual se interliga com vários outros espaços urbanos adjacentes ao viaduto. Em suma, um belissimo trabalho de recuperação e integração urbanistica.

Sexta-feira, tenho mais um longo passeio a fazer em Paris. Começo pelo Grand Palais, imponente edifício construído no final do século XIX, para a exposição universal realizada em Paris, em 1900. Este monumento encontrava-se encerrado há cerca de 12 anos, por problemas estruturais, e está a ser alvo de uma recuperação total, a qual só estará concluída em 2007. Custo total do investimento previsto: cerca de 101.000.000 de euros.
Temporariamente, durante cerca de duas semanas, o edifício foi apresentado ao público, praticamente vazio, à excepção de dois magníficos globos terrestres construídos na segunda metade do século XVII, pelo geógrafo veneziano Vincenzo Coronelli, por encomenda francesa. Cada uma das peças tem aproximadamente quatro metros de diâmetro, encontrando-se expostas, suspensas por duas gruas, a poucos metros do chão, com espelhos em cima e em baixo, para melhor serem apreciados.
Para além destas duas magnificas peças, que a partir de 2006 serão definitivamente expostas na Biblioteca de Paris, o gigantesco espaço interior do Grand Palais estava iluminado a preceito (o que pude apreciar numa segunda visita nocturna, com o António), e os visitantes eram brindados com uma banda sonora bastante interessante.
Só para percebermos melhor qual a capacidade que a cidade de Paris tem para atrair público, soube que este acontecimento teve cerca de 20.000 visitantes por dia. Pelo que eu pude observar, cerca de metade destes eram não residentes.
É oportuno dizer que Paris é por si só um íman que atrai permanentemente visitantes dos quatro cantos do mundo, que misturados com a sua já bastante heterogénea população residente, transformam o espaço urbano numa riquíssima rede multicultural.
Um outro exemplo deste fenómeno testemunhei-o numa das galerias subterrâneas do metropolitano (que aproveito para dizer, nos leva a todo o lado, sempre com excelente sinalização), quando fui atraído por música tocada ao vivo, não por um ou dois músicos, mas por um grupo de cinco que tocava animadamente desde um clarinete até um contrabaixo.
Para além dos músicos, ainda estava presente uma acompanhante que seduzia os espectadores espontâneos, como eu, para comprarem CD com música do grupo, profissional da Ucrânia.
Ao fim do dia, o António foi ter comigo à cidade, para jantarmos. Ao acaso, acertámos num restaurante de um português, George Opera, onde comemos e pagámos bem.

Sábado, despeço-me do António e de Paris, definitivamente uma das poucas grandes metrópoles do mundo onde tenho prazer em estar.
Decidi passar mais alguns dias em França, sem a companhia de amigos. Escolhi a região do rio Loire, entre as cidades de Orleans e Tours. Para além de não conhecer esta região, lembro-me que a Ana ficou encantada quando, há muitos anos atrás, antes de nos conhecermos, teve a oportunidade de visitar a mesma, na companhia dos pais e creio, da irmã.
Infelizmente, apesar dela me referir várias vezes o seu encanto pela região do Loire, não pudemos visitá-la juntos. Agora, mais uma vez, levo-a no meu pensamento.
Dirijo-me primeiro à cidade de Orleans mas, é demasiado grande para o meu modelo de bem-estar. Escapo-me rapidamente para o campo, até chegar à pequena cidade de Beaugency, onde procuro abrigo. Encontro-o num pequeno hotel, Le Relais des Templiers, agradável por várias características, de entre as quais a natural simpatia do casal proprietário do hotel.
Para jantar, aceitei uma sugestão dos meus anfitriões e fiquei plenamente satisfeito com a refeição no restaurante Le Relais du Chateau.
Depois de jantar, passeei pelas ruas da povoação e, sem intenção, fui identificando os vários restaurantes locais. Desde franceses a italianos, passando por chineses e outros asiáticos, até marroquinos e turcos, encontrei nesta pequena cidade. Apenas mais um sinal da tendência para a diversificação cultural que varre o mundo.

Domingo, vou fazer um passeio de carro pela região do rio Loire, em direcção à cidade de Blois. Encontrei-a quase deserta, talvez pelas condições meteorológicas adversas. Depois do necessário passeio de reconhecimento, saí de Blois a caminho do Castelo de Chambord, provavelmente o mais prestigiado dos castelos desta região.
Propriedade do estado francês, o castelo situa-se numa vasta propriedade de cerca de 5.500 hectares, dos quais cerca de 1.000, podem ser visitados pelo público, sobretudo a pé e de bicicleta. Próximo do palácio, existe uma aldeia com cerca de 200 habitantes, todos trabalhadores na propriedade.
O palácio em si, para além da sua grandiosidade, reflexo dos gostos e poderes da realeza e seus seguidores, não tem nada a ver com as praças-fortes a que, em Portugal, chamamos castelos.
Antes de regressar ao hotel, pude acercar-me de uma das margens do rio Loire, manso, como quase todos os principais rios europeus, pela acção das barragens.
Pude ainda aperceber-me da existência de uma central de energia nuclear nesta área. Segundo o proprietário do hotel em que me encontro, esta central tem um núcleo com 25 anos de vida, já desactivado, que está a ser “desmontado”. Esta operação é delicada, estando a ser ensaiadas técnicas inovadoras, que poderão vir a ser utilizadas posteriormente noutras centrais.
Vou jantar ao restaurante Le Petit Bateau, onde me delicio com ostras e um petisco que me faz lembrar a minha infância: rim grelhado.

A minha rota leva-me para sul, passando por Toulouse, cidade que ainda não conheço.
Tenciono chegar a Portugal no próximo fim-de-semana, por necessidade e não por vontade.