17 julho 2008

A Ingrid e o Carlo, no pátio da sua casa, em Porto.




















ITÁLIA - ENTRE A UMBRIA E A TOSCANA

O acto de viajar pode ter muitas motivações. Para mim, uma das mais fortes é a possibilidade de conciliar o prazer de viajar com a companhia de amigos, particularmente se estes tiverem um vínculo ao local de destino da viagem.
É o que acontece com a Ingrid e o Carlo. Eles têm uma casa em Itália, na região da Umbria, numa aldeia chamada … Porto, nas proximidades do pequeno Lago de Chiusi, e também do grande Lago Trasimeno.
É aqui que vai ter inicio esta minha viagem, de quase três semanas, a Itália.

Ao chegar ao aeroporto de Roma, sigo de imediato para a cidade, de comboio, chegando à enorme e muito movimentada Estação Termini.
Aqui, apanho um outro comboio, para norte, que me levará até Chiusi, onde me esperam os amigos Ingrid e Carlo.
O percurso, depois de deixarmos a área urbana de Roma, torna-se agradável, com paisagens campestres, verdejantes, com frequentes manchas vermelhas de papoilas, e árvores que me são familiares dos campos de Portugal.
Aqui e ali, aparecem pequenas povoações no cimo de pequenas elevações, com aspecto antigo.
Quando o comboio pára em Chiusi, cerca de uma hora e vinte e cinco minutos depois de sair de Roma, saio, e lá estão a Ingrid e o Carlo, de braços abertos, para me acolherem.

O resto do dia da chegada foi passado em Porto, primeiro no hotel onde me instalei, o único da aldeia, Monteluce, que tem quartos modestos (o meu, tem a banheira mais pequena que eu alguma vez utilizei) mas, em contrapartida, tem um amplo jardim, cuidado, com belas árvores, entre as quais muitas tílias, que estão agora a começar a florir, e uma piscina.
O jardim, está ao cuidado da Franca, italiana, ex-professora, que se dedica seriamente a este local, onde também vive.
A Franca, pelo que pude conhecer dela, em conversas que tivemos, tem outras actividades, nomeadamente no campo espiritual.
Ao final do dia, fui visitar a Ingrid e o Carlo. A casa deles fica situada a poucas centenas de metros da aldeia, e está rodeada por campos agrícolas.
Esta casa foi comprada pelo Carlo, em 1985, quando então se mudou da Alemanha, o seu país natal. O Carlo, aqui viveu até há cerca de cinco anos, quando então iniciou uma relação sentimental com a Ingrid, também de origem alemã mas, mais portuguesa que a maioria dos portugueses que conheço.
Hoje, a Ingrid e o Carlo residem a maior parte do tempo em Portugal, onde somos vizinhos.
A casa de Porto, foi transformada pelo Carlo, que trabalhou como Arquitecto, sendo um espaço acolhedor, repleto de memórias de uma vida rica (no sentido positivo do termo).
Em casa, enquanto jantamos – e o Carlo é um gastrónomo – fazemos planos para os próximos dias, ou melhor, os meus amigos informam-me dos seus planos pois, sendo eles profundos conhecedores desta região, tínhamos combinado previamente que estes primeiros cinco dias, o tempo que aqui permanecerei, seriam ocupados do modo que eles desejassem.

Assim, no dia seguinte, saímos de manhã, para irmos visitar um local especial, uma propriedade privada, que o Carlo teve a ocasião de conhecer recentemente.
La Scarzuola, distante das estradas principais, nem sequer vem referenciada no meu guia de viagem – The Rough Guide to Tuscany & Umbria – o que atesta a limitação destas fontes de informação que, por muito boas que sejam (e os guias da Rough Guides, para mim, são os melhores), têm normalmente algumas lacunas.
Chegados ao local, somos recebidos pelo proprietário, que nos irá conduzir numa visita guiada, com mais algumas dezenas de visitantes, quase todos italianos.
Esta propriedade teve origem num convento Franciscano, erigido em 1218, pelo próprio S. Francisco de Assis.
Em meados do século XX, a propriedade foi adquirida por Tomaso Buzzi (familiar, entretanto falecido, do actual proprietário), arquitecto milanês, que empreendeu uma obra de grande envergadura, de carácter pessoal.
Hoje, La Scarzuola, é um vasto conjunto arquitectónico, constituído por muitos edifícios, que se conjugam entre si de modo intrigante, distribuídos num terreno ondulante, com amplas áreas de jardim, com um propósito eminentemente cénico. Os edifícios, representativos de várias épocas e estilos, têm em comum o facto de terem sido construídos com a pedra local, que confere ao conjunto alguma unidade.
De resto, a obra realizada é uma fantasia pessoal, realçada pelas histórias mais ou menos surrealistas contadas pelo nosso guia, com um forte sentido teatral, e pleno de ironia.
Depois desta visita a um mundo quase irreal, era tempo de almoçarmos, o que nos levou ao Agriturismo Gattogiallo (http://www.agriturismogattogiallo.it/), propriedade de turismo rural, situada a poucos quilómetros de distância.
Aqui, no topo de uma elevação, com vistas largas para os campos circundantes, pontilhados de casas campestres, desfrutámos de um bom almoço, preparado pelo proprietário, também chefe de cozinha.

Com o estômago aconchegado, e com as imagens fantasiosas de La Scarzuola na memória, seguimos o passeio diário em direcção a Città della Pieve, pequena povoação de origem Etrusca, conhecida sobretudo por nela ter nascido Perugino (cujo nome de baptismo foi Pietro Vannucci), no século XV, um dos pintores mais talentosos deste período.
Aqui, pude admirar a primeira de muitas obras de arte que teria ocasião de ver durante esta minha visita a Itália, de Perugino, o magnífico mural designado “Adorazione dei magi”.

No dia seguinte, começámos por visitar uma igreja nos arredores de Montepulciano, localidade que visitaria noutro dia.
A Igreja de San Biagio, construída na primeira metade do século XVI, está localizada no sopé da colina onde se encontra Montepulciano.
A igreja aparece majestosa, no enfiamento de uma estrada ladeada por magníficos ciprestes, aquela espécie que em Portugal é conhecida como sendo a árvore dos cemitérios mas que, em Itália, particularmente nesta região, é utilizada com frequência como elemento decorativo, sobretudo em propriedades rurais.
Daqui seguimos para Pienza, uma localidade edificada no século XV, à medida dos desejos do Papa Pio II, que havia nascido numa aldeia que existiu no mesmo local onde posteriormente nasceu Pienza.
Os planos iniciais eram grandiosos, mas a morte de Pio II, poucos anos depois do inicio das obras, comprometeu o desenvolvimento da obra, até porque nenhum dos seus sucessores se interessou pelo projecto.
Assim mesmo, Pienza é uma localidade atraente, tanto pelo património monumental renascentista, como pelo casario circundante, construída no topo de uma elevação, com vistas amplas.
De Pienza, seguimos para Montalcino, conhecida sobretudo pela produção vinícola da região. A qualidade destes é elevada, sobretudo o Brunello, um dos mais prestigiados de Itália.
Aliás, a fama dos vinhos da região é tal que, chegando a Montalcino, me chama a atenção o elevado número de enotecas que existem no perímetro da localidade.
Depois de um passeio a pé pelas ruas de Montalcino, e de uma pausa para almoço no agradável Café Alle Logge di Piazza, continuámos o percurso planeado pelo Carlo, em direcção à Abadia de Sant’ Antimo, por muitos considerada como a mais atraente da região.
Sant’ Antimo (http://www.antimo.it/) foi edificada entre os séculos VIII e IX, embora a igreja que hoje existe seja uma construção do século XII.
Na época em que foi construída, estava situada na proximidade de várias e importantes vias de comércio e peregrinação, do período Medieval, mas com origens que remontam ao período Etrusco. O mais importante desses caminhos era a Via Francigena, que foi durante séculos o mais importante de todos os percursos de peregrinação entre Roma e o norte da Europa.
Hoje, Sant’ Antimo é sobretudo frequentado por turistas, já que apenas nove monges lá habitam.
Ainda tivemos tempo para visitar Bagno Vignoni, outra pequena localidade, que deve a sua existência às águas termais que aqui correm.
Estas, foram aproveitadas pelo menos desde o período Romano, tendo mais tarde, na Renascença, sido construída uma enorme piscina, a mando da família Medici, que ocupa o centro da localidade. Este espaço não está hoje acessível para banhos mas, sendo um espaço público, pode-se caminhar à sua volta, como que, se de uma praça se tratasse.

Novo dia, novo passeio. Hoje, o destino é Cortona, localizado a norte do Lago Trasimeno.
Cortona, é mais uma localidade que se apresenta com o seu casco medieval quase intacto, e cresceu encavalitada numa encosta montanhosa, tendo por isso desníveis acentuados e vistas largas.
Aqui, visitamos o excelente Museu MAEC – Museo dell’Accademia Etrusca e della Città di Cortona, onde se conta a história da vila, anterior à chegada dos Etruscos, e da região, com particular destaque para os períodos Romano e Etrusco.
Almoçámos na Enoteca Enotria, junto à entrada principal de Cortona, que é propriedade de uma amiga do Carlo, a Imola.
Esta preparou-nos um delicioso prato de queijos e enchidos regionais, que acompanhámos com pão, regado com azeite.
De regresso a Porto, tivemos a surpresa de receber a visita do Pedro, filho da Ingrid.
O Pedro reside em Munique, na Alemanha, e viaja frequentemente para Itália, já que trabalha numa empresa italiana. Hoje, esteve em Florença, para visitar a selecção nacional de Itália, de futebol, que está em estágio para o Euro 2008, que se inicia em breve. Este encontro com a selecção italiana deveu-se ao facto desta ser patrocinada pela empresa do Pedro.
Jantámos os quatro, sossegados, no hotel, onde raramente apareciam outras pessoas.

No dia seguinte, despedimo-nos do Pedro, que aqui passou a noite, e fomos a Castiglione del Lago, situada na margem ocidental do Lago Trasimeno.
Sendo quarta-feira, hoje há feira em Castiglione del Lago, pelo que as ruas do centro estão ocupadas pelos feirantes e visitantes.
O centro da localidade está situado no topo de uma pequena colina, de onde se avista o lago, extenso, mas pouco profundo, com três pequenas ilhas.
De regresso a Porto, os meus companheiros decidem ficar a descansar, pelo que me emprestam o carro, para eu aproveitar o resto do dia.
Decido ir a Montepulciano, mais uma localidade de ruas empinadas, hoje conhecida pelo Vino Nobile, um dos mais reputados de Itália.
Pela primeira vez desde que cheguei a Itália estou sozinho, pelo que ocupo o tempo a meu bel-prazer, caminhando calmamente pelas ruas, observando as pessoas e os locais por onde passo.
Almoço no Restaurante Il Cantuccio, para depois comer um bom gelado numa pequena casa situada a curta distancia, na rua principal, Via Gracciano nel Corso.
Regresso a Porto, onde passo a última noite.
Na manhã seguinte, a Ingrid e o Carlo levam-me a Chiusi, onde nos despedimos.
Ficamos de nos encontrar de novo em Portugal, dentro de algumas semanas.

No rescaldo desta primeira parte da viagem, passada entre a Umbria e a Toscana, recordo as palavras da Ingrid, que me disse, ainda em Portugal, que em Itália, só nesta região, existem dezenas de pequenas localidades interessantes, com características medievais, com o casario rodeado por muralhas, e com tesouros artísticos de grande valor, quer em museus, quer em igrejas.
Só para se ter uma ideia da concentração destas localidades, acrescento que, todos os locais visitados nestes primeiros dias, e acima referenciados, estão a menos de uma hora de distância, de carro, da nossa base, a aldeia de Porto. Confirmadas as melhores expectativas, vou prosseguir a minha visita a Itália com os olhos e o espírito cheios de beleza.
Siena: vista do centro da cidade, com a Praça Il Campo, e a Torre del Mangia.

SIENA

Chego a Siena após uma curta viagem de autocarro, iniciada em Chiusi.
A minha expectativa é grande, porque se trata da primeira de várias cidades importantes que irei visitar, em Itália.
O meu imaginário leva-me à praça da cidade onde se celebra uma das festas populares mais afamadas de Itália, o Palio de Siena (http://www.ilpalio.org/palioportoghese.htm).

Pois, o meu hotel (definir o meu alojamento como hotel não é correcto, já que se trata de uma casa com quartos, felizmente limpos, sem quaisquer serviços complementares) fica situado nas traseiras da belíssima praça central de Siena, genericamente identificada como Il Campo.
Do quarto que ocupo tenho uma bela vista para uma das encostas da cidade (a área central de Siena está situada numa elevação), que se prolonga para os arredores através duma área verde. Enquanto me preparo para a primeira abordagem à cidade, observo o voo vertiginoso de centenas, talvez milhares de andorinhas que aqui estão nesta época do ano.
Entretanto, repicam os sinos das igrejas mais próximas, como que a lembrar da sua importância.

Saindo para um primeiro passeio pela cidade, dirijo-me para Il Campo. A chegada à praça impressiona-me, pela sua forma invulgar (quase um semi-circulo, em plano inclinado), pela harmonia e escala dos edifícios envolventes, e pela vida fervilhante que ali ocorre, de dia e de noite.
De facto, tendo estado em Siena durante vários dias, pude constatar que Il Campo tem um poder magnético sobre as pessoas, residentes e visitantes, que faz com que quase todos por lá passem diariamente.
As razões desta atracção são diversas, sendo que na parte superior da praça se encontram diversos cafés e restaurantes, todos com amplas esplanadas, e no lado inferior predomina o Palácio Pubblico, com a imponente Torre del Mangia, com quase 100 metros de altura.
É em Il Campo que decorre, duas vezes por ano, a festa do Palio, disputada por bairros de Siena, organizados em Contradas, através de cavalos e cavaleiros que competem num circuito à volta da praça. O vencedor é o cavalo que termina a corrida em primeiro lugar, independentemente do cavaleiro ainda estar no seu posto, ou não.
Um dos aspectos que possibilita às pessoas fruírem desta ampla praça de modo repousante é o de poucas viaturas automóveis perturbarem o ambiente.
Isto deve-se ao facto da área histórica de Siena ter fortes restrições ao trânsito automóvel, há já várias décadas. As únicas excepções são os transportes públicos, e motociclos.
Os dias passados em Siena levaram-me inúmeras vezes a este local, que considero uma das praças mais atraentes e especiais, que conheço.

Saindo de Il Campo pela parte superior, entramos numa área urbana comercial, próxima da qual se encontra a segunda maior atracção da cidade, a catedral (Duomo em italiano).
Esta, imponente, foi construída no inicio do século XIII, e posteriormente ampliada. Este projecto, ambicioso, visava construir a maior igreja em Itália, fora de Roma. A obra foi no entanto interrompida em 1348, quando Siena foi assolada pela peste negra, a qual dizimou a sua população. Em cerca de cinco meses, mais de dois terços da população da cidade (cerca de 100.000 habitantes na época, no que na altura era identificada como uma das cidades mais importantes da Europa) morreu pela acção da peste.
Esta tragédia afectou também o desenvolvimento da República de Siena que no século XIV rivalizava com a vizinha Florença.

Hoje, Siena tem uma população inferior à que teve no século XIV, quando foi atingida pela peste, e é uma cidade interessantíssima, porque mantém a estrutura medieval, onde pontificam os dois elementos atrás referidos.
A catedral, para além da sua imponência, é de uma beleza rara. A quantidade e qualidade do trabalho arquitectónico e decorativo são invulgares, desde a utilização alternada de mármore de cores branca e preta, em linhas horizontais, aos 56 painéis figurativos em mármore policromo, que cobrem todo o pavimento interior, o riquíssimo púlpito, pelo excepcional trabalho escultórico, até à deslumbrante sala da biblioteca (Libreria Piccolomini), com as paredes e tectos faustosamente cobertas por frescos de grande qualidade artística, passando por muitos outros trabalhos executados por mestres contratados para contribuírem para esta obra grandiosa.
Aliás, a quantidade e qualidade das obras de arte sacra que foram produzidas para este templo foi de tal modo elevada que, em edifício anexo à catedral, existe o museu “Dell’Opera del Duomo”, repleto de peças provenientes da catedral.
Aqui, no piso superior, existe uma pequena passagem que dá acesso ao chamado “Panorama dal Facciatone”, através de uma estreita escada que nos conduz a uns terraços, que tiveram origem no projecto de expansão da catedral, entretanto interrompido. As vistas para a cidade e arredores são soberbas, sendo a melhor altura do dia para se aceder a este miradouro, o final da tarde.

Os meus dias em Siena foram bem passados em passeios pela cidade, entrecortados por visitas a alguns dos seus principais monumentos e, claro, também a restaurantes e outras casas de alimentação.
Dos restaurantes, merecem nota positiva o Antica Trattoria Papei e a Osteria Le Logge, ambos situados nas proximidades da Praça Il Campo.
Imperdivel, para quem aprecie enchidos, queijos, vinhos e outros prazeres para a boca, é a Antica Pizzicheria Chigiana (APC), espécie de tasca, minúscula, repleta de produtos tradicionais da região, onde estive com o Xico (meu primo) e a Vera, com quem me encontrei em Siena.
O Xico, que já conhecia esta região, tinha estado a trabalhar durante algumas semanas em Itália, próximo de Roma, pelo que aproveitámos a minha viagem para nos encontrarmos num fim-de-semana, durante o qual o Xico e a Vera passearam por Itália.
Quando entrámos na casa recomendada (APC), demos com outros clientes, com quem estabelecemos conversa, o que é fácil, pela pequena dimensão do espaço.
Para além de dois empregados, que se encarregam do serviço com satisfação, ali estavam algumas mulheres, norueguesas, que fazem parte de um grupo de 20, amigas de infância, que todos os anos fazem uma viagem juntas, sem companheiros.
Uma das norueguesas, particularmente comunicativa, ficou encantada por nos conhecer, ela que aprecia bastante Portugal. Aliás, os comentários elogiosos a Portugal são generalizados, quando falamos com estrangeiros que conhecem o nosso país.
Outra referencia positiva em Siena, para quem aprecia gelados, é a da Gelateria Nannini, uma das melhores casas de gelados, das muitas que conheci em Itália.

De Siena, repleta de turistas, nacionais (porque estava a decorrer um fim-de-semana prolongado) e estrangeiros, parti para Florença, de autocarro.
Outra viagem curta, ainda para norte, num autocarro cheio. Ao meu lado, sentou-se uma jovem asiática, que estava acompanhada por um outro jovem, igualmente asiático.
Sendo a Ásia um território quase desconhecido para mim, arrisquei a pergunta para saber de onde são estes companheiros de viagem. A resposta foi-me agradável, já que a Tian e o Kit são naturais de Singapura.
De Singapura, que conheço bem, só me lembro de pessoas educadas, o que é um bom princípio para uma boa conversa.
A Tian, jornalista, e o Kit, licenciado em Gestão, estão a visitar Itália, e outros países europeus, aproveitando o final de um período anual em que o Kit esteve a residir na Suécia, frequentando uma universidade.
Agora, estão prestes a regressar a Singapura, onde pensam continuar a residir. À chegada a Florença, despedimo-nos, já que os meus novos amigos vão seguir viagem.
Florença: as pontes Sta. Trìnita e Vecchio, sobre o Rio Arno.

FLORENÇA

A chegada a Florença revela de imediato dois aspectos importantes.
Primeiro, tenho agora pela frente uma cidade plana, o que torna mais fácil o acto de caminhar. Segundo, contrariamente a Siena, onde existem fortes restrições ao trânsito automóvel, aqui em Florença tenho que contar com os inconvenientes inerentes ao mesmo.
De resto, o hotel onde me alojo corresponde ao meu gosto, excepto por se situar num segundo andar de um edifício que tem um elevador minúsculo, com uma porta de difícil acesso, que só utilizei à chegada. Depois, utilizei sempre a escada, para subir e descer.
O Hotel Bretagna (http://www.hotelbretagna.net/) tem uma localização privilegiada, na rua paralela ao Rio Arno, no lado norte da cidade, entre as Pontes Sta. Trìnita e Alla Carraia. É pequeno, tem um ambiente descontraído, sobretudo pela presença de alguns empregados atraentes e simpáticos. Os meus preferidos são o Guilherme, brasileiro, uma espécie de “pau para toda a obra” no hotel, que trabalha a dobrar para sustentar a família que vive no Brasil, e a Martina, italiana, simpática e atenta, dona de um belo sorriso, que me promoveu no segundo dia, para um dos melhores quartos do hotel, o nº 8, enorme, com um tecto decorado com frescos antigos, com anjinhos, que eu admirava quando estava deitado na cama. Este quarto, com uma excelente casa de banho, terá sido utilizado por Napoleão, quando viveu em Florença.

A minha estada em Florença estava programada para ser uma maratona artística, tal é a quantidade e qualidade do património artístico desta cidade, berço do Renascimento.
Foi em Florença que a família Medici teve a sua principal residência pelo que, a sua paixão pelas artes se reflectiu na vida da cidade, mesmo para além do período de influência desta importante família.
Inevitavelmente, sendo a minha primeira visita a Florença, a Galleria degli Uffizi estava no topo das minhas prioridades, sendo este museu reconhecido como um dos mais importantes do mundo, sobretudo pela sua extraordinária colecção de pintura. Pois, esta colecção construída pela família Medici, manteve-se privada até ao século XVIII, quando o último membro da família, Anna Maria Lodovica, deixou toda a colecção de arte ao povo de Florença, na condição de que esta nunca sairia da cidade.
Assim, porque a afluência de visitantes ao Uffizi é enorme, precavi-me, comprando antecipadamente o meu direito de acesso ao museu, numa visita guiada, com a duração de três horas (a alternativa seria a de passar algumas horas numa fila, para comprar um simples bilhete de entrada no museu). Esta, inclui um percurso que é de acesso restrito a pequenos grupos de visitantes, que é o Corredor Vasariano, uma galeria com cerca de mil metros de extensão, que liga os Palácios Vecchio e Pitti, através do Uffizi.
A razão da existência deste corredor deve-se à família Medici que, sendo proprietária do Palácio Vecchio e do Uffizi, adquiriu posteriormente (no século XVI) o Palácio Pitti à família do mesmo nome, entretanto em dificuldades.
Nesta altura, os Medici decidiram que seria conveniente terem uma passagem privada que lhes garantisse a circulação entre estas suas três propriedades de Florença, e encomendaram o projecto ao Arquitecto Vasari, que veio a dar o seu nome à obra.
A visita a este espaço de acesso restrito justifica-se, sobretudo por três motivos. Primeiro, a oportunidade de ver centenas de pinturas e algumas esculturas que ali se encontram expostas, sendo que a maioria das pinturas são auto-retratos de pintores de várias épocas, os mais recentes dos quais já do século XX. É fascinante observar tantos auto-retratos de pintores reputados, e não apenas italianos (também lá estão Rubens, Rembrandt, Velásquez, Delacroix e muitos outros estrangeiros), num espaço único.
A segunda boa razão para se visitar este corredor é a de termos o privilégio de observar a cidade de ângulos diferentes daqueles que existem no exterior, através de inúmeras janelas. De facto, o corredor percorre um trajecto situado alguns metros acima do nível do solo, cruzando o Rio Arno sobre a Ponte Vecchio (a mais famosa das pontes de Florença), e tendo inclusive uma vista privada para o interior da Igreja Santa Felìcita, antes de terminar nos Jardins de Bóboli, anexos ao Palácio Pitti.
A terceira razão justificativa desta visita é a de ser o único local do Uffizi onde os visitantes podem estar isolados do burburinho inevitável, causado por milhares de visitantes que entram diariamente no Uffizi.
De facto, enquanto nas salas abertas ao público em geral estamos permanentemente expostos à presença dos outros visitantes, com os incómodos inevitáveis (nalgumas salas, estive rodeado por grupos de pessoas que, tal como eu, estavam integradas em visitas guiadas, ouvindo-se falar línguas diversas como, Inglês, Alemão, Russo Japonês ou Mandarim), entrando no Corredor Vasariano (através de uma porta que se encontra fechada), passamos para um mundo de silêncio e tranquilidade. Aqui, só estávamos os nove membros do meu grupo (de diversas nacionalidades), acompanhados pela guia que nos conduziu (italiana, competente, simpática e atraente … da qual tenho os contactos, para futuras oportunidades, sem ter que pagar os 89 € à empresa a quem comprei este serviço), e por dois empregados do museu, que nos acompanharam durante todo o percurso.
Voltando ao Uffizi, o que fiz mediante a autorização dos dois empregados que nos acompanharam no corredor, deliciei-me, revisitando algumas salas onde tinha estado anteriormente, e visitando outras que não estavam incluídas na visita guiada.
Para mim, de acordo com o meu gosto, as salas mais impressionantes, quer pelas obras expostas quer pelos espaços físicos e pela decoração, são:
Sala 10 a 14, onde se encontram as obras de Botticelli;
Sala 15, com as obras de Leonardo da Vinci;
Sala 18, uma sala octogonal, com pavimento em mármore, e as paredes e tecto revestidos com conchas;
Sala 25, com as obras de Michelangelo;
Sala 42, chamada Sala Niobe, com as paredes e tecto ricamente ornamentados a ouro, e com estátuas e um túmulo do período Romano.
Para além destas salas, recomendo também as vistas para a cidade, das janelas situadas próximo da entrada para a sala 25, após a qual se situa a porta que dá acesso ao Corredor Vasariano.
Ao final da tarde, saí finalmente do Uffizi, caminhando nas nuvens, depois de ter contemplado tantas obras-primas, e outras que não sendo tão famosas também me encantaram, da pintura europeia e particularmente italiana.
Aliás, ao longo desta estada de 20 dias em Itália, e após ter visitado vários museus e inúmeras igrejas repletas de obras de arte, impressiona a quantidade, para além da qualidade geral, de obras de arte sacra que foram produzidas em Itália, ou melhor, nos vários territórios que existiam nesta região europeia, muito antes de se tornar um país independente chamado Itália.
Aliás, a influencia da religião Católica foi tão forte na criação artística que, encontramos os temas mais diversos desta religião tratados exaustivamente, como que tivesse ocorrido um delírio colectivo ou, uma visão obsessiva do mundo.

No capítulo das artes, em Florença, a minha segunda escolha foi o Palácio Pitti, onde termina o Corredor Vasariano.
O Palácio Pitti, o maior de Florença, está situado no lado sul da cidade, ou seja, no outro lado (chamado Oltrarno) do Rio Arno, relativamente à minha residência na cidade.
O caminho pedestre mais directo, para quem caminha a partir do lado norte da cidade, atravessa a Ponte Vecchio, um dos símbolos de Florença. Esta, construída no ponto mais estreito do leito do Rio Arno, provavelmente no período Etrusco, foi sendo alterada ao longo dos tempos, sendo a versão actual, ainda sem o Corredor Vasariano, do século XIV.
A originalidade desta ponte reside na existência de construções que sempre tiveram funções comerciais, sendo as actuais, maioritariamente de ourivesaria, originárias do final do século XVI.
O Palácio Pitti, outrora uma das propriedades da família Medici, é hoje um conjunto arquitectónico aberto ao público, onde estão instalados vários museus.
Como não tinha a pretensão, nem tempo, para visitar tudo, escolhi a Galleria Palatina e Appartamenti Reali (assim chamado por ter sido a residência da família real italiana, no período de 1865 a 1870, quando Florença foi a capital de Itália), vasto conjunto de salas ricamente mobiladas e decoradas, inclusive com centenas de obras de arte, as quais também faziam parte da colecção de arte privada da família Medici. E não se pense que, pelo facto destas obras não estarem no Uffizi, não têm qualidade para tal, já que são do mesmo nível artístico, estando aqui presentes alguns dos mestres da pintura italiana e flamenga.
Aqui, visitei ainda a Galleria d’Arte Moderna, que apresenta obras de arte executadas entre a segunda metade do século XVIII e a metade do século XX.

No decurso da minha estada em Florença, pela localização do meu hotel, atravessei o rio frequentemente, para passear neste lado da cidade.
Uma das razões por que o fiz, foi a de tentar fugir às multidões de turistas que invariavelmente invadiam as ruas do centro norte da cidade, onde se situa a maioria das principais atracções turísticas.
Embora em Siena já tivesse sentido a força do mercado turístico em Itália, aqui em Florença encontrei a maior quantidade de turistas por metro quadrado que jamais vi em qualquer cidade do mundo, excepto provavelmente no que presenciei alguns dias depois em Roma.
O comportamento dos turistas em geral, salvaguardando as excepções meritórias, é revelador da pobreza cultural das sociedades actuais.
Um dos grupos de visitantes que mais se destaca aqui em Florença, assim como em Roma, é o dos jovens norte-americanos, que aparecem em grande número, e quase sempre em grupos numerosos, parecendo estar completamente perdidos e desfasados do ambiente das cidades italianas. Curioso pela presença de tantos norte-americanos jovens, falando com alguns, constatei que a maioria está em Itália por um período de algumas semanas, ao abrigo de programas escolares.

O lado sul da cidade, Oltrarno, apresenta-se aos visitantes quase como uma cidade normal, com áreas residenciais entrecortadas por espaços comerciais que servem as comunidades locais, e por praças cheias de vida, nas quais não faltam igrejas. Uma delas, das poucas que visitei em Florença, merece destaque particular, pela qualidade do seu interior.
Refiro-me à Igreja de Santo Spirito, projectada e construída na primeira metade do século XV, para substituir uma outra igreja que ocupava o mesmo local, por Brunelleschi, um dos maiores expoentes da arquitectura neste período.
A elegância e o equilíbrio das áreas interiores, numa proporção perfeita de formas e luz, sem os excessos decorativos de muitas outras igrejas católicas, fazem desta igreja uma das mais belas que conheço.
No final da minha visita a este templo, estando eu a ver os postais expostos num canto da igreja, observei, por mero acaso, os pés de uma jovem que se encontrava ao meu lado.
Para minha surpresa, identifiquei num dos pés dela o mapa da Nova Zelândia, tatuado. Não me contive, e confirmei que tinha a meu lado uma nativa da NZ.
A Holly, que ficou surpreendida por eu a ter identificado pela tatuagem nos pés, vive actualmente em Inglaterra, onde estuda numa universidade.
Interrogada sobre os seus planos futuros, disse-me, sem hesitação, que pretende regressar à NZ.

Por último, no que concerne a atracções culturais, em Florença, e para variar de tema, visitei uma exposição temporária sobre a China, concretamente sobre a vida no país, durante o primeiro milénio depois de Cristo, período durante o qual a China teve a sua época dourada, na dinastia Tang (617-907 DC), a qual deu ao país a sua única Imperatriz, Wu Zetian.
Esta exposição de qualidade encontrava-se patente no Palácio Strozzi, edificado no final do século XV para a família do mesmo nome, uma das mais importantes da cidade. Hoje, o palácio pertence ao estado, tendo sido adquirido a um membro da família Strozzi no século XX, por dificuldades financeiras, e é utilizado para exposições temporárias.
Ainda, tive a oportunidade de visitar o recente e bom Museu Nacional Alinari de Fotografia (http://www.alinarifondazione.it/), construído com base na colecção fotográfica da empresa Fratelli Alinari, nascida em Florença, em 1852.

Florença tem uma ampla oferta de restaurantes, gelatarias e um bom mercado alimentar, Mercato Centrale.
Quanto aos primeiros, recomendo os restaurantes La Galleria, Osteria Santo Spirito,e Trattoria Angiolino, todos no lado sul da cidade, muito próximo do rio.
Sobre os gelados que comi em Florença, e a oferta é vasta, encontrei o melhor de todos os que provei em Itália, no Vivoli (http://www.vivoli.it/), em local escondido, próximo da Praça S. Croce.
Como alternativa, embora os gelados do Vivoli sejam os melhores, recomendo os da La Carraia, junto à ponte do mesmo nome, no lado sul.
Sobre os gelados italianos, depois de ter provado algumas dezenas, é forçoso estabelecer uma comparação com os da mesma linhagem, que conheço de Portugal, e da Argentina.
Em Portugal, o mais ilustre dos gelados italianos que conheço é o do Santini, em Cascais, que é bom mas caro, se compararmos o mesmo com os congéneres de Itália, e muito caro, comparando com os da Argentina.
Esta apreciação comparativa tem por base a qualidade, quantidade e preço dos gelados.
Quanto aos gelados da Argentina, também de estilo italiano, são da melhor qualidade, de preço imbatível, e com uma variedade de sabores superior às de Itália e Portugal.
Aliás, como me disse a Paola, argentina, talentosa criadora de jóias (http://www.paolavolpigioielli.com/PaolaVolpi_homepage.html), com loja em Roma, onde reside, os italianos não sabem o que é o “dulce de leche”, o doce mais popular da Agentina, onde é também apreciado como gelado.

De Florença, parto para Perugia, desta vez de comboio. A viagem para sul, decorre com prazer, com vistas campestres interessantes e, pouco antes de chegar a Perugia, contornando o Lago Trasimeno pelo lado norte.
Perugia: festa estudantil.

PERUGIA

Saio numa estação que está identificada como de Perugia – Universidade, e só depois de estar fora do comboio é que constato que esta não deve ser a estação que me interessa.
Seja como for, não é grave. Depois de solicitar ajuda a uma estudante que estava a sair da Universidade, apanho um autocarro para o centro da cidade (acabo por viajar de graça, pois o condutor só me venderia o bilhete se eu tivesse o valor exacto da tarifa, o que não acontecia).
A viagem ainda é longa, sempre a subir, e pouco antes da chegada começa a chover com intensidade. Como o meu chapéu-de-chuva estava dentro da mala, saio do autocarro para me abrigar da chuva, à porta de uma gelataria (não, desta vez não comi nenhum gelado …).
Não conhecendo a cidade, embora soubesse que tem uma topografia difícil, optei por apanhar um táxi, para me levar ao hotel, que sabia não estar longe.
Como chovia, esperei quase uma hora até conseguir encontrar um táxi disponível que, me levou então ao hotel, em poucos minutos.
Este, Hotel Rosalba, tem uma boa localização, e comodidade suficiente para o meu corpo mas, os proprietários não são simpáticos, o que diminui a minha satisfação.

Quando saio do hotel para me dirigir ao centro da cidade, apercebo-me da particularidade de existir uma rede de escadas rolantes que transportam as pessoas, devido aos grandes desníveis existentes. O que é ainda mais curioso é que, uma parte desses percursos está inserida em galerias medievais, com estruturas que remontam ao século XVI, e vestígios ainda mais antigos, do período Etrusco.
Aliás, este não é o único aspecto contrastante, entre o antigo e o contemporâneo, que caracteriza Perugia, no que respeita à infra-estrutura de transportes públicos já que, mais tarde, descobri um sistema de comboios ligeiros, automáticos, que circulam dentro da cidade.

Caminhando no centro de Perugia, em direcção à Praça IV Novembro, onde se encontra a Catedral e outras atracções locais, como é o caso da Fonte Maggiore, construída no século XIII, ricamente ornamentada com esculturas e baixos-relevos, e considerada a mais bela de Itália, apercebo-me da existência de um palco provisório situado ao lado da fonte.
Mais tarde, depois do jantar, voltando a esta praça, encontrei-a repleta de público maioritariamente jovem, que assistia a um espectáculo de música, de um grupo italiano.
Este espectáculo, e os que aconteceram nas noites seguintes, estavam relacionados com o final do ano lectivo para as universidades locais, e também com um encontro/feira de universidades italianas, que aqui estavam reunidas, para divulgarem os seus serviços.

Perugia, a principal cidade da região da Umbria, tem também um importante património artístico e arquitectónico, pelo que dediquei algum tempo a visitar algumas das atracções culturais locais.
O principal museu de Perugia, a Galeria Nacional da Umbria, apresenta uma vasta colecção de obras de arte, particularmente pinturas, de arte sacra, onde se destacam dois dos mestres que muito trabalharam nesta região.
O primeiro, mais famoso, conhecido como Perugino (apesar de não ter nascido em Perugia), e o segundo, seu contemporâneo (século XV), Pintoricchio (autor dos magníficos frescos da belíssima biblioteca da Catedral de Siena), sobre o qual estava patente uma exposição temporária, retrospectiva da sua vida e obra.
À parte o inegável valor das obras expostas, destes e de outros artistas, quero realçar a qualidade dos espaços expositivos deste museu, que primam pela elegância e bom gosto, sem excessos decorativos.
Em local próximo do museu, no mesmo edifício, o “Pallazzo dei Priori”, está instalado o Collegio del Cambio, local onde os banqueiros locais exerciam as suas actividades cambiais. Aqui, as paredes e tecto da sala principal estão cobertas por frescos executados por Perugino, no final do século XV, que são considerados dos trabalhos mais importantes deste artista.
Nesta obra terá colaborado o seu aluno mais famoso, então com 13 anos de idade, Rafael.
Próximo da Catedral, que era objecto de importantes obras de restauro no interior, encontra-se um local curioso, o Poço Etrusco, exemplo da mestria dos etruscos na arte da construção. Com pelo menos 35 metros de profundidade, foi durante muito tempo a principal fonte de abastecimento de água à população da cidade.

Dos restaurantes visitados em Perugia, destaco a Pizzeria Mediterranea, e a Osteria del Gambero, este para apreciadores da boa mesa e também de vinhos, com o serviço de mesa assegurado pela Laura, romena, atenciosa e decidida.

Enquanto estive em Perugia, tratei de alugar um carro, para o restante percurso desta viagem. Assim, vou visitar Assisi, situada a curta distância de Perugia.
Assisi, é um importante local de peregrinação católica, devido a S. Francisco de Assis que aqui viveu.
Embora a mim não me inspirem os motivos religiosos, mesmo que os respeite, tinha curiosidade em conhecer a localidade, e os templos dedicados a S. Francisco.
Inevitavelmente, até porque me desloco a Assisi num domingo, encontro a cidade com muitos visitantes, tanto italianos como estrangeiros.
A localização de Assisi é semelhante à de dezenas de outras localidades nestas regiões, alcandorada numa elevação, com o casario de pedra harmonioso a espalhar-se pelas encostas. No caso de Assisi, ao aproximar-me, observo numa das extremidades da povoação, um conjunto arquitectónico cujo volume, muito superior ao das restantes construções, identifico como sendo a Basílica de S. Francisco.
Estaciono o automóvel no extremo oposto da cidade antiga, e caminho pelo interior, sempre a descer, percorrendo ruas com muito comércio, até chegar ao limiar da Basílica, situada a alguma distância do casario urbano, o que permite uma observação cuidada.

A Basílica de S. Francisco foi edificada no século XIII, poucos anos após a morte do próprio S. Francisco, e é uma obra de engenharia notável, já que foram construídas duas igrejas no mesmo terreno, uma sobre a outra.
Assim, começo por visitar a igreja inferior, debaixo da qual se encontram sepultados os restos do corpo de S. Francisco, e de quatro dos seus companheiros. Este espaço, de grande beleza formal, sem ostentação, foi criado já no século XX, substituindo um outro túmulo mais elaborado, construído no inicio do século XIX, quando foi finalmente descoberto o local onde o corpo de S. Francisco havia sido secretamente sepultado por alguns dos seus discípulos.
Regressando à igreja inferior, apresenta-se ricamente adornada com frescos em toda a extensão das suas paredes e tectos, sendo que tem um pé direito relativamente baixo, talvez por necessidades estruturais, já que suporta a igreja superior.
O ambiente interior é acolhedor, com pouca luz natural, convidativo à introspecção e, apesar do elevado número de visitantes, conseguimos lá estar em relativo silêncio, sobretudo pelos frequentes apelos feitos por funcionários para que os visitantes não façam barulho.
A igreja superior, de estilo diferente da sua vizinha, com mais luz natural e um pé direito elevado, tem um extraordinário conjunto de 28 frescos dedicados à vida de S. Francisco, do final do século XIII, da autoria de Giotto, o mais importante de todos os artistas que trabalharam neste projecto grandioso.

De regresso ao local onde havia deixado o carro, percorri outras ruas da cidade, que me deixou uma impressão favorável, passando na Praça “del Comune” onde pontifica a fachada do Templo de Minerva, construção monumental do período Romano, que posteriormente foi adaptado para servir de entrada para uma igreja.
A curta distancia desta praça, encontra-se a La Bottega del Pasticceria, uma pastelaria e gelataria de excelente qualidade.

No dia seguinte, deixo Perugia para me dirigir para sul, para Bevagna.
Aqui chegado, procuro alojamento, que encontro rapidamente. Escolho o Hotel Palazzo Brunamonti, excelente, pela relação qualidade/preço.
O hotel está localizado na rua principal da vila, a poucas dezenas de metros da praça principal, que tem duas igrejas construídas no final do século XII, San Silvestro e San Michele, situadas uma em frente à outra, com interiores austeros, sem a parafernália de obras de arte exuberantes que quase sempre enchem as igrejas católicas italianas.
De resto, Bevagna é uma vila pacata, com casario antigo, totalmente rodeado por muralhas medievais. Aqui, a vida ainda decorre ao ritmo do prazer pessoal, isto é, sem as pressas crónicas que atormentam a maioria das pessoas que vivem nos maiores centros urbanos.
Passeando pelas ruas da povoação, sem pressas, constatei da antiguidade da mesma, que remonta ao período Etrusco, visitando uma construção do tempo Romano, que é parte de um antigo anfiteatro, onde existe um interessante e complexo engenho hidráulico.
Hoje, o local pode ser visitado através de uma instituição privada local, Compagnia delle Arti, que gere este património, do qual também faz parte uma habitação medieval, equipada com mobiliário e utensílios da época, ou nalguns casos, réplicas, e uma loja onde algumas destas são vendidas.

No primeiro de dois dias aqui passados, escolhi um pequeno bar/restaurante para almoçar, La Bottega de Asù, situado na rua principal, à entrada da praça.
Como o ambiente exterior era convidativo - pouco trânsito, pessoas a caminharem a um ritmo tranquilo, e tempo agradável – sentei-me numa mesa na rua, tendo antes cumprimentado o casal que estava na mesa ao lado.
Este, a Judith e o Jim, norte-americanos, estão a fazer uma viagem a Itália (não sendo a primeira) com características diferentes. Como ambos gostam de caminhar, estão empenhados em percorrer esta região a pé, fazendo trajectos diários que variam entre dez a vinte quilómetros, por caminhos pedestres, assinalados em mapas fornecidos pela empresa à qual contrataram a viagem. Quanto à bagagem, aquela de que não precisam durante as caminhadas, fica a cargo da empresa, que a transporta diariamente para os hotéis que lhes estão reservados.
Aqui em Bevagna, coincidiu que ficámos alojados no mesmo hotel, e porque estabelecemos de imediato uma relação amigável, combinámos jantar juntos, no Restaurante Ottavius (amplamente recomendado), onde continuámos a nossa agradável conversa.
A Judith e o Jim já têm mais de 70 anos de idade (cada um …) e, para além de gostarem de Itália, têm cá amigos com os quais se irão encontrar, partilhando com eles um outro prazer, o da música erudita. De facto, o Jim trabalha nos E.U.A., em Nova Iorque, como professor de História da Música, e toca nas horas vagas.
No dia seguinte, a Judith e o Jim, seguiram o seu percurso, em direcção a Spello, para onde eu também fui, mas de carro. Ainda lhes ofereci boleia, o que eles recusaram.
No entanto, casualmente, voltámos a ver-nos em Spello, já que, quando eu me aprestava para sair do restaurante onde havia almoçado, que faz parte de um hotel, os meus amigos caminhantes chegaram da sua etapa diária.
Enquanto o Jim se retirou para o quarto para descansar, a Judith ainda teve força para ir passear comigo pelas ruas de Spello, tortuosas e empinadas, mas engalanadas com muitas flores.

Spello tem também um número apreciável de igrejas embora, não tantas como no passado. De facto, no inicio do século XVII, a povoação tinha então cerca de 2.000 habitantes e 100 igrejas. Uma das igrejas que sobreviveram é a de Santa Maria Maggiore, detentora de um importante património artístico, do qual sobressai um magnífico conjunto de frescos executados em 1501, por Pinturicchio, na Capela Baglioni.

Ainda em Spello, ao caminhar pelas ruas, fui surpreendido por um conjunto de automóveis antigos, da marca Bugatti, que estavam de passagem, no decurso de um passeio pela região.

Ainda a partir de Bevagna, fiz um outro passeio até Montefalco, pequena localidade situada a poucos quilómetros de distância.
O que me atraiu a Montefalco, para além das referências que atestam a autenticidade desta pequena vila, ainda pouco afectada pelo turismo, feitas no guia que estou a utilizar nesta viagem, foi o facto de ter tido conhecimento da existência de pelo menos uma empresa têxtil, sedeada na região, que produz artigos de alta qualidade, para uso doméstico.
Na verdade, acabei por descobrir duas empresas têxteis, que competem no mesmo sector de mercado, ambas com lojas na área central de Montefalco.
De resto, Montefalco é também conhecida por ser o centro de uma pequena região vinícola, onde se produz o reputado vinho de mesa, tinto, Sagrantino.
Roma: pormenor da Coluna Trajana.

ROMA

Na véspera de regressar a Portugal, parto de Bevagna em direcção a Roma, onde vou estar apenas cerca de 24 horas.
O percurso feito por estrada demora cerca de 3 horas, pelo que chego a Roma ao final da manhã.
Tendo reservado previamente um quarto no Hotel Felice, situado nas imediações da estação ferroviária Termini, perto da Porta Tiburtina, uma das portas da muralha romana, da qual viajaria mais tarde para o aeroporto, tratei de passar pelo hotel para lá deixar a bagagem, para logo a seguir ir entregar o carro.
Tratadas estas formalidades, iniciei então as minhas 24 horas em Roma. Sendo a minha primeira visita a esta cidade, sem ter feito qualquer planeamento prévio, decidi empreender um passeio pelo centro de Roma, com inicio na Praça de Espanha, um dos pólos turísticos mais procurados na cidade.
Tendo viajado até à Praça de Espanha de metropolitano, ao sair para o nível da rua neste local, senti o impacto de me ver entre uma verdadeira multidão de turistas, e observei a existência de muitos polícias nas ruas. Como tinha conhecimento da visita a Roma do presidente dos E.U.A., o tristemente famoso (também poderia dizer, o infame …) George W. Bush, desconfiei que o aparato policial estaria relacionado com este visitante, o que vim a confirmar posteriormente, ao falar com vários romanos.
Da Praça de Espanha, segui pela Via Condotti, maioritariamente ocupada por lojas de marcas de luxo, em direcção à Praça Navona, ampla e elegante, onde se destaca o edifício monumental ocupado pela Embaixada do Brasil. Antes de atingir a Praça Navona, cruzei a estreita Via dei Portoghesi (Rua dos Portugueses).
Seguindo para sul, alcancei o Campo de Fiori, onde ao final da tarde assisti ao jogo de futebol entre Portugal e a República Checa, para o Euro 2008, e no dia seguinte, tendo lá regressado, constatei que nesta praça se realiza um mercado de rua, de bens alimentares.
Logo a seguir, encontra-se a Praça Farnese, que, em contraponto com a sua vizinha, se apresenta como um espaço tranquilo.
Por esta amostra de Roma, e pelo que iria ainda ver, agradou-me a estrutura urbana da cidade, com um número significativo de praças públicas que funcionam como catalisadores de vida.

Depois do futebol, procurei local para jantar, coisa fácil numa cidade que tem uma vasta oferta de restaurantes e estabelecimentos afins.
Das poucas informações que tinha sobre Roma, por leituras recentes, constava uma apreciação das pizarias da cidade. Uma das casas com melhor reputação na preparação de pizas, uma instituição da cozinha italiana, é a Pizzeria da Baffetto, que fica nas redondezas.
É pois aqui que vou jantar. Ao perguntar a um romano se iria na direcção certa, ele disse-me que sim, que encontraria a casa quando visse uma fila de pessoas à porta. Dito e feito, um pouco mais adiante, na Via del Governo Vecchio, à esquerda, lá estava uma fila de pessoas à porta de um restaurante com uma ampla esplanada, cheia de clientes.
Coloco-me na fila, e espero. À minha frente, um homem só, como eu, também aguarda a sua vez. Dada a demora, ambos compreendemos que, se nos juntássemos para jantar, seriamos atendidos mais rapidamente do que se persistíssemos em ficar cada um com a sua mesa.
Apresentamo-nos. O meu companheiro para o jantar de hoje é o Peter, belga, flamengo, residente no sul de Espanha, pelo que adoptamos o castelhano para nos entendermos.
Já sentados na esplanada, enquanto esperamos pelas pizas, o Peter conta-me a sua história de vida. Vive com a família, é casado e tem duas filhas, em Espanha, e é empresário da construção civil. Como o negócio não está no seu melhor momento, o Peter está a considerar alternativas a Espanha, e por isso deslocou-se por uns dias à Eslováquia, para conhecer o país.
De regresso a Espanha, passou por Roma, apenas por dois dias.
Entretanto, as pizas já tinham chegado, e concordamos na opinião de que são muito boas, justificando a fama da casa.
Como a rotação de clientes é grande, ao nosso lado sentou-se um grupo de quatro pessoas, que falavam uma língua eslava, que não identificámos imediatamente. Por curiosidade, perguntei de onde vinham os nossos novos vizinhos, e a resposta indicou a Rússia.
Depois de uma breve troca de palavras, despedimo-nos dos russos, para sair. Ali ao lado, há uma gelataria que nos atrai. Enquanto nos decidimos, com a ajuda da proprietária, italiana, ouvimos também a opinião de uma cliente, napolitana, que aproveita para se manifestar desgostosa por estar a viver em Roma, cidade pouco animada, se comparada com Nápoles.
O gelado da Frigidarium é bom mas, eu tinha uma outra recomendação nesta área (quero dizer, nos gelados), pelo que decidimos empreender uma caminhada até à Fonte de Trevi, onde se encontra a Gelataria San Crispino.
Para lá chegarmos, passamos pela Praça Navona, Panteão e Praça S. Ignazio.
Quando chegamos à pequena praça onde se encontra a monumental Fonte de Trevi, manifestamo-nos surpreendidos pela multidão de visitantes, como nós, que andam pelas ruas de Roma, aquela hora, quase à meia-noite.
Aqui, no meio dos turistas, movimentam-se alguns vendedores ambulantes, imigrantes do Bangladesh, que ganham a vida vendendo chapéus-de-chuva, tripés para máquinas fotográficas e uns discos luminosos que atraem a atenção de todos, e que devem ser os “gadgets” da moda, certamente importados da China. Aliás, estes vendedores ambulantes, que aparentam ser todos de países do sul da Ásia, estão invariavelmente presentes nos locais mais frequentados por turistas, nas principais cidades italianas que visitei, vendendo sempre os objectos acima descritos.
Depois de o Peter ter comprado uns discos luminosos para oferecer às filhas, lá fomos à procura da Gelataria San Crispino, ali perto, onde comemos mais um bom gelado.

No dia seguinte, o último da minha estada em Itália, ainda fui conhecer a área da cidade na qual se encontram alguns dos mais importantes registos arquitectónicos do Império Romano.
Comecei pelo Coliseu, que estava rodeado por mais uma multidão de turistas, seguindo depois ao longo da avenida que se dirige à Praça Veneza, da qual se podem observar muitas ruínas de construções do período Romano.
Já próximo daquela praça, à direita, chama-me a atenção uma imponente coluna em mármore (cerca de 40 metros de altura), totalmente esculpida com altos-relevos, que representam cenas da vida do império, no inicio do século II D.C. Trata-se da magnifica Coluna Trajana, que faz parte do Forum de Trajano, o maior dos Foruns Imperiais edificados em Roma.

Para me despedir de Roma, e de Itália, vou almoçar ao Antico Forno Roscioli, espécie de padaria e pastelaria, que também produz pizas, vendidas à fatia, e que tem uma vasta e fiel clientela, a fazer fé na afluência de público (atenção ao facto de existirem dois locais com o mesmo nome, pertencentes à mesma empresa, muito próximos um do outro, sendo que num, situado na Via dei Chiavari, supostamente o mais antigo, o serviço é prestado ao balcão, não havendo lugares sentados; no outro, na Via dei Giubbonari, a oferta é maior, e existe serviço de mesa).
De volta ao hotel, para recuperar a minha bagagem, sigo para o aeroporto, de comboio, a partir da Estação Termini.
À medida que o comboio se vai afastando do centro de Roma, observo as áreas urbanas incaracterísticas e pouco cuidadas, que me levam a pensar se a Itália de hoje estará à altura do vasto e precioso legado dos seus antepassados.

19 maio 2008

AÇORES

Abril/Maio 2008

ILHA DE SÃO MIGUEL

No aeroporto, ao receber a chave do automóvel alugado previamente, o empregado da empresa deseja-me Boas Festas.
Parece-me estranho, pois não estamos próximo do Natal, mas sim em Abril. No entanto, os próximos dias na ilha de S. Miguel serão marcados pelas Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, a maior manifestação religiosa anual, nesta ilha. Esta festa teve origem numa lenda que refere o aparecimento da estátua de Cristo no Convento da Caloura, na primeira metade do século XVI, proveniente dos destroços duma embarcação atacada por corsários ao largo da ilha. Uma outra versão atribui a origem da estátua a uma oferta do Papa.
Ainda no século XVI, a imagem e as freiras do Convento da Caloura mudaram-se para o Convento de Nossa Senhora da Esperança, em Ponta Delgada. Em 1700, na sequência de um tremor de terra que abalou a ilha de São Miguel, a igreja decidiu efectuar uma procissão pelas ruas da cidade, com a figura de Cristo. No decurso desta, a imagem caiu do andor, sem que tivesse sofrido danos, e os abalos sísmicos cessaram, o que foi interpretado como um sinal divino. Até hoje, esta procissão realiza-se anualmente, no quinto domingo depois da Páscoa, começando e terminando no Campo de S. Francisco.

A procissão, que percorre algumas ruas do centro de Ponta Delgada, demora cerca de cinco horas a completar o seu percurso, sendo composta por milhares de pessoas. À cabeça, surgem apenas homens e alguns rapazes, membros de irmandades religiosas, que desfilam com uma espécie de bata encarnada, sem mangas, seguindo-se dois grupos de crianças, separados, primeiro o masculino, seguindo-se o feminino. Só então desfila o andor, suportado por homens, e acompanhado por membros do clérigo, após o que surge uma massa humana compacta, constituída por pessoas anónimas, onde se encontram, finalmente, as mulheres.
Sem querer meter foice em seara alheia, esta disposição dos participantes parece-me sexualmente discriminatória. De resto, sabendo de antemão da forte ligação da sociedade açoriana à religião católica, esperava assistir a manifestações de fé mais exaltantes e dramáticas do que aquelas que presenciei no decurso desta procissão.
Integradas neste desfile da sociedade micaelense, surgem dezenas de bandas filarmónicas, representantes das freguesias da ilha, que interpretam apenas uma música, o hino desta procissão. As bandas filarmónicas são instituições culturais importantes no arquipélago dos Açores, havendo muitas com mais de 100 anos de vida, conforme expresso nos estandartes que as acompanham.
Esta procissão tem uma característica singular, que é a do percurso estar engalanado por um tapete contínuo, construído nas ruas pelos habitantes das mesmas, apenas na manhã do dia da procissão. O tapete é feito com flores e outros elementos vegetais, que se conjugam de muitas formas, de acordo com os gostos e arte dos executantes.
Como este trabalho é feito sobre o pavimento das ruas nas quais a procissão desfila, ao fim de algum tempo o tapete laboriosamente construído desfaz-se, dando lugar a uma massa abstracta que ameniza a dureza do piso empedrado.

Esta é a minha quarta visita ao arquipélago dos Açores, do qual conheço cinco das nove ilhas. Desta vez, na companhia do Joel, Fotógrafo (as melhores fotografias desta viagem podem ser vistas em http://www.joelsantos.net/), defini como objectivo principal ajudá-lo na busca de situações propícias a serem fotografadas, aproveitando para revisitar terras encantadas pela natureza.
Não havendo tempo para visitarmos todas as ilhas do arquipélago, escolhemos as de São Miguel, Flores e Terceira, por esta ordem. De resto, parto para esta viagem com a esperança de que me possa sentir atraído pelas belezas dos Açores, a ponto de poder considerar lá viver.

Em São Miguel, somos hóspedes da Isabel, natural desta ilha, amiga do Joel. Curiosamente, conheceram-se em Timor, quando ambos lá viveram, trabalhando na universidade local.
A Isabel recebe-nos em sua casa, na costa norte da ilha. Daqui partimos diariamente para os nossos percursos que nos levam aos quatro cantos da ilha, sempre na busca das melhores oportunidades fotográficas.
Para quem não sabe como é a vida dum fotógrafo profissional em viagem, digamos que é uma corrida permanente para observar as situações mais atraentes, se possível nas melhores condições de luz. Normalmente, pela época do ano em que estamos, o nosso dia de trabalho termina por volta das 21 horas, ao cair da noite.
Entretanto, no decurso da nossa estada em São Miguel, a Isabel ausentou-se da ilha, tendo-nos entregue a sua casa. Recebidas todas as instruções relativas aos procedimentos a ter, incluindo a alimentação dos três cães que vivem com a Isabel, ao regressarmos a casa no final do dia da procissão, já bastante tarde, somos surpreendidos pela impossibilidade de abrir a fechadura da porta que nos daria acesso à casa, apesar de termos uma chave da mesma.
Depois de ponderarmos as opções, decidimos tentar arrombar a fechadura, tarefa nova para ambos. Para tal, servimo-nos de duas ferramentas de trabalhos de jardinagem da Isabel, uma enxada e uma tesoura de podar plantas. Provavelmente não utilizámos métodos profissionais mas, o Joel empenhou-se a fundo para conseguir violar a fechadura que nos impedia de entrar em casa. Assim que a fechadura cedeu, aberta a porta, nova surpresa nos atinge. O alarme da casa dispara, e só pensamos nos vizinhos que já devem estar a dormir, e na possibilidade de nos tomarem por assaltantes, visto que a proprietária da casa está ausente, e não se encontra contactável por telefone. Rapidamente decidimos telefonar para a polícia, para a informar da situação, e esperar pela visita dum representante da empresa de segurança que iria verificar a ocorrência. Felizmente, um e outro acreditam na nossa informação e assim, já de madrugada, podemos finalmente dormir.

Este meu regresso aos Açores, oito anos depois da minha anterior visita, permitiu-me constatar que neste canto do mundo a maioria das pessoa ainda vive num ritmo pausado, sem pressa, e que hoje se vêm mais estrangeiros nestas ilhas, tanto visitantes como residentes.

Em Mosteiros, povoação situada no extremo ocidental da ilha, e por isso escolhida pelo Joel para fotografar ao final do dia, jantámos na Pizzeria Fantasia, propriedade de uma família italiana, aqui residente há doze anos. A verdade é que, só demos com este restaurante depois de duas tentativas fracassadas de encontrarmos um restaurante local que nos servisse jantar, cerca das 21 horas. Para os indígenas, tal hora era tardia para trabalharem. Na Pizzeria Fantasia fomos recebidos com simpatia e profissionalismo. Em conversa com os proprietários, compreendemos as razões pelas quais esta casa impõe algumas regras aos seus clientes (bem expressas no cartão do restaurante). Esta família italiana pretende apenas oferecer um serviço correcto, e não ser prejudicada pela atitude displicente de muitos dos clientes locais.

De resto, no que respeita à gastronomia local, quero ainda referir a experiencia de degustarmos o cozido nas caldeiras à moda das Furnas, nesta parte da ilha. Sendo todo o arquipélago dos Açores uma região vulcânica, é na área das Furnas, na ilha de São Miguel, que se sente com mais facilidade o poder das forças telúricas, encontrando-se as chamadas manifestações secundárias de vulcanismo, particularmente as fumarolas.
Aproveitando a energia térmica proveniente das entranhas da terra, alguns restaurantes locais servem o cozido à portuguesa na versão ecológica, sendo os alimentos cozinhados em buracos escavados no solo. O nosso cozido foi preparado e servido pelo restaurante Tony’s. Apreciámos a qualidade das matérias-primas confeccionadas e, no meu caso, em particular as couves e a morcela (um enchido de sangue).
Ainda na povoação das Furnas, registo a prova de um outro produto tradicional, o bolo lêvedo, um pão adocicado, de massa macia, bastante saboroso.

Para rematar, quando voltar à ilha de São Miguel, como visitante ou residente, escolherei a região da Caloura, na costa sul da ilha, a oriente de Ponta Delgada, para ficar, pelas superiores qualidades paisagísticas e arquitectónica.


























ILHA DAS FLORES

O prazer da escrita pode ser exercido em muitos locais, e este onde agora me encontro é um dos mais agradáveis de que tenho memória.

Estou sentado frente a uma grande mesa de madeira, com bancos corridos, num final de tarde de Primavera, ameno, na Aldeia da Cuada (http://www.aldeiadacuada.com/), no lado ocidental da ilha das Flores.
O ambiente que me rodeia é bucólico, com várias casas e muros de pedra da aldeia, muitas árvores e plantas diversas, algumas vacas a pastarem tranquilamente à minha frente, para além de aves que esvoaçam aqui e ali, enquanto me encantam com os seus cantos.
Nas minhas costas, a alguma distância, está um majestoso anfiteatro natural de encostas verdejantes dos montes vulcânicos da ilha, ao longo das quais se despenham muitas quedas de água vindas das terras altas, sempre húmidas, devido à elevada pluviosidade que aqui se regista.
À minha frente, a escassas centenas de metros, vejo o mar, o Oceano Atlântico, que se estende até à linha do horizonte, ininterrupto, ou melhor, este oceano vai muito para além do que a minha vista alcança, até às costas da América do Norte, já que me encontro no ponto geográfico mais ocidental de toda a Europa.

A Aldeia da Cuada, hoje uma unidade de turismo rural, tem uma história curiosa: foi em tempos uma povoação local, freguesia, como nos Açores se identificam as localidades, e já na segunda metade do século vinte foi abandonada pelos seus habitantes, devido ao êxodo que caracterizou a evolução demográfica dos Açores nesse período.
No final da década passada, um casal local, caso raro mas feliz, tomou a iniciativa de recuperar as casas originais da aldeia, construídas em pedra vulcânica da ilha, abundante, e de as colocar no mercado turístico, para deleite de quem aprecia ambientes tradicionais, tranquilos.
No ano de 2000, tive a oportunidade de conhecer este local maravilhoso, então na companhia da Ana, tendo ficado gravado nas nossas memórias.
Agora, no meu regresso, reencontro o casal proprietário, Teotónia e Carlos, que me contam da sua satisfação pela obra realizada, embora também me confessem as dificuldades que têm para recrutar colaboradores competentes na ilha, a ponto de estarem receptivos à possibilidade de darem trabalho a estrangeiros que queiram habitar neste paraíso.

Esta curta estada de dois dias na ilha das Flores foi decidida quando o Joel manifestou o seu interesse em conhecer esta ilha, depois de já ter visitado a sua homónima da Indonésia. Sem que o Joel pretendesse fazer comparações entre estas duas ilhas, a verdade é que ficou maravilhado com a beleza natural das Flores, dos Açores.

Nos passeios que fizemos na ilha, incluímos uma visita ao extremo norte, onde se situa a povoação de Ponta Delgada, do qual se tem uma vista panorâmica para a pequena ilha do Corvo, a mais remota do arquipélago. Perto da povoação, situa-se um farol, isolado e sólido, que sinaliza a costa norte da ilha das Flores. Neste reduto vive o faroleiro e a sua família, na companhia de alguns animais domésticos, entre os quais observámos uma cabra e dois porcos, que pareciam dar-se bem com os ares marítimos. Os porcos estão destinados ao sacrifício da matança, no próximo mês de Junho, na ocasião do aniversário de um filho do faroleiro.

Para mim, sendo a terceira visita a esta ilha, não me surpreendi com nada, tendo apenas observado que o progresso por estas paragens é lento.
Constatei que já existe um número apreciável de residentes estrangeiros, entre os quais uma família chinesa, proprietária dum estabelecimento comercial.

Um dos aspectos menos positivos da ilha das Flores, para os visitantes, é o reduzido número de restaurantes que existem na ilha, e o fraco nível dos mesmos. A única excepção comprovada é a do Restaurante Forno Transmontano, situado na povoação da Fazenda das Lajes, no lado oriental da ilha, que é propriedade de um casal originário de Trás-os-Montes, entendido na arte culinária, e que sabe receber.


























ILHA TERCEIRA

Viajando da ilha das Flores para a Terceira, aterramos no aeroporto das Lajes, provavelmente o mais espaçoso do arquipélago. Este aeroporto é utilizado tanto pelas autoridades civis como pelas militares, e, no caso destas, encontram-se as forças armadas norte-americanas.
De facto, há muito que os E.U.A. possuem uma base militar na ilha Terceira, preciosa para as operações transatlânticas. Hoje, vivem e trabalham na base dos E.U.A. cerca de 800 norte-americanos, número bastante inferior ao de outros tempos.
Os membros desta comunidade estrangeira residem em instalações próprias, próximo do aeroporto, e são visitantes frequentes da segunda maior cidade da ilha, Praia da Vitória, onde se situa o principal porto de mercadorias local. Numa breve visita a Praia da Vitória, constatámos que o comércio local está vocacionado para servir os residentes norte-americanos, havendo alguns estabelecimentos comerciais decorados ao estilo americano, e com oferta de produtos populares para aqueles clientes.

Já na cidade de Angra do Heroísmo, tal não se verifica, e a presença dos norte-americanos é muito menos visível.
A nossa residência na Terceira situa-se nos arredores da cidade Angra do Heroísmo, e dá pelo nome de Quinta do Martelo (http://www.quintadomartelo.com/). O que nos atraiu para este local foi o facto de se apresentar como um bastião das tradições regionais, tanto no plano arquitectónico e da decoração dos interiores, como na oferta gastronómica. De facto, desde a nossa chegada ao local, que nos sentimos retroceder no tempo, pelo ambiente local.
Fomos saudados pelo Francisco, jovem brasileiro, que se revelou não apenas um empregado esmerado, mas também um ser de interesses múltiplos. Com ele, visitámos alguns dos espaços existentes na Quinta do Martelo, que recriam antigas oficinas de artesãos, onde se encontra uma grande quantidade e variedade de instrumentos de trabalho já em desuso, e de objectos outrora utilizados para as tarefas domésticas e rurais.

A estada do Joel na ilha Terceira foi mais curta que a minha, pelo que, no período em que estivemos juntos, dedicámos particular atenção às melhores oportunidades para fotografar. Assim, durante dois dias, percorremos as estradas da ilha, tendo constatado que, das três ilhas visitadas, esta é a que possui um património arquitectónico de melhor qualidade, e não apenas pelo que existe em Angra do Heroísmo.

Durante o périplo pela Terceira, também nos apercebemos da proximidade e importância das Festas do Divino Espírito Santo, que têm início neste mês de Maio, prolongando-se por cerca de dois meses, trazendo muita animação a todas as freguesias da Terceira, numa simbiose entre as manifestações religiosas e pagãs. Se por um lado o centro destes festejos são os Impérios, pequenas construções de estilo arquitectónico singular, que albergam as figuras associadas à vertente religiosa das Festas do Divino Espírito Santo, e que se encontram por toda a ilha, por outro lado as touradas à corda (assim chamadas porque o touro é conduzido pelas ruas, mas preso por uma corda) são muito populares. Durante a nossa estada, observámos alguns preparativos para as festas que se avizinham, como os cuidados de pintura e limpeza dos Impérios, sempre a cargo de mulheres, e a decoração das ruas mais próximas dos templos religiosos com bandeiras alusivas às festas.
A verdade é que os terceirenses são reconhecidos como foliões, e durante a minha estada na ilha Terceira, na primeira semana de Maio, pude comprová-lo. Todos os dias se fizeram ouvir foguetes, anunciando festejos nas freguesias próximas de Angra do Heroísmo.

O prolongamento da minha estada na Terceira visava conhecer melhor a cidade de Angra do Heroísmo, pelo que me mudei para um hotel localizado no centro da cidade, o Beira Mar. Com excelente localização, frente a uma pequena praia de areia escura, e ao lado da marina para embarcações de recreio, serviu-me na perfeição para explorar a cidade a pé.
A cidade de Angra do Heroísmo, tem uma localização privilegiada, tendo crescido a partir de uma pequena baía aberta a sudeste, protegida por uma elevação de origem vulcânica, o Monte Brasil.
O primeiro aspecto que impressiona nesta cidade, cuja área central está classificada pela UNESCO como Património Cultural da Humanidade, é a harmonia arquitectónica, definida por edifícios de baixa volumetria, com excepção de algumas igrejas e outras construções de uso público. De resto, a história da cidade remonta ao século XV, após a chegada dos primeiros colonos à ilha, tendo tido um desenvolvimento assinalável a partir do período de colonização do Brasil, e também do domínio castelhano de Portugal (final do século XVI e inicio do século XVII). Durante o período de expansão territorial dos dois reinos ibéricos, e particularmente da ocupação da América Latina, a cidade de Angra do Heroísmo foi um porto importante na rota dos navios que viajavam entre as Américas e a Península Ibérica. Tal foi a importância estratégica deste porto marítimo que os castelhanos, durante o período de ocupação de Portugal, ordenaram a construção de uma grande fortificação que circunda o sopé do Monte Brasil, provavelmente a maior das fortalezas construídas por Espanha no mundo, que dá pelo nome de Castelo de São Filipe – São João Baptista do Monte Brasil, com o objectivo de garantir protecção às embarcações provenientes do Novo Mundo, com cargas valiosas, que eram perseguidas por corsários.
Hoje, já ultrapassadas as querelas territoriais entre Portugal e Espanha, e não existindo mais corsários nesta região do mundo, a área desta impressionante fortaleza continua à guarda das Forças Armadas que, com o habitual zelo militar, não facilitam o acesso a determinados pontos.
Se o turismo é hoje vital para o desenvolvimento económico de Portugal (ou será para a sobrevivência?), não seria conveniente repensar a utilização do património nacional, de modo a colocá-lo ao alcance dos interessados? De resto, nesta mesma cidade existem alguns bons exemplos, como é o caso do recente projecto de requalificação urbana da área da baía fronteira ao centro da cidade, que aproximou a urbe do mar, através de acessos pedonais que são utilizados pelos residentes e visitantes, para fruírem desta área.
Nesta parte da cidade, na marina, várias embarcações rápidas aguardam passageiros que nelas viajam para verem alguma da fauna marinha da região, nomeadamente golfinhos e baleias. Ao que me dizem, a taxa de sucesso na observação dos animais é inferior a 50%, o que me faz lembrar que, na Nova Zelândia, na região de Kaikoura, onde estive há pouco mais de um ano, as viagens de barco (e não vou referir as diferenças dos barcos utilizados nos dois locais …) tinham uma taxa de sucesso superior a 90%, com a garantia de devolução do valor da viagem, no caso de não se avistar nenhuma baleia.

A vida na cidade de Angra do Heroísmo é pacata, o que me agrada. Aliás, para além do ritmo de vida, também me agrada a cidade enquanto estrutura urbana, pela sua localização no terreno (debruçada sobre o mar) pela sua escala humana (que permite às pessoas percorrê-la a pé), e pelas suas características arquitectónicas (com belos edifícios policromos, representativos de outros tempos). Neste último aspecto, as características arquitectónicas de Angra do Heroísmo assemelham-se bastante às das cidades históricas do Brasil, por serem contemporâneas e terem uma história comum, particularmente a de São Luís do Maranhão, neste caso, também pela localização de ambas as cidades no terreno, e pela sua topografia.

De resto, as minhas deambulações por Angra do Heroísmo levaram-me aos locais que habitualmente procuro visitar quando permaneço numa cidade durante algum tempo, como o mercado municipal (pequeno e pouco interessante, excepto a área do peixe, farta), e o museu municipal (instalado no antigo e imponente Convento de S. Francisco, e parcialmente encerrado).
Para além destes, visitei as instalações duma associação chamada Os Montanheiros (http://www.montanheiros.com/), dedicada a projectos ambientais, particularmente na área da espeleologia. Esta associação, que tem a seu cargo a gestão de algumas grutas localizadas no arquipélago dos Açores (que ainda não tive a oportunidade de visitar), possui um pequeno e interessante museu, situado nas suas instalações, em Angra do Heroísmo, com bastante informação sobre o património natural dos Açores, com destaque para a geologia.
Quanto à gastronomia local, merece destaque a Pastelaria O Forno, que apresenta uma grande variedade de doces regionais, qual deles o melhor, com nomes sugestivos como D. Amélia (em honra da rainha de Portugal), caretas, cornucópias, feiticeiros e torresmos do céu.
P.S. – No índice situado à direita, com o título Links, existe uma ligação que permite ver as melhores fotografias desta viagem.

23 fevereiro 2008


Passageiros em trânsito, no aeroporto de Frankfurt, Alemanha.
ANO NOVO, CASA NOVA

Depois de quase dois anos a viver com amigos e em hotéis, decidi voltar a ter uma casa para habitar, enquanto estiver em Portugal.
Por gosto, escolhi o concelho de Cascais, área que me é familiar, onde tenho agora um apartamento com vista panorâmica para o mar.
Há muito tempo que não dispunha de tanto espaço e privacidade, o que me permite viver de modo diferente.

Entretanto, aproveito este período para organizar melhor a minha vida e, fazer planos para o futuro. Para já, preparo várias viagens para os próximos meses, das quais falarei oportunamente.
Dezembro de 2007: Londres, Soho,
Carnaby Street.

Visita de uma semana a Londres, da qual não publico impressões,
por razões pessoais.















Singapura: The Fullerton Hotel,
com o rio Singapura em primeiro plano.














Singapura: The Gateway - Conjunto arquitectónico de escritórios.
SINGAPURA – A ALDEIA GLOBAL

Setembro de 2007

No hotel onde me encontro, em Singapura, todas as manhãs, ao abrir a porta do meu quarto, encontro o jornal diário The Straits Times dentro dum saco, pendurado na porta do quarto.
Hoje, uma das notícias de primeira página, tem uma fotografia de alguém que me é familiar, José Mourinho, o treinador de futebol, português.
A razão deste destaque prende-se com a saída de José Mourinho do Chelsea, clube que treinou nos últimos anos.
Em Singapura, como em muitos outros países que conheço, o futebol é um desporto extremamente popular. Com a acessibilidade da televisão e da internet, em Singapura como no resto do mundo, os adeptos acompanham em tempo real os acontecimentos do mundo futebolístico, e em particular dos principais campeonatos europeus.
Talvez pelo facto de Singapura ter sido uma colónia britânica, aqui o futebol inglês é vivido com paixão. Dias depois de José Mourinho ter saído do Chelsea, este clube defrontou o Manchester United, um jogo acompanhado em directo pela televisão em Singapura, num domingo à noite. Nesta noite, tendo jantado num local público, Chijmes (antigo mosteiro, entretanto reconvertido para espaços de restauração), observei a presença de muitos residentes e visitantes (muitos dos quais vestindo camisolas dos clubes intervenientes), que ali se deslocaram propositadamente para verem o jogo de futebol, em grandes ecrãs. Parecia que estávamos em Inglaterra.
Ainda sobre o fenómeno do futebol, refiro que, em Singapura, quando me identifico como português, quase todos aqueles com quem falo reagem com referencias elogiosas à qualidade do futebol português, identificando facilmente algumas das estrelas portuguesas deste desporto, com Cristiano Ronaldo à cabeça.

Estes aspectos futebolísticos exemplificam o que o Mundo hoje é: uma aldeia global.
No caso de Singapura, por ser um pequeno estado, simultaneamente uma ilha, talvez as influências globais sejam mais perceptíveis.
No plano económico, as duas áreas nas quais Singapura se identifica facilmente como importante praça internacional, a financeira e a comercial, são uma grande montra do mundo actual. Todas, ou a grande maioria das mais importantes marcas internacionais, aqui estão presentes.
Na indústria financeira, os maiores bancos e outras empresas do sector, ocupam espaços privilegiados, particularmente no centro da cidade.
Na principal sala de espectáculos musicais de Singapura, Esplanade, algumas das instituições financeiras têm camarotes privativos, onde proporcionam momentos de prazer aos seus melhores clientes.
Na área comercial, impressiona a quantidade e qualidade dos centros comerciais, que atraem residentes e visitantes, oferecendo o que de melhor, e também o oposto, que se produz no mundo.
Dos muitos casos curiosos de oferta comercial em Singapura, recordo o de um dos centros mais visitados no qual existe uma loja da Lacoste, prestigiada marca francesa de roupa, situada a poucos metros de distância duma outra loja, duma marca que me é desconhecida, Alligator. Esta tem também como símbolo o crocodilo, e produz roupa, com algumas semelhanças com a da Lacoste.
De resto, na área comercial, observo a oferta de produtos nalgumas áreas, como a das águas de mesa, onde as marcas francesas e italianas dominam, com a curiosidade de se encontrar também uma água mineral de marca Fiji, originária precisamente das ilhas Fiji.
Já no que respeita aos vinhos servidos em restaurantes, para além dos tradicionais países produtores, França e Itália, estão hoje presentes com regularidade os novos países produtores de vinho, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, E.U.A., Chile e Argentina.
Vinhos portugueses raramente se encontram nas cartas, com a excepção dos vinhos do Porto.
Já agora, mais uma curiosidade na área alimentar: num dos dois hotéis onde residi durante a minha estada de duas semanas em Singapura, os iogurtes servidos ao pequeno-almoço são suíços, e a manteiga, francesa.

Um dos aspectos mais atraentes de Singapura, para mim, é a diversidade e qualidade da oferta alimentar, incluindo restaurantes.
Sendo este pequeno estado composto por inúmeras comunidades internacionais, com as chinesa, malaia e indiana em maioria, aqui encontramos muitos e bons restaurantes de culturas diversas.
Numa das minhas experiências gastronómicas, visitei o restaurante iraniano, Shiraz, situado numa das áreas mais populares de vida nocturna da cidade, Clarke Quay.
Este restaurante oferece a genuína cozinha persa, num ambiente sofisticado, com espectáculos de dança do ventre, executados por uma dançarina russa. Aliás, este pormenor exemplificativo do mundo sem fronteiras onde vivemos, faz-me lembrar o dum outro restaurante, em Tanger, Marrocos, no Hotel El Minzah, onde uma das dançarinas que lá trabalha é argentina.

A minha estada em Singapura coincidiu com um período festivo com o nome de Mid-Autumn Festival, que, de acordo com a tradição chinesa, celebra a lua cheia de Setembro.
Segundo a Zhou, amiga que reside em Singapura desde o início deste ano, nascida e criada na China, esta festa anual é bastante importante para os chineses, que nela celebram os laços familiares e de amizade.
Um dos aspectos mais populares do Mid-Autumn Festival é o dos “mooncakes” – em tradução livre, bolos da lua – que nesta época do ano proliferam nos restaurantes, pastelarias e outras áreas comerciais. Tal é a popularidade deste doce tradicional chinês que, as pessoas procuram incessantemente os melhores exemplares para os degustarem, e as casas comerciais promovem fortemente os seus produtos, apresentando-os ao público em embalagens sofisticadas.
No âmbito do Mid-Autumn Festival, decorreu no principal Centro Cultural de Singapura, Esplanade, o Moonfest 2007, festival de actividades culturais chinesas, que apresentou espectáculos muito diversos.
Um deles, a que assisti, The Butterfly Lovers, é uma peça tradicional de teatro musical, interpretada ao estilo da Ópera Yue. Este género de ópera chinesa tem a particularidade de ser sempre interpretado por mulheres, mesmo para os papéis masculinos.
A obra teve uma excelente interpretação, complementada por magnífica cenografia.

Num dos últimos dias passados em Singapura, caminhando na Orchard Road, a avenida com maior concentração de áreas comerciais da cidade, com os passeios amplos sempre repletos de gente, apercebi-me do som de música do Brasil, de uma bateria de samba.
Naturalmente, pensei que um grupo de músicos brasileiros estaria a exibir os seus talentos musicais em Singapura. Procurando a origem desta música vibrante, encontrei uma pequena multidão que rodeava o grupo de músicos.
Surpreendentemente, aproximando-me do local da festa musical, encontrei um grupo de algumas dezenas de jovens, munidos de pandeiros e outros instrumentos tradicionais da música brasileira, sendo que todos tinham feições orientais, o que me levou a reconsiderar a origem étnica dos membros deste grupo.
Seguramente que, estes jovens músicos não são brasileiros, embora interpretem os ritmos do samba de forma calorosa. Já a plateia, estática, embora interessada, não tem no sangue o fulgor e a espontaneidade dos brasileiros que, perante estímulos musicais como este, dança compulsivamente.

De regresso a Portugal, via Alemanha, recordo as experiências multiculturais vividas, que fazem de Singapura um local fascinante.