17 julho 2008

A Ingrid e o Carlo, no pátio da sua casa, em Porto.




















ITÁLIA - ENTRE A UMBRIA E A TOSCANA

O acto de viajar pode ter muitas motivações. Para mim, uma das mais fortes é a possibilidade de conciliar o prazer de viajar com a companhia de amigos, particularmente se estes tiverem um vínculo ao local de destino da viagem.
É o que acontece com a Ingrid e o Carlo. Eles têm uma casa em Itália, na região da Umbria, numa aldeia chamada … Porto, nas proximidades do pequeno Lago de Chiusi, e também do grande Lago Trasimeno.
É aqui que vai ter inicio esta minha viagem, de quase três semanas, a Itália.

Ao chegar ao aeroporto de Roma, sigo de imediato para a cidade, de comboio, chegando à enorme e muito movimentada Estação Termini.
Aqui, apanho um outro comboio, para norte, que me levará até Chiusi, onde me esperam os amigos Ingrid e Carlo.
O percurso, depois de deixarmos a área urbana de Roma, torna-se agradável, com paisagens campestres, verdejantes, com frequentes manchas vermelhas de papoilas, e árvores que me são familiares dos campos de Portugal.
Aqui e ali, aparecem pequenas povoações no cimo de pequenas elevações, com aspecto antigo.
Quando o comboio pára em Chiusi, cerca de uma hora e vinte e cinco minutos depois de sair de Roma, saio, e lá estão a Ingrid e o Carlo, de braços abertos, para me acolherem.

O resto do dia da chegada foi passado em Porto, primeiro no hotel onde me instalei, o único da aldeia, Monteluce, que tem quartos modestos (o meu, tem a banheira mais pequena que eu alguma vez utilizei) mas, em contrapartida, tem um amplo jardim, cuidado, com belas árvores, entre as quais muitas tílias, que estão agora a começar a florir, e uma piscina.
O jardim, está ao cuidado da Franca, italiana, ex-professora, que se dedica seriamente a este local, onde também vive.
A Franca, pelo que pude conhecer dela, em conversas que tivemos, tem outras actividades, nomeadamente no campo espiritual.
Ao final do dia, fui visitar a Ingrid e o Carlo. A casa deles fica situada a poucas centenas de metros da aldeia, e está rodeada por campos agrícolas.
Esta casa foi comprada pelo Carlo, em 1985, quando então se mudou da Alemanha, o seu país natal. O Carlo, aqui viveu até há cerca de cinco anos, quando então iniciou uma relação sentimental com a Ingrid, também de origem alemã mas, mais portuguesa que a maioria dos portugueses que conheço.
Hoje, a Ingrid e o Carlo residem a maior parte do tempo em Portugal, onde somos vizinhos.
A casa de Porto, foi transformada pelo Carlo, que trabalhou como Arquitecto, sendo um espaço acolhedor, repleto de memórias de uma vida rica (no sentido positivo do termo).
Em casa, enquanto jantamos – e o Carlo é um gastrónomo – fazemos planos para os próximos dias, ou melhor, os meus amigos informam-me dos seus planos pois, sendo eles profundos conhecedores desta região, tínhamos combinado previamente que estes primeiros cinco dias, o tempo que aqui permanecerei, seriam ocupados do modo que eles desejassem.

Assim, no dia seguinte, saímos de manhã, para irmos visitar um local especial, uma propriedade privada, que o Carlo teve a ocasião de conhecer recentemente.
La Scarzuola, distante das estradas principais, nem sequer vem referenciada no meu guia de viagem – The Rough Guide to Tuscany & Umbria – o que atesta a limitação destas fontes de informação que, por muito boas que sejam (e os guias da Rough Guides, para mim, são os melhores), têm normalmente algumas lacunas.
Chegados ao local, somos recebidos pelo proprietário, que nos irá conduzir numa visita guiada, com mais algumas dezenas de visitantes, quase todos italianos.
Esta propriedade teve origem num convento Franciscano, erigido em 1218, pelo próprio S. Francisco de Assis.
Em meados do século XX, a propriedade foi adquirida por Tomaso Buzzi (familiar, entretanto falecido, do actual proprietário), arquitecto milanês, que empreendeu uma obra de grande envergadura, de carácter pessoal.
Hoje, La Scarzuola, é um vasto conjunto arquitectónico, constituído por muitos edifícios, que se conjugam entre si de modo intrigante, distribuídos num terreno ondulante, com amplas áreas de jardim, com um propósito eminentemente cénico. Os edifícios, representativos de várias épocas e estilos, têm em comum o facto de terem sido construídos com a pedra local, que confere ao conjunto alguma unidade.
De resto, a obra realizada é uma fantasia pessoal, realçada pelas histórias mais ou menos surrealistas contadas pelo nosso guia, com um forte sentido teatral, e pleno de ironia.
Depois desta visita a um mundo quase irreal, era tempo de almoçarmos, o que nos levou ao Agriturismo Gattogiallo (http://www.agriturismogattogiallo.it/), propriedade de turismo rural, situada a poucos quilómetros de distância.
Aqui, no topo de uma elevação, com vistas largas para os campos circundantes, pontilhados de casas campestres, desfrutámos de um bom almoço, preparado pelo proprietário, também chefe de cozinha.

Com o estômago aconchegado, e com as imagens fantasiosas de La Scarzuola na memória, seguimos o passeio diário em direcção a Città della Pieve, pequena povoação de origem Etrusca, conhecida sobretudo por nela ter nascido Perugino (cujo nome de baptismo foi Pietro Vannucci), no século XV, um dos pintores mais talentosos deste período.
Aqui, pude admirar a primeira de muitas obras de arte que teria ocasião de ver durante esta minha visita a Itália, de Perugino, o magnífico mural designado “Adorazione dei magi”.

No dia seguinte, começámos por visitar uma igreja nos arredores de Montepulciano, localidade que visitaria noutro dia.
A Igreja de San Biagio, construída na primeira metade do século XVI, está localizada no sopé da colina onde se encontra Montepulciano.
A igreja aparece majestosa, no enfiamento de uma estrada ladeada por magníficos ciprestes, aquela espécie que em Portugal é conhecida como sendo a árvore dos cemitérios mas que, em Itália, particularmente nesta região, é utilizada com frequência como elemento decorativo, sobretudo em propriedades rurais.
Daqui seguimos para Pienza, uma localidade edificada no século XV, à medida dos desejos do Papa Pio II, que havia nascido numa aldeia que existiu no mesmo local onde posteriormente nasceu Pienza.
Os planos iniciais eram grandiosos, mas a morte de Pio II, poucos anos depois do inicio das obras, comprometeu o desenvolvimento da obra, até porque nenhum dos seus sucessores se interessou pelo projecto.
Assim mesmo, Pienza é uma localidade atraente, tanto pelo património monumental renascentista, como pelo casario circundante, construída no topo de uma elevação, com vistas amplas.
De Pienza, seguimos para Montalcino, conhecida sobretudo pela produção vinícola da região. A qualidade destes é elevada, sobretudo o Brunello, um dos mais prestigiados de Itália.
Aliás, a fama dos vinhos da região é tal que, chegando a Montalcino, me chama a atenção o elevado número de enotecas que existem no perímetro da localidade.
Depois de um passeio a pé pelas ruas de Montalcino, e de uma pausa para almoço no agradável Café Alle Logge di Piazza, continuámos o percurso planeado pelo Carlo, em direcção à Abadia de Sant’ Antimo, por muitos considerada como a mais atraente da região.
Sant’ Antimo (http://www.antimo.it/) foi edificada entre os séculos VIII e IX, embora a igreja que hoje existe seja uma construção do século XII.
Na época em que foi construída, estava situada na proximidade de várias e importantes vias de comércio e peregrinação, do período Medieval, mas com origens que remontam ao período Etrusco. O mais importante desses caminhos era a Via Francigena, que foi durante séculos o mais importante de todos os percursos de peregrinação entre Roma e o norte da Europa.
Hoje, Sant’ Antimo é sobretudo frequentado por turistas, já que apenas nove monges lá habitam.
Ainda tivemos tempo para visitar Bagno Vignoni, outra pequena localidade, que deve a sua existência às águas termais que aqui correm.
Estas, foram aproveitadas pelo menos desde o período Romano, tendo mais tarde, na Renascença, sido construída uma enorme piscina, a mando da família Medici, que ocupa o centro da localidade. Este espaço não está hoje acessível para banhos mas, sendo um espaço público, pode-se caminhar à sua volta, como que, se de uma praça se tratasse.

Novo dia, novo passeio. Hoje, o destino é Cortona, localizado a norte do Lago Trasimeno.
Cortona, é mais uma localidade que se apresenta com o seu casco medieval quase intacto, e cresceu encavalitada numa encosta montanhosa, tendo por isso desníveis acentuados e vistas largas.
Aqui, visitamos o excelente Museu MAEC – Museo dell’Accademia Etrusca e della Città di Cortona, onde se conta a história da vila, anterior à chegada dos Etruscos, e da região, com particular destaque para os períodos Romano e Etrusco.
Almoçámos na Enoteca Enotria, junto à entrada principal de Cortona, que é propriedade de uma amiga do Carlo, a Imola.
Esta preparou-nos um delicioso prato de queijos e enchidos regionais, que acompanhámos com pão, regado com azeite.
De regresso a Porto, tivemos a surpresa de receber a visita do Pedro, filho da Ingrid.
O Pedro reside em Munique, na Alemanha, e viaja frequentemente para Itália, já que trabalha numa empresa italiana. Hoje, esteve em Florença, para visitar a selecção nacional de Itália, de futebol, que está em estágio para o Euro 2008, que se inicia em breve. Este encontro com a selecção italiana deveu-se ao facto desta ser patrocinada pela empresa do Pedro.
Jantámos os quatro, sossegados, no hotel, onde raramente apareciam outras pessoas.

No dia seguinte, despedimo-nos do Pedro, que aqui passou a noite, e fomos a Castiglione del Lago, situada na margem ocidental do Lago Trasimeno.
Sendo quarta-feira, hoje há feira em Castiglione del Lago, pelo que as ruas do centro estão ocupadas pelos feirantes e visitantes.
O centro da localidade está situado no topo de uma pequena colina, de onde se avista o lago, extenso, mas pouco profundo, com três pequenas ilhas.
De regresso a Porto, os meus companheiros decidem ficar a descansar, pelo que me emprestam o carro, para eu aproveitar o resto do dia.
Decido ir a Montepulciano, mais uma localidade de ruas empinadas, hoje conhecida pelo Vino Nobile, um dos mais reputados de Itália.
Pela primeira vez desde que cheguei a Itália estou sozinho, pelo que ocupo o tempo a meu bel-prazer, caminhando calmamente pelas ruas, observando as pessoas e os locais por onde passo.
Almoço no Restaurante Il Cantuccio, para depois comer um bom gelado numa pequena casa situada a curta distancia, na rua principal, Via Gracciano nel Corso.
Regresso a Porto, onde passo a última noite.
Na manhã seguinte, a Ingrid e o Carlo levam-me a Chiusi, onde nos despedimos.
Ficamos de nos encontrar de novo em Portugal, dentro de algumas semanas.

No rescaldo desta primeira parte da viagem, passada entre a Umbria e a Toscana, recordo as palavras da Ingrid, que me disse, ainda em Portugal, que em Itália, só nesta região, existem dezenas de pequenas localidades interessantes, com características medievais, com o casario rodeado por muralhas, e com tesouros artísticos de grande valor, quer em museus, quer em igrejas.
Só para se ter uma ideia da concentração destas localidades, acrescento que, todos os locais visitados nestes primeiros dias, e acima referenciados, estão a menos de uma hora de distância, de carro, da nossa base, a aldeia de Porto. Confirmadas as melhores expectativas, vou prosseguir a minha visita a Itália com os olhos e o espírito cheios de beleza.
Siena: vista do centro da cidade, com a Praça Il Campo, e a Torre del Mangia.

SIENA

Chego a Siena após uma curta viagem de autocarro, iniciada em Chiusi.
A minha expectativa é grande, porque se trata da primeira de várias cidades importantes que irei visitar, em Itália.
O meu imaginário leva-me à praça da cidade onde se celebra uma das festas populares mais afamadas de Itália, o Palio de Siena (http://www.ilpalio.org/palioportoghese.htm).

Pois, o meu hotel (definir o meu alojamento como hotel não é correcto, já que se trata de uma casa com quartos, felizmente limpos, sem quaisquer serviços complementares) fica situado nas traseiras da belíssima praça central de Siena, genericamente identificada como Il Campo.
Do quarto que ocupo tenho uma bela vista para uma das encostas da cidade (a área central de Siena está situada numa elevação), que se prolonga para os arredores através duma área verde. Enquanto me preparo para a primeira abordagem à cidade, observo o voo vertiginoso de centenas, talvez milhares de andorinhas que aqui estão nesta época do ano.
Entretanto, repicam os sinos das igrejas mais próximas, como que a lembrar da sua importância.

Saindo para um primeiro passeio pela cidade, dirijo-me para Il Campo. A chegada à praça impressiona-me, pela sua forma invulgar (quase um semi-circulo, em plano inclinado), pela harmonia e escala dos edifícios envolventes, e pela vida fervilhante que ali ocorre, de dia e de noite.
De facto, tendo estado em Siena durante vários dias, pude constatar que Il Campo tem um poder magnético sobre as pessoas, residentes e visitantes, que faz com que quase todos por lá passem diariamente.
As razões desta atracção são diversas, sendo que na parte superior da praça se encontram diversos cafés e restaurantes, todos com amplas esplanadas, e no lado inferior predomina o Palácio Pubblico, com a imponente Torre del Mangia, com quase 100 metros de altura.
É em Il Campo que decorre, duas vezes por ano, a festa do Palio, disputada por bairros de Siena, organizados em Contradas, através de cavalos e cavaleiros que competem num circuito à volta da praça. O vencedor é o cavalo que termina a corrida em primeiro lugar, independentemente do cavaleiro ainda estar no seu posto, ou não.
Um dos aspectos que possibilita às pessoas fruírem desta ampla praça de modo repousante é o de poucas viaturas automóveis perturbarem o ambiente.
Isto deve-se ao facto da área histórica de Siena ter fortes restrições ao trânsito automóvel, há já várias décadas. As únicas excepções são os transportes públicos, e motociclos.
Os dias passados em Siena levaram-me inúmeras vezes a este local, que considero uma das praças mais atraentes e especiais, que conheço.

Saindo de Il Campo pela parte superior, entramos numa área urbana comercial, próxima da qual se encontra a segunda maior atracção da cidade, a catedral (Duomo em italiano).
Esta, imponente, foi construída no inicio do século XIII, e posteriormente ampliada. Este projecto, ambicioso, visava construir a maior igreja em Itália, fora de Roma. A obra foi no entanto interrompida em 1348, quando Siena foi assolada pela peste negra, a qual dizimou a sua população. Em cerca de cinco meses, mais de dois terços da população da cidade (cerca de 100.000 habitantes na época, no que na altura era identificada como uma das cidades mais importantes da Europa) morreu pela acção da peste.
Esta tragédia afectou também o desenvolvimento da República de Siena que no século XIV rivalizava com a vizinha Florença.

Hoje, Siena tem uma população inferior à que teve no século XIV, quando foi atingida pela peste, e é uma cidade interessantíssima, porque mantém a estrutura medieval, onde pontificam os dois elementos atrás referidos.
A catedral, para além da sua imponência, é de uma beleza rara. A quantidade e qualidade do trabalho arquitectónico e decorativo são invulgares, desde a utilização alternada de mármore de cores branca e preta, em linhas horizontais, aos 56 painéis figurativos em mármore policromo, que cobrem todo o pavimento interior, o riquíssimo púlpito, pelo excepcional trabalho escultórico, até à deslumbrante sala da biblioteca (Libreria Piccolomini), com as paredes e tectos faustosamente cobertas por frescos de grande qualidade artística, passando por muitos outros trabalhos executados por mestres contratados para contribuírem para esta obra grandiosa.
Aliás, a quantidade e qualidade das obras de arte sacra que foram produzidas para este templo foi de tal modo elevada que, em edifício anexo à catedral, existe o museu “Dell’Opera del Duomo”, repleto de peças provenientes da catedral.
Aqui, no piso superior, existe uma pequena passagem que dá acesso ao chamado “Panorama dal Facciatone”, através de uma estreita escada que nos conduz a uns terraços, que tiveram origem no projecto de expansão da catedral, entretanto interrompido. As vistas para a cidade e arredores são soberbas, sendo a melhor altura do dia para se aceder a este miradouro, o final da tarde.

Os meus dias em Siena foram bem passados em passeios pela cidade, entrecortados por visitas a alguns dos seus principais monumentos e, claro, também a restaurantes e outras casas de alimentação.
Dos restaurantes, merecem nota positiva o Antica Trattoria Papei e a Osteria Le Logge, ambos situados nas proximidades da Praça Il Campo.
Imperdivel, para quem aprecie enchidos, queijos, vinhos e outros prazeres para a boca, é a Antica Pizzicheria Chigiana (APC), espécie de tasca, minúscula, repleta de produtos tradicionais da região, onde estive com o Xico (meu primo) e a Vera, com quem me encontrei em Siena.
O Xico, que já conhecia esta região, tinha estado a trabalhar durante algumas semanas em Itália, próximo de Roma, pelo que aproveitámos a minha viagem para nos encontrarmos num fim-de-semana, durante o qual o Xico e a Vera passearam por Itália.
Quando entrámos na casa recomendada (APC), demos com outros clientes, com quem estabelecemos conversa, o que é fácil, pela pequena dimensão do espaço.
Para além de dois empregados, que se encarregam do serviço com satisfação, ali estavam algumas mulheres, norueguesas, que fazem parte de um grupo de 20, amigas de infância, que todos os anos fazem uma viagem juntas, sem companheiros.
Uma das norueguesas, particularmente comunicativa, ficou encantada por nos conhecer, ela que aprecia bastante Portugal. Aliás, os comentários elogiosos a Portugal são generalizados, quando falamos com estrangeiros que conhecem o nosso país.
Outra referencia positiva em Siena, para quem aprecia gelados, é a da Gelateria Nannini, uma das melhores casas de gelados, das muitas que conheci em Itália.

De Siena, repleta de turistas, nacionais (porque estava a decorrer um fim-de-semana prolongado) e estrangeiros, parti para Florença, de autocarro.
Outra viagem curta, ainda para norte, num autocarro cheio. Ao meu lado, sentou-se uma jovem asiática, que estava acompanhada por um outro jovem, igualmente asiático.
Sendo a Ásia um território quase desconhecido para mim, arrisquei a pergunta para saber de onde são estes companheiros de viagem. A resposta foi-me agradável, já que a Tian e o Kit são naturais de Singapura.
De Singapura, que conheço bem, só me lembro de pessoas educadas, o que é um bom princípio para uma boa conversa.
A Tian, jornalista, e o Kit, licenciado em Gestão, estão a visitar Itália, e outros países europeus, aproveitando o final de um período anual em que o Kit esteve a residir na Suécia, frequentando uma universidade.
Agora, estão prestes a regressar a Singapura, onde pensam continuar a residir. À chegada a Florença, despedimo-nos, já que os meus novos amigos vão seguir viagem.
Florença: as pontes Sta. Trìnita e Vecchio, sobre o Rio Arno.

FLORENÇA

A chegada a Florença revela de imediato dois aspectos importantes.
Primeiro, tenho agora pela frente uma cidade plana, o que torna mais fácil o acto de caminhar. Segundo, contrariamente a Siena, onde existem fortes restrições ao trânsito automóvel, aqui em Florença tenho que contar com os inconvenientes inerentes ao mesmo.
De resto, o hotel onde me alojo corresponde ao meu gosto, excepto por se situar num segundo andar de um edifício que tem um elevador minúsculo, com uma porta de difícil acesso, que só utilizei à chegada. Depois, utilizei sempre a escada, para subir e descer.
O Hotel Bretagna (http://www.hotelbretagna.net/) tem uma localização privilegiada, na rua paralela ao Rio Arno, no lado norte da cidade, entre as Pontes Sta. Trìnita e Alla Carraia. É pequeno, tem um ambiente descontraído, sobretudo pela presença de alguns empregados atraentes e simpáticos. Os meus preferidos são o Guilherme, brasileiro, uma espécie de “pau para toda a obra” no hotel, que trabalha a dobrar para sustentar a família que vive no Brasil, e a Martina, italiana, simpática e atenta, dona de um belo sorriso, que me promoveu no segundo dia, para um dos melhores quartos do hotel, o nº 8, enorme, com um tecto decorado com frescos antigos, com anjinhos, que eu admirava quando estava deitado na cama. Este quarto, com uma excelente casa de banho, terá sido utilizado por Napoleão, quando viveu em Florença.

A minha estada em Florença estava programada para ser uma maratona artística, tal é a quantidade e qualidade do património artístico desta cidade, berço do Renascimento.
Foi em Florença que a família Medici teve a sua principal residência pelo que, a sua paixão pelas artes se reflectiu na vida da cidade, mesmo para além do período de influência desta importante família.
Inevitavelmente, sendo a minha primeira visita a Florença, a Galleria degli Uffizi estava no topo das minhas prioridades, sendo este museu reconhecido como um dos mais importantes do mundo, sobretudo pela sua extraordinária colecção de pintura. Pois, esta colecção construída pela família Medici, manteve-se privada até ao século XVIII, quando o último membro da família, Anna Maria Lodovica, deixou toda a colecção de arte ao povo de Florença, na condição de que esta nunca sairia da cidade.
Assim, porque a afluência de visitantes ao Uffizi é enorme, precavi-me, comprando antecipadamente o meu direito de acesso ao museu, numa visita guiada, com a duração de três horas (a alternativa seria a de passar algumas horas numa fila, para comprar um simples bilhete de entrada no museu). Esta, inclui um percurso que é de acesso restrito a pequenos grupos de visitantes, que é o Corredor Vasariano, uma galeria com cerca de mil metros de extensão, que liga os Palácios Vecchio e Pitti, através do Uffizi.
A razão da existência deste corredor deve-se à família Medici que, sendo proprietária do Palácio Vecchio e do Uffizi, adquiriu posteriormente (no século XVI) o Palácio Pitti à família do mesmo nome, entretanto em dificuldades.
Nesta altura, os Medici decidiram que seria conveniente terem uma passagem privada que lhes garantisse a circulação entre estas suas três propriedades de Florença, e encomendaram o projecto ao Arquitecto Vasari, que veio a dar o seu nome à obra.
A visita a este espaço de acesso restrito justifica-se, sobretudo por três motivos. Primeiro, a oportunidade de ver centenas de pinturas e algumas esculturas que ali se encontram expostas, sendo que a maioria das pinturas são auto-retratos de pintores de várias épocas, os mais recentes dos quais já do século XX. É fascinante observar tantos auto-retratos de pintores reputados, e não apenas italianos (também lá estão Rubens, Rembrandt, Velásquez, Delacroix e muitos outros estrangeiros), num espaço único.
A segunda boa razão para se visitar este corredor é a de termos o privilégio de observar a cidade de ângulos diferentes daqueles que existem no exterior, através de inúmeras janelas. De facto, o corredor percorre um trajecto situado alguns metros acima do nível do solo, cruzando o Rio Arno sobre a Ponte Vecchio (a mais famosa das pontes de Florença), e tendo inclusive uma vista privada para o interior da Igreja Santa Felìcita, antes de terminar nos Jardins de Bóboli, anexos ao Palácio Pitti.
A terceira razão justificativa desta visita é a de ser o único local do Uffizi onde os visitantes podem estar isolados do burburinho inevitável, causado por milhares de visitantes que entram diariamente no Uffizi.
De facto, enquanto nas salas abertas ao público em geral estamos permanentemente expostos à presença dos outros visitantes, com os incómodos inevitáveis (nalgumas salas, estive rodeado por grupos de pessoas que, tal como eu, estavam integradas em visitas guiadas, ouvindo-se falar línguas diversas como, Inglês, Alemão, Russo Japonês ou Mandarim), entrando no Corredor Vasariano (através de uma porta que se encontra fechada), passamos para um mundo de silêncio e tranquilidade. Aqui, só estávamos os nove membros do meu grupo (de diversas nacionalidades), acompanhados pela guia que nos conduziu (italiana, competente, simpática e atraente … da qual tenho os contactos, para futuras oportunidades, sem ter que pagar os 89 € à empresa a quem comprei este serviço), e por dois empregados do museu, que nos acompanharam durante todo o percurso.
Voltando ao Uffizi, o que fiz mediante a autorização dos dois empregados que nos acompanharam no corredor, deliciei-me, revisitando algumas salas onde tinha estado anteriormente, e visitando outras que não estavam incluídas na visita guiada.
Para mim, de acordo com o meu gosto, as salas mais impressionantes, quer pelas obras expostas quer pelos espaços físicos e pela decoração, são:
Sala 10 a 14, onde se encontram as obras de Botticelli;
Sala 15, com as obras de Leonardo da Vinci;
Sala 18, uma sala octogonal, com pavimento em mármore, e as paredes e tecto revestidos com conchas;
Sala 25, com as obras de Michelangelo;
Sala 42, chamada Sala Niobe, com as paredes e tecto ricamente ornamentados a ouro, e com estátuas e um túmulo do período Romano.
Para além destas salas, recomendo também as vistas para a cidade, das janelas situadas próximo da entrada para a sala 25, após a qual se situa a porta que dá acesso ao Corredor Vasariano.
Ao final da tarde, saí finalmente do Uffizi, caminhando nas nuvens, depois de ter contemplado tantas obras-primas, e outras que não sendo tão famosas também me encantaram, da pintura europeia e particularmente italiana.
Aliás, ao longo desta estada de 20 dias em Itália, e após ter visitado vários museus e inúmeras igrejas repletas de obras de arte, impressiona a quantidade, para além da qualidade geral, de obras de arte sacra que foram produzidas em Itália, ou melhor, nos vários territórios que existiam nesta região europeia, muito antes de se tornar um país independente chamado Itália.
Aliás, a influencia da religião Católica foi tão forte na criação artística que, encontramos os temas mais diversos desta religião tratados exaustivamente, como que tivesse ocorrido um delírio colectivo ou, uma visão obsessiva do mundo.

No capítulo das artes, em Florença, a minha segunda escolha foi o Palácio Pitti, onde termina o Corredor Vasariano.
O Palácio Pitti, o maior de Florença, está situado no lado sul da cidade, ou seja, no outro lado (chamado Oltrarno) do Rio Arno, relativamente à minha residência na cidade.
O caminho pedestre mais directo, para quem caminha a partir do lado norte da cidade, atravessa a Ponte Vecchio, um dos símbolos de Florença. Esta, construída no ponto mais estreito do leito do Rio Arno, provavelmente no período Etrusco, foi sendo alterada ao longo dos tempos, sendo a versão actual, ainda sem o Corredor Vasariano, do século XIV.
A originalidade desta ponte reside na existência de construções que sempre tiveram funções comerciais, sendo as actuais, maioritariamente de ourivesaria, originárias do final do século XVI.
O Palácio Pitti, outrora uma das propriedades da família Medici, é hoje um conjunto arquitectónico aberto ao público, onde estão instalados vários museus.
Como não tinha a pretensão, nem tempo, para visitar tudo, escolhi a Galleria Palatina e Appartamenti Reali (assim chamado por ter sido a residência da família real italiana, no período de 1865 a 1870, quando Florença foi a capital de Itália), vasto conjunto de salas ricamente mobiladas e decoradas, inclusive com centenas de obras de arte, as quais também faziam parte da colecção de arte privada da família Medici. E não se pense que, pelo facto destas obras não estarem no Uffizi, não têm qualidade para tal, já que são do mesmo nível artístico, estando aqui presentes alguns dos mestres da pintura italiana e flamenga.
Aqui, visitei ainda a Galleria d’Arte Moderna, que apresenta obras de arte executadas entre a segunda metade do século XVIII e a metade do século XX.

No decurso da minha estada em Florença, pela localização do meu hotel, atravessei o rio frequentemente, para passear neste lado da cidade.
Uma das razões por que o fiz, foi a de tentar fugir às multidões de turistas que invariavelmente invadiam as ruas do centro norte da cidade, onde se situa a maioria das principais atracções turísticas.
Embora em Siena já tivesse sentido a força do mercado turístico em Itália, aqui em Florença encontrei a maior quantidade de turistas por metro quadrado que jamais vi em qualquer cidade do mundo, excepto provavelmente no que presenciei alguns dias depois em Roma.
O comportamento dos turistas em geral, salvaguardando as excepções meritórias, é revelador da pobreza cultural das sociedades actuais.
Um dos grupos de visitantes que mais se destaca aqui em Florença, assim como em Roma, é o dos jovens norte-americanos, que aparecem em grande número, e quase sempre em grupos numerosos, parecendo estar completamente perdidos e desfasados do ambiente das cidades italianas. Curioso pela presença de tantos norte-americanos jovens, falando com alguns, constatei que a maioria está em Itália por um período de algumas semanas, ao abrigo de programas escolares.

O lado sul da cidade, Oltrarno, apresenta-se aos visitantes quase como uma cidade normal, com áreas residenciais entrecortadas por espaços comerciais que servem as comunidades locais, e por praças cheias de vida, nas quais não faltam igrejas. Uma delas, das poucas que visitei em Florença, merece destaque particular, pela qualidade do seu interior.
Refiro-me à Igreja de Santo Spirito, projectada e construída na primeira metade do século XV, para substituir uma outra igreja que ocupava o mesmo local, por Brunelleschi, um dos maiores expoentes da arquitectura neste período.
A elegância e o equilíbrio das áreas interiores, numa proporção perfeita de formas e luz, sem os excessos decorativos de muitas outras igrejas católicas, fazem desta igreja uma das mais belas que conheço.
No final da minha visita a este templo, estando eu a ver os postais expostos num canto da igreja, observei, por mero acaso, os pés de uma jovem que se encontrava ao meu lado.
Para minha surpresa, identifiquei num dos pés dela o mapa da Nova Zelândia, tatuado. Não me contive, e confirmei que tinha a meu lado uma nativa da NZ.
A Holly, que ficou surpreendida por eu a ter identificado pela tatuagem nos pés, vive actualmente em Inglaterra, onde estuda numa universidade.
Interrogada sobre os seus planos futuros, disse-me, sem hesitação, que pretende regressar à NZ.

Por último, no que concerne a atracções culturais, em Florença, e para variar de tema, visitei uma exposição temporária sobre a China, concretamente sobre a vida no país, durante o primeiro milénio depois de Cristo, período durante o qual a China teve a sua época dourada, na dinastia Tang (617-907 DC), a qual deu ao país a sua única Imperatriz, Wu Zetian.
Esta exposição de qualidade encontrava-se patente no Palácio Strozzi, edificado no final do século XV para a família do mesmo nome, uma das mais importantes da cidade. Hoje, o palácio pertence ao estado, tendo sido adquirido a um membro da família Strozzi no século XX, por dificuldades financeiras, e é utilizado para exposições temporárias.
Ainda, tive a oportunidade de visitar o recente e bom Museu Nacional Alinari de Fotografia (http://www.alinarifondazione.it/), construído com base na colecção fotográfica da empresa Fratelli Alinari, nascida em Florença, em 1852.

Florença tem uma ampla oferta de restaurantes, gelatarias e um bom mercado alimentar, Mercato Centrale.
Quanto aos primeiros, recomendo os restaurantes La Galleria, Osteria Santo Spirito,e Trattoria Angiolino, todos no lado sul da cidade, muito próximo do rio.
Sobre os gelados que comi em Florença, e a oferta é vasta, encontrei o melhor de todos os que provei em Itália, no Vivoli (http://www.vivoli.it/), em local escondido, próximo da Praça S. Croce.
Como alternativa, embora os gelados do Vivoli sejam os melhores, recomendo os da La Carraia, junto à ponte do mesmo nome, no lado sul.
Sobre os gelados italianos, depois de ter provado algumas dezenas, é forçoso estabelecer uma comparação com os da mesma linhagem, que conheço de Portugal, e da Argentina.
Em Portugal, o mais ilustre dos gelados italianos que conheço é o do Santini, em Cascais, que é bom mas caro, se compararmos o mesmo com os congéneres de Itália, e muito caro, comparando com os da Argentina.
Esta apreciação comparativa tem por base a qualidade, quantidade e preço dos gelados.
Quanto aos gelados da Argentina, também de estilo italiano, são da melhor qualidade, de preço imbatível, e com uma variedade de sabores superior às de Itália e Portugal.
Aliás, como me disse a Paola, argentina, talentosa criadora de jóias (http://www.paolavolpigioielli.com/PaolaVolpi_homepage.html), com loja em Roma, onde reside, os italianos não sabem o que é o “dulce de leche”, o doce mais popular da Agentina, onde é também apreciado como gelado.

De Florença, parto para Perugia, desta vez de comboio. A viagem para sul, decorre com prazer, com vistas campestres interessantes e, pouco antes de chegar a Perugia, contornando o Lago Trasimeno pelo lado norte.
Perugia: festa estudantil.

PERUGIA

Saio numa estação que está identificada como de Perugia – Universidade, e só depois de estar fora do comboio é que constato que esta não deve ser a estação que me interessa.
Seja como for, não é grave. Depois de solicitar ajuda a uma estudante que estava a sair da Universidade, apanho um autocarro para o centro da cidade (acabo por viajar de graça, pois o condutor só me venderia o bilhete se eu tivesse o valor exacto da tarifa, o que não acontecia).
A viagem ainda é longa, sempre a subir, e pouco antes da chegada começa a chover com intensidade. Como o meu chapéu-de-chuva estava dentro da mala, saio do autocarro para me abrigar da chuva, à porta de uma gelataria (não, desta vez não comi nenhum gelado …).
Não conhecendo a cidade, embora soubesse que tem uma topografia difícil, optei por apanhar um táxi, para me levar ao hotel, que sabia não estar longe.
Como chovia, esperei quase uma hora até conseguir encontrar um táxi disponível que, me levou então ao hotel, em poucos minutos.
Este, Hotel Rosalba, tem uma boa localização, e comodidade suficiente para o meu corpo mas, os proprietários não são simpáticos, o que diminui a minha satisfação.

Quando saio do hotel para me dirigir ao centro da cidade, apercebo-me da particularidade de existir uma rede de escadas rolantes que transportam as pessoas, devido aos grandes desníveis existentes. O que é ainda mais curioso é que, uma parte desses percursos está inserida em galerias medievais, com estruturas que remontam ao século XVI, e vestígios ainda mais antigos, do período Etrusco.
Aliás, este não é o único aspecto contrastante, entre o antigo e o contemporâneo, que caracteriza Perugia, no que respeita à infra-estrutura de transportes públicos já que, mais tarde, descobri um sistema de comboios ligeiros, automáticos, que circulam dentro da cidade.

Caminhando no centro de Perugia, em direcção à Praça IV Novembro, onde se encontra a Catedral e outras atracções locais, como é o caso da Fonte Maggiore, construída no século XIII, ricamente ornamentada com esculturas e baixos-relevos, e considerada a mais bela de Itália, apercebo-me da existência de um palco provisório situado ao lado da fonte.
Mais tarde, depois do jantar, voltando a esta praça, encontrei-a repleta de público maioritariamente jovem, que assistia a um espectáculo de música, de um grupo italiano.
Este espectáculo, e os que aconteceram nas noites seguintes, estavam relacionados com o final do ano lectivo para as universidades locais, e também com um encontro/feira de universidades italianas, que aqui estavam reunidas, para divulgarem os seus serviços.

Perugia, a principal cidade da região da Umbria, tem também um importante património artístico e arquitectónico, pelo que dediquei algum tempo a visitar algumas das atracções culturais locais.
O principal museu de Perugia, a Galeria Nacional da Umbria, apresenta uma vasta colecção de obras de arte, particularmente pinturas, de arte sacra, onde se destacam dois dos mestres que muito trabalharam nesta região.
O primeiro, mais famoso, conhecido como Perugino (apesar de não ter nascido em Perugia), e o segundo, seu contemporâneo (século XV), Pintoricchio (autor dos magníficos frescos da belíssima biblioteca da Catedral de Siena), sobre o qual estava patente uma exposição temporária, retrospectiva da sua vida e obra.
À parte o inegável valor das obras expostas, destes e de outros artistas, quero realçar a qualidade dos espaços expositivos deste museu, que primam pela elegância e bom gosto, sem excessos decorativos.
Em local próximo do museu, no mesmo edifício, o “Pallazzo dei Priori”, está instalado o Collegio del Cambio, local onde os banqueiros locais exerciam as suas actividades cambiais. Aqui, as paredes e tecto da sala principal estão cobertas por frescos executados por Perugino, no final do século XV, que são considerados dos trabalhos mais importantes deste artista.
Nesta obra terá colaborado o seu aluno mais famoso, então com 13 anos de idade, Rafael.
Próximo da Catedral, que era objecto de importantes obras de restauro no interior, encontra-se um local curioso, o Poço Etrusco, exemplo da mestria dos etruscos na arte da construção. Com pelo menos 35 metros de profundidade, foi durante muito tempo a principal fonte de abastecimento de água à população da cidade.

Dos restaurantes visitados em Perugia, destaco a Pizzeria Mediterranea, e a Osteria del Gambero, este para apreciadores da boa mesa e também de vinhos, com o serviço de mesa assegurado pela Laura, romena, atenciosa e decidida.

Enquanto estive em Perugia, tratei de alugar um carro, para o restante percurso desta viagem. Assim, vou visitar Assisi, situada a curta distância de Perugia.
Assisi, é um importante local de peregrinação católica, devido a S. Francisco de Assis que aqui viveu.
Embora a mim não me inspirem os motivos religiosos, mesmo que os respeite, tinha curiosidade em conhecer a localidade, e os templos dedicados a S. Francisco.
Inevitavelmente, até porque me desloco a Assisi num domingo, encontro a cidade com muitos visitantes, tanto italianos como estrangeiros.
A localização de Assisi é semelhante à de dezenas de outras localidades nestas regiões, alcandorada numa elevação, com o casario de pedra harmonioso a espalhar-se pelas encostas. No caso de Assisi, ao aproximar-me, observo numa das extremidades da povoação, um conjunto arquitectónico cujo volume, muito superior ao das restantes construções, identifico como sendo a Basílica de S. Francisco.
Estaciono o automóvel no extremo oposto da cidade antiga, e caminho pelo interior, sempre a descer, percorrendo ruas com muito comércio, até chegar ao limiar da Basílica, situada a alguma distância do casario urbano, o que permite uma observação cuidada.

A Basílica de S. Francisco foi edificada no século XIII, poucos anos após a morte do próprio S. Francisco, e é uma obra de engenharia notável, já que foram construídas duas igrejas no mesmo terreno, uma sobre a outra.
Assim, começo por visitar a igreja inferior, debaixo da qual se encontram sepultados os restos do corpo de S. Francisco, e de quatro dos seus companheiros. Este espaço, de grande beleza formal, sem ostentação, foi criado já no século XX, substituindo um outro túmulo mais elaborado, construído no inicio do século XIX, quando foi finalmente descoberto o local onde o corpo de S. Francisco havia sido secretamente sepultado por alguns dos seus discípulos.
Regressando à igreja inferior, apresenta-se ricamente adornada com frescos em toda a extensão das suas paredes e tectos, sendo que tem um pé direito relativamente baixo, talvez por necessidades estruturais, já que suporta a igreja superior.
O ambiente interior é acolhedor, com pouca luz natural, convidativo à introspecção e, apesar do elevado número de visitantes, conseguimos lá estar em relativo silêncio, sobretudo pelos frequentes apelos feitos por funcionários para que os visitantes não façam barulho.
A igreja superior, de estilo diferente da sua vizinha, com mais luz natural e um pé direito elevado, tem um extraordinário conjunto de 28 frescos dedicados à vida de S. Francisco, do final do século XIII, da autoria de Giotto, o mais importante de todos os artistas que trabalharam neste projecto grandioso.

De regresso ao local onde havia deixado o carro, percorri outras ruas da cidade, que me deixou uma impressão favorável, passando na Praça “del Comune” onde pontifica a fachada do Templo de Minerva, construção monumental do período Romano, que posteriormente foi adaptado para servir de entrada para uma igreja.
A curta distancia desta praça, encontra-se a La Bottega del Pasticceria, uma pastelaria e gelataria de excelente qualidade.

No dia seguinte, deixo Perugia para me dirigir para sul, para Bevagna.
Aqui chegado, procuro alojamento, que encontro rapidamente. Escolho o Hotel Palazzo Brunamonti, excelente, pela relação qualidade/preço.
O hotel está localizado na rua principal da vila, a poucas dezenas de metros da praça principal, que tem duas igrejas construídas no final do século XII, San Silvestro e San Michele, situadas uma em frente à outra, com interiores austeros, sem a parafernália de obras de arte exuberantes que quase sempre enchem as igrejas católicas italianas.
De resto, Bevagna é uma vila pacata, com casario antigo, totalmente rodeado por muralhas medievais. Aqui, a vida ainda decorre ao ritmo do prazer pessoal, isto é, sem as pressas crónicas que atormentam a maioria das pessoas que vivem nos maiores centros urbanos.
Passeando pelas ruas da povoação, sem pressas, constatei da antiguidade da mesma, que remonta ao período Etrusco, visitando uma construção do tempo Romano, que é parte de um antigo anfiteatro, onde existe um interessante e complexo engenho hidráulico.
Hoje, o local pode ser visitado através de uma instituição privada local, Compagnia delle Arti, que gere este património, do qual também faz parte uma habitação medieval, equipada com mobiliário e utensílios da época, ou nalguns casos, réplicas, e uma loja onde algumas destas são vendidas.

No primeiro de dois dias aqui passados, escolhi um pequeno bar/restaurante para almoçar, La Bottega de Asù, situado na rua principal, à entrada da praça.
Como o ambiente exterior era convidativo - pouco trânsito, pessoas a caminharem a um ritmo tranquilo, e tempo agradável – sentei-me numa mesa na rua, tendo antes cumprimentado o casal que estava na mesa ao lado.
Este, a Judith e o Jim, norte-americanos, estão a fazer uma viagem a Itália (não sendo a primeira) com características diferentes. Como ambos gostam de caminhar, estão empenhados em percorrer esta região a pé, fazendo trajectos diários que variam entre dez a vinte quilómetros, por caminhos pedestres, assinalados em mapas fornecidos pela empresa à qual contrataram a viagem. Quanto à bagagem, aquela de que não precisam durante as caminhadas, fica a cargo da empresa, que a transporta diariamente para os hotéis que lhes estão reservados.
Aqui em Bevagna, coincidiu que ficámos alojados no mesmo hotel, e porque estabelecemos de imediato uma relação amigável, combinámos jantar juntos, no Restaurante Ottavius (amplamente recomendado), onde continuámos a nossa agradável conversa.
A Judith e o Jim já têm mais de 70 anos de idade (cada um …) e, para além de gostarem de Itália, têm cá amigos com os quais se irão encontrar, partilhando com eles um outro prazer, o da música erudita. De facto, o Jim trabalha nos E.U.A., em Nova Iorque, como professor de História da Música, e toca nas horas vagas.
No dia seguinte, a Judith e o Jim, seguiram o seu percurso, em direcção a Spello, para onde eu também fui, mas de carro. Ainda lhes ofereci boleia, o que eles recusaram.
No entanto, casualmente, voltámos a ver-nos em Spello, já que, quando eu me aprestava para sair do restaurante onde havia almoçado, que faz parte de um hotel, os meus amigos caminhantes chegaram da sua etapa diária.
Enquanto o Jim se retirou para o quarto para descansar, a Judith ainda teve força para ir passear comigo pelas ruas de Spello, tortuosas e empinadas, mas engalanadas com muitas flores.

Spello tem também um número apreciável de igrejas embora, não tantas como no passado. De facto, no inicio do século XVII, a povoação tinha então cerca de 2.000 habitantes e 100 igrejas. Uma das igrejas que sobreviveram é a de Santa Maria Maggiore, detentora de um importante património artístico, do qual sobressai um magnífico conjunto de frescos executados em 1501, por Pinturicchio, na Capela Baglioni.

Ainda em Spello, ao caminhar pelas ruas, fui surpreendido por um conjunto de automóveis antigos, da marca Bugatti, que estavam de passagem, no decurso de um passeio pela região.

Ainda a partir de Bevagna, fiz um outro passeio até Montefalco, pequena localidade situada a poucos quilómetros de distância.
O que me atraiu a Montefalco, para além das referências que atestam a autenticidade desta pequena vila, ainda pouco afectada pelo turismo, feitas no guia que estou a utilizar nesta viagem, foi o facto de ter tido conhecimento da existência de pelo menos uma empresa têxtil, sedeada na região, que produz artigos de alta qualidade, para uso doméstico.
Na verdade, acabei por descobrir duas empresas têxteis, que competem no mesmo sector de mercado, ambas com lojas na área central de Montefalco.
De resto, Montefalco é também conhecida por ser o centro de uma pequena região vinícola, onde se produz o reputado vinho de mesa, tinto, Sagrantino.
Roma: pormenor da Coluna Trajana.

ROMA

Na véspera de regressar a Portugal, parto de Bevagna em direcção a Roma, onde vou estar apenas cerca de 24 horas.
O percurso feito por estrada demora cerca de 3 horas, pelo que chego a Roma ao final da manhã.
Tendo reservado previamente um quarto no Hotel Felice, situado nas imediações da estação ferroviária Termini, perto da Porta Tiburtina, uma das portas da muralha romana, da qual viajaria mais tarde para o aeroporto, tratei de passar pelo hotel para lá deixar a bagagem, para logo a seguir ir entregar o carro.
Tratadas estas formalidades, iniciei então as minhas 24 horas em Roma. Sendo a minha primeira visita a esta cidade, sem ter feito qualquer planeamento prévio, decidi empreender um passeio pelo centro de Roma, com inicio na Praça de Espanha, um dos pólos turísticos mais procurados na cidade.
Tendo viajado até à Praça de Espanha de metropolitano, ao sair para o nível da rua neste local, senti o impacto de me ver entre uma verdadeira multidão de turistas, e observei a existência de muitos polícias nas ruas. Como tinha conhecimento da visita a Roma do presidente dos E.U.A., o tristemente famoso (também poderia dizer, o infame …) George W. Bush, desconfiei que o aparato policial estaria relacionado com este visitante, o que vim a confirmar posteriormente, ao falar com vários romanos.
Da Praça de Espanha, segui pela Via Condotti, maioritariamente ocupada por lojas de marcas de luxo, em direcção à Praça Navona, ampla e elegante, onde se destaca o edifício monumental ocupado pela Embaixada do Brasil. Antes de atingir a Praça Navona, cruzei a estreita Via dei Portoghesi (Rua dos Portugueses).
Seguindo para sul, alcancei o Campo de Fiori, onde ao final da tarde assisti ao jogo de futebol entre Portugal e a República Checa, para o Euro 2008, e no dia seguinte, tendo lá regressado, constatei que nesta praça se realiza um mercado de rua, de bens alimentares.
Logo a seguir, encontra-se a Praça Farnese, que, em contraponto com a sua vizinha, se apresenta como um espaço tranquilo.
Por esta amostra de Roma, e pelo que iria ainda ver, agradou-me a estrutura urbana da cidade, com um número significativo de praças públicas que funcionam como catalisadores de vida.

Depois do futebol, procurei local para jantar, coisa fácil numa cidade que tem uma vasta oferta de restaurantes e estabelecimentos afins.
Das poucas informações que tinha sobre Roma, por leituras recentes, constava uma apreciação das pizarias da cidade. Uma das casas com melhor reputação na preparação de pizas, uma instituição da cozinha italiana, é a Pizzeria da Baffetto, que fica nas redondezas.
É pois aqui que vou jantar. Ao perguntar a um romano se iria na direcção certa, ele disse-me que sim, que encontraria a casa quando visse uma fila de pessoas à porta. Dito e feito, um pouco mais adiante, na Via del Governo Vecchio, à esquerda, lá estava uma fila de pessoas à porta de um restaurante com uma ampla esplanada, cheia de clientes.
Coloco-me na fila, e espero. À minha frente, um homem só, como eu, também aguarda a sua vez. Dada a demora, ambos compreendemos que, se nos juntássemos para jantar, seriamos atendidos mais rapidamente do que se persistíssemos em ficar cada um com a sua mesa.
Apresentamo-nos. O meu companheiro para o jantar de hoje é o Peter, belga, flamengo, residente no sul de Espanha, pelo que adoptamos o castelhano para nos entendermos.
Já sentados na esplanada, enquanto esperamos pelas pizas, o Peter conta-me a sua história de vida. Vive com a família, é casado e tem duas filhas, em Espanha, e é empresário da construção civil. Como o negócio não está no seu melhor momento, o Peter está a considerar alternativas a Espanha, e por isso deslocou-se por uns dias à Eslováquia, para conhecer o país.
De regresso a Espanha, passou por Roma, apenas por dois dias.
Entretanto, as pizas já tinham chegado, e concordamos na opinião de que são muito boas, justificando a fama da casa.
Como a rotação de clientes é grande, ao nosso lado sentou-se um grupo de quatro pessoas, que falavam uma língua eslava, que não identificámos imediatamente. Por curiosidade, perguntei de onde vinham os nossos novos vizinhos, e a resposta indicou a Rússia.
Depois de uma breve troca de palavras, despedimo-nos dos russos, para sair. Ali ao lado, há uma gelataria que nos atrai. Enquanto nos decidimos, com a ajuda da proprietária, italiana, ouvimos também a opinião de uma cliente, napolitana, que aproveita para se manifestar desgostosa por estar a viver em Roma, cidade pouco animada, se comparada com Nápoles.
O gelado da Frigidarium é bom mas, eu tinha uma outra recomendação nesta área (quero dizer, nos gelados), pelo que decidimos empreender uma caminhada até à Fonte de Trevi, onde se encontra a Gelataria San Crispino.
Para lá chegarmos, passamos pela Praça Navona, Panteão e Praça S. Ignazio.
Quando chegamos à pequena praça onde se encontra a monumental Fonte de Trevi, manifestamo-nos surpreendidos pela multidão de visitantes, como nós, que andam pelas ruas de Roma, aquela hora, quase à meia-noite.
Aqui, no meio dos turistas, movimentam-se alguns vendedores ambulantes, imigrantes do Bangladesh, que ganham a vida vendendo chapéus-de-chuva, tripés para máquinas fotográficas e uns discos luminosos que atraem a atenção de todos, e que devem ser os “gadgets” da moda, certamente importados da China. Aliás, estes vendedores ambulantes, que aparentam ser todos de países do sul da Ásia, estão invariavelmente presentes nos locais mais frequentados por turistas, nas principais cidades italianas que visitei, vendendo sempre os objectos acima descritos.
Depois de o Peter ter comprado uns discos luminosos para oferecer às filhas, lá fomos à procura da Gelataria San Crispino, ali perto, onde comemos mais um bom gelado.

No dia seguinte, o último da minha estada em Itália, ainda fui conhecer a área da cidade na qual se encontram alguns dos mais importantes registos arquitectónicos do Império Romano.
Comecei pelo Coliseu, que estava rodeado por mais uma multidão de turistas, seguindo depois ao longo da avenida que se dirige à Praça Veneza, da qual se podem observar muitas ruínas de construções do período Romano.
Já próximo daquela praça, à direita, chama-me a atenção uma imponente coluna em mármore (cerca de 40 metros de altura), totalmente esculpida com altos-relevos, que representam cenas da vida do império, no inicio do século II D.C. Trata-se da magnifica Coluna Trajana, que faz parte do Forum de Trajano, o maior dos Foruns Imperiais edificados em Roma.

Para me despedir de Roma, e de Itália, vou almoçar ao Antico Forno Roscioli, espécie de padaria e pastelaria, que também produz pizas, vendidas à fatia, e que tem uma vasta e fiel clientela, a fazer fé na afluência de público (atenção ao facto de existirem dois locais com o mesmo nome, pertencentes à mesma empresa, muito próximos um do outro, sendo que num, situado na Via dei Chiavari, supostamente o mais antigo, o serviço é prestado ao balcão, não havendo lugares sentados; no outro, na Via dei Giubbonari, a oferta é maior, e existe serviço de mesa).
De volta ao hotel, para recuperar a minha bagagem, sigo para o aeroporto, de comboio, a partir da Estação Termini.
À medida que o comboio se vai afastando do centro de Roma, observo as áreas urbanas incaracterísticas e pouco cuidadas, que me levam a pensar se a Itália de hoje estará à altura do vasto e precioso legado dos seus antepassados.