31 julho 2006

IGUAÇU – O APELO DA NATUREZA

Do avião em que viajei até Foz do Iguaçu, observo a paisagem, e vejo o leito dum rio largo, o Iguaçu, de trajecto sinuoso, que corre de oriente para ocidente, a sul do qual só se vislumbram campos agrícolas. A norte, como se o leito do rio servisse de fronteira, tudo o que a vista alcança é uma floresta densa.
É este o cenário nas proximidades de Foz do Iguaçu. Na verdade, o que aqui me traz, como à quase totalidade dos visitantes estrangeiros, é a riqueza natural desta região, consubstanciada no Parque Nacional do Iguaçu, no interior do qual se encontram as Cataratas do Iguaçu, património natural da humanidade.

O Parque está dividido entre os territórios do Brasil e da Argentina (na verdade, existem dois parques, cada um gerido por um dos dois países), que aqui se tocam, para além do Paraguai, que não possui qualquer parcela do Parque.
Estes três países aqui vizinhos, estão separados pelos leitos dos dois rios principais que cruzam a região, o Iguaçu, que poucos quilómetros depois de se despenhar nas cataratas se junta ao Paraná.
Gerido pelo IBAMA, o Parque brasileiro tem uma organização modelar: os visitantes são recebidos numa única entrada, que inclui para além das habituais unidades comerciais e serviços de apoio, um centro de informações de carácter pedagógico, com uma excelente exposição sobre a origem do Parque, os seus recursos hídricos, e as espécies vegetais e animais que nele vivem, para além das cataratas, a principal atracção do Parque.
Para se ter uma ideia da riqueza deste território natural, deixo uma informação sucinta sobre a fauna que habita o Parque.
Aves: mais de 300 espécies
Borboletas: 200
Répteis: 40
Peixes: 70

Quanto à floresta nativa que cobre a quase totalidade do Parque, embora majestosa, ela é hoje apenas uma amostra da que no passado cobria a região correspondente ao estado do Paraná, no qual se encontra o Parque.

No parque brasileiro passei um dia. Caminhei no único percurso aberto aos visitantes, que tem cerca de 1.5 km de extensão (recomendado para o período matinal), para o qual somos levados de autocarro. Ao longo deste, seguindo o leito do rio, vamo-nos apercebendo da dimensão das cataratas, em semicírculo, com cerca de 2.700 metros de extensão. Normalmente, toda esta extensão é preenchida com 275 cascatas, com alturas variáveis entre os 40 e os 80 metros.
A origem destas cataratas remonta a cerca de 225.000.000 de anos atrás, por um fenómeno vulcânico que provocou um derrame de lava basáltica.
O nome do rio e das cataratas, Iguaçu, é de origem Guarani, e significa “água grande”. Os Guarani, povo indígena que aqui vive há menos de um milénio, tem uma lenda acerca da origem das cataratas, fantasiosa, como todas as lendas.
Em 1542, um oficial castelhano que na altura percorreu o Rio da Prata em direcção ao Paraguai, terá sido o primeiro europeu a observar esta maravilha da natureza, tendo na ocasião feito um relato empolgado do que viu.
Mas, devido a uma seca, nesta altura as grandiosas cataratas do Iguaçu estão reduzidas a uma expressão mínima. Dizem-me que o caudal actual é o menor registado desde 1978.
Voltando ao percurso no parque brasileiro, por ser bastante panorâmico, apercebo-me da ausência da água nas escarpas do lado da Argentina. Contudo, no limite do percurso está o ponto mais espectacular das cataratas, chamado de Garganta do Diabo. Aqui, a quantidade de água que se despenha do plano superior do rio para o inferior, é ainda suficiente para impressionar os visitantes. A propósito destes, surpreendo-me com a quantidade, explicada pelo facto de, quer no Brasil quer na Argentina, estarem a decorrer férias escolares. Assim, apesar de haver muitos estrangeiros, a maioria dos visitantes neste período do ano são brasileiros e argentinos.
Dos três dias que passei nos parques, aquele em que havia mais gente, no lado argentino, disseram-me que entraram cerca de 5.500 pessoas.
Após a visita ao parque brasileiro, tive ainda a oportunidade para visitar um parque de aves, privado, situado junto à entrada do Parque Nacional.
Embora nos parques das cataratas se encontrem aves com alguma frequência, em liberdade, no Parque das Aves podemos vê-las, em cativeiro, em melhores condições. Aparentemente, as aves aqui expostas são bem tratadas, nos limites possíveis da vida em cativeiro.
Aqui existem inúmeras espécies, quer desta quer doutras regiões. As que mais chamam a atenção são as mais coloridas, como os papagaios, araras e tucanos. Alguns destes deixam-se mesmo acariciar pelos visitantes, o que os torna alvo de mais atenção.

Tendo-me posteriormente mudado para a cidade argentina, Puerto Iguazu, passei dois outros dias a percorrer diversos passeios no parque argentino.
Este está igualmente bem organizado, e os visitantes podem utilizar um pequeno comboio que os transporta a vários pontos do parque, a partir dos quais seguem a pé para os percursos assinalados. Destes, destaco dois: o da Garganta do Diabo, que do lado argentino termina quase em cima da cascata, a uma curta centena de metros de distancia, ao nível superior do rio. Esta perspectiva é muito diferente da que se tem do lado do Brasil, onde o percurso termina a uma distância bastante maior da cascata, e a um nível inferior.
Voltando à plataforma final do percurso da Garganta do Diabo, na Argentina, que deve ser visitado à tarde, e o qual fiz por duas vezes, permite ocasionalmente um espectáculo extraordinário, que tive a felicidade de presenciar, aquando da minha primeira visita: refiro-me à presença de pequenas aves, chamadas em castelhano “vencejos de cascada”, aparentemente só existentes neste parque, parecidas com as andorinhas, tanto na forma como no tamanho. O que estas pequenas aves têm de extraordinário é que, nidificam e vivem quase sempre por detrás das cortinas de água das cascatas, e quando estão próximas, voam vertiginosamente, em bandos (com centenas de indivíduos), como se executassem danças sincronizadas, nas proximidades das cascatas.
O outro percurso feito por mim que relevo, é o Macuco, cujo nome é proveniente de uma outra ave aqui existente. Este é um percurso bastante mais longo que os restantes, com cerca de 3.500 metros para cada lado, cujo piso é em terra, e sem qualquer apoio logístico. Isto significa que, ao entrarmos nele, ficamos por nossa conta e risco no meio da selva. Foi o que fiz, tendo caminhado neste local durante cerca de três horas, tal como algumas dezenas de outros visitantes, com os quais me cruzei, bem como algumas outras espécies animais. Este percurso culmina num ponto elevado, do qual temos uma vista ampla sobre a selva e o rio Iguaçu, já depois das cataratas. Neste ponto, existe uma pequena cascata, agora quase seca, com um lago.
A propósito dos percursos definidos para os visitantes nestes parques, no da Argentina, os principais são em plataformas metálicas, perfuradas, sobrelevadas em relação ao terreno.
Neste ambiente propicio à tranquilidade, para além da pressão humana que nalgumas épocas do ano é grande, identifiquei um factor de desequilíbrio, que é o de helicópteros que aqui voam com visitantes, cujo ruído dos motores é claramente incómodo. De referir que estes apenas existem no território brasileiro.
À parte os passeios descritos, outros existem, organizados por empresas privadas. Os mais atraentes são os de barco, pelo rio mas, devido à seca, quase todos estão cancelados, já que o nível de água do rio está demasiado baixo.

Outra atracção desta região, no Brasil, que não visitei, é a grande barragem hidroeléctrica de Itaipu, situada a poucas dezenas de quilómetros depois das cataratas, no rio Paraná. A produção de energia eléctrica desta barragem satisfaz cerca de 25% das necessidades de todo o Brasil, e mais de 90% do Paraguai, países responsáveis pelo projecto.

Acerca dos dois rios principais da região, o Iguaçu e o Paraná, de referir que são povoados por alguns peixes de grande envergadura. Os mais conhecidos, por serem servidos pelos restaurantes da região, são o Surubi e o Dourado. Qualquer deles atinge frequentemente um peso de várias dezenas de quilos, e mais de um metro de comprimento.
Provei ambos, e o meu preferido é o Surubi, peixe saboroso, de carne consistente, e sem espinhas.
A propósito de gastronomia, tive esta semana o meu primeiro teste de carne argentina: sem que tivesse sido previamente planeado, almocei num dos restaurantes do Parque, em regime de buffet. Dele fazia parte a “parrilla”, churrasco correspondente ao rodízio do Brasil. A qualidade da carne era muito boa, pelo que já estou a pensar em novos testes, esses sim, previamente planeados, em Buenos Aires.

Deixei para último lugar, nesta região, as duas cidades onde estive. Tanto Foz do Iguaçu, no Brasil, como Puerto Iguazu, na Argentina, são cidades sem encanto particular. A primeira é bastante maior e mais populosa que a segunda mas, ambas parecem sobreviver à sombra do que a natureza proporcionou à região, e que aqui traz a maioria dos visitantes: as cataratas.
Ambas as cidades são caracterizadas por estarem em área fronteiriça, com influências culturais óbvias, e com canais comerciais que servem os residentes dos três países vizinhos. Neste aspecto, o Paraguai parece ser o que melhor explora as oportunidades comerciais, por isenções fiscais, o que faz com que exista contrabando de mercadorias nas fronteiras.
Previamente exclui o Paraguai do meu roteiro de viagem, e aqui ouvi várias referências de riscos para aqueles que lá se deslocam, nesta fronteira.
Do Paraguai, apenas vi o que se observa do local onde a Argentina tem o seu marco de fronteira, junto à confluência do rio Iguaçu com o Paraná, do qual também se observa o Brasil. Que me lembre, esta é a primeira fronteira tripla em que estive.

Agora, depois de 52 dias passados no Brasil, deixei o mundo da lusofonia e entrei no do castelhano. Espero melhorar os meus conhecimentos desta língua, já que nos próximos meses a vou utilizar diariamente.
Depois desta imersão na natureza, vou voltar aos ambientes urbanos, desta vez numa metrópole de classe especial:
Buenos Aires, aqui vou eu!


24 julho 2006

Interior da Fortaleza de São José da Ponta Grossa, na Ilha de Santa Catarina.
O Luís, pescador e proprietário do Restaurante Pescador Lobo, na Praia do Forte, Ilha de Santa Catarina.
Desfiladeiro de Itaimbezinho: vista parcial.
SANTA CATARINA – UM OUTRO BRASIL

À chegada a Florianópolis, aguardava-me o Luis Veiga, amigo, do tempo em que a minha vida profissional dependia da fotografia.
O Luís, fotógrafo profissional, é casado com a Rosana, arquitecta, e vivem em Florianópolis há menos de três anos, depois de terem residido alguns anos na Europa, inclusive em Portugal.
Instalado em casa deles, na parte insular da cidade, saímos para um primeiro passeio pela ilha. O tempo está chuvoso, e a visibilidade má.
Paramos para almoçar no extremo sul da ilha, num restaurante, no interior do qual encontramos bandeiras de Portugal e dos Açores.
Alguém me identifica como português, e logo aparece o proprietário, que nos fala apaixonadamente, da sua relação com Portugal, e particularmente com os Açores, de onde regressou recentemente.
Aqui, começo a perceber um pouco das origens dos povos que vivem nesta região do Brasil. Primeiro, se excluirmos os verdadeiros nativos, também chamados índios, foram portugueses dos Açores que aqui chegaram, começando o povoamento do sul do Brasil. Mais tarde, também vieram outros imigrantes europeus, particularmente italianos e alemães.
Por razões que desconheço, estas comunidades fixaram-se nos estados do sul, mantendo muitas tradições dos seus países de origem.
Assim, ao percorrermos a região, cruzamo-nos com pessoas que parecem europeias, com arquitectura de igual influencia, e com nomes a condizer.

Florianópolis é a capital do estado de Santa Catarina, e uma cidade vista como modelo para o Brasil do futuro. O crescimento demográfico da cidade, nos últimos dez anos, foi claramente superior ao da média das capitais estaduais do país.
Hoje, a maioria da população é constituída por pessoas vindas de outros estados, em busca da ordem e segurança que já não existe noutras urbes.
O progresso tem o seu preço, e dizem-me que o mercado imobiliário é dos mais caros do Brasil.
A cidade apresenta-se como numa crise de crescimento, entre o antigo e o novo. O seu centro ainda parece de uma cidade provinciana, com comércio antiquado e modos de vida relaxados mas, novas construções rodeiam-no, como que a marcarem os novos tempos.
Sendo que a cidade se espraia entre a Ilha de Santa Catarina e o continente, é na ilha que estão os principais pólos de interesse que atraem residentes e visitantes. Estes são sobretudo praias, e tudo o que lhes possa estar associado.
Por estarmos no Inverno, muito brando, não pratiquei aqui a actividade de banhista, mas provei os prazeres de comer e beber à beira-mar.
A propósito, pude comer as ostras locais, cultivadas nalgumas áreas da ilha.
Quanto ao resto, destaco uma visita à Fortaleza de São José da Ponta Grossa, interessante construção militar do século XVIII, edificada em local privilegiado na costa norte da ilha.
Aquando da visita a este local, caminhámos por uma pequena praia nas imediações, até atingirmos um local próximo de um restaurante fronteiro ao mar. Aqui, chamou-nos a atenção um homem que cuidava das redes de pesca de um pequeno barco que se encontrava sobre a areia da praia.
Ao acercarmo-nos dele, fomos recebidos com extrema amabilidade, pelo Luís. Falou-nos da actividade de pescador que exerce há muitos anos, da invulgar fartura de tainha no mar próximo, nas últimas semanas, provavelmente devido a factores climatéricos anormais, e da sua origem portuguesa, dos Açores.
Já depois de muita conversa, o Luís disse-nos, humildemente, ser o proprietário do restaurante anexo.

Apesar de viver próximo do mar, o Luís Veiga é um apaixonado pelo interior do sul do Brasil. Natural do Rio Grande do Sul, desde muito novo calcorreou campos e serras. Como escoteiro, há cerca de 30 anos atrás, cometeu uma proeza: desceu pela primeira vez, a parede do desfiladeiro de Fortaleza, na fronteira dos estados de Santa Catarina e Rio Grande e do Sul.
A aventura, na companhia de dois outros escoteiros, foi atribulada mas, bem sucedida.
O Luís quis mostrar-me um pouco desse mundo: saímos de Florianópolis para sudoeste, até chegarmos à povoação de Urubici, perto da qual se encontra a montanha mais alta do sul do Brasil, em pleno Parque Nacional de São Joaquim. Subimos ao cume do Morro da Igreja, a mais de 1.800 metros de altura, para observar um panorama agreste.
Descendo a montanha, encontrámos o Rio Canoas, ao longo do qual passeámos a pé, num vale ladeado por montes escarpados.
Aqui, tive o meu primeiro contacto com uma árvore característica do sul do Brasil, que se destaca nas paisagens: refiro-me à Araucária Angustifolia, normalmente identificada como pinheiro brasileiro ou, pinheiro do Paraná, que produz umas pinhas enormes e pesadas (cada uma pode atingir vários quilos), dentro das quais se encontram os pinhões, também grandes.
Esta espécie foi quase dizimada durante o século passado, para a indústria da madeira, encontrando-se agora protegida e em recuperação.
Pernoitámos num albergue situado numa propriedade de turismo rural, Rio Canoas – Refúgio de Montanha (wwwriocanoas.com.br), recomendável, não tanto pelo albergue utilizado por nós mas, pelas instalações da Pousada, e pela localização.
À noite, antes de dormir, deleitámo-nos observando o céu estrelado que, pela escuridão da área e a ausência da lua, nos pareceu mais brilhante que nunca.
No dia seguinte, partimos cedo, para nos encontrarmos com um outro amigo comum, o Fernando Bueno, também fotógrafo e gaúcho, tal como o Luís Veiga. O ponto de encontro era o Parque Nacional de Aparados da Serra, já no estado do Rio Grande do Sul.
Infelizmente, deu-se um desencontro, pelo que eu e o Luís visitámos o desfiladeiro de Itaimbezinho, fenda geológica impressionante, com vários quilómetros de extensão, após o que regressámos a Florianópolis.

Despedi-me de Florianópolis e de Santa Catarina, não sem antes rever a Silvana e o Hans, amigos da minha estada em São Luís do Maranhão, que em breve partem para uma estada prolongada na Suiça, terra natal do Hans.
Para concluir a minha estada no Brasil, parto para Foz do Iguaçu, para assistir a um dos grandes espectáculos da natureza: as cataratas de Iguaçu.


17 julho 2006

O porto de Parati.
Janela de Parati.
A arquitectura colonial de Parati, com uma rua inundada.
PARATI – MAIS UM REGRESSO AO PASSADO

De autocarro a partir do Rio de Janeiro (cerca de quatro horas de viagem), desloco-me a Parati (que também se pode identificar como Paraty), para completar de algum modo a trilogia portuguesa no Brasil (São Luís, Ouro Preto e Parati).
O percurso costeiro é recheado de paisagens magníficas. O litoral é bastante sinuoso, o que proporciona baías com praias, e muito próximo, montes sucessivos cobertos pela mata Atlântica, pujante de vida. No mar, à vista de terra, inúmeras ilhotas.
Como paisagem costeira, é do mais bonito que conheço!
Estranhamente, algumas dezenas de quilómetros a norte de Parati, à beira-mar, encontra-se uma central nuclear, a única em actividade no Brasil. É claramente um elemento perturbador no belo quadro natural que a região oferece.

A cidade de Parati, tem duas partes, das quais apenas falarei da histórica, a que os nossos antepassados construíram no século XVII, e que foi um porto importante, sobretudo no século XVIII, quando a coroa portuguesa utilizou a sua localização estratégica para dele enviar o ouro extraído em Minas Gerais para Portugal.
Hoje, a cidade orgulha-se de ter um dos mais importantes conjuntos arquitectónicos do período colonial. São vários quarteirões edificados à beira da baía, de casas baixas, com inequívocos traços da arquitectura tradicional portuguesa, embora recheadas de pormenores tropicais, em excelente estado de conservação.
Uma das características desta parte da cidade é que, a sua proximidade com a baía, foi aproveitada para que, na maré-alta, sobretudo no período de lua cheia, que foi o caso de quando lá estive, a água penetrar nas ruas adjacentes à baía, inundando-as por algumas horas. Esta situação foi criada intencionalmente, provavelmente para permitir a limpeza das ruas pelo mar.
Num dos passeios que fiz pelas ruas, coincidindo com a maré-alta, encontrei uma casa à janela da qual se encontrava uma senhora, com a qual conversei, por cortesia. Como a sua casa estava rodeada de água, eu estava no passeio do lado oposto da rua, a senhora disse-me que se encontrava “ilhada”, e que teria que esperar pela descida da maré, para então sair de casa.

Em Parati, para além da parte histórica da cidade, os outros atractivos são o mar, através de passeios de barco pelo litoral, em embarcações tradicionais, com visitas a pequenas ilhas, e as praias das cercanias.
Apesar da tentação dos passeios de barco, bem organizados e certamente interessantes, por falta de tempo, optei por visitar uma localidade próxima, Trindade, que diz ter algumas das melhores praias da região.
De Parati a Trindade são quarenta minutos de autocarro. Lá chegado, caminho até à Praia do Meio, que tem um conjunto de bares que oferecem tudo o que os banhistas exigentes querem, e continuo praia fora, passando por duas trilhas que exigem boas pernas, até atingir uma piscina natural afamada. Lá chegado, constato que só merece a pena o esforço, se fosse na maré-alta. Como não era o caso, apanho um barco que me leva de volta à Praia do Meio, onde me instalo num dos bares. Escolho o “Vagalume do Meio” (recomendável), onde a Ana Paula me serve com delicadeza e atenção, que me fazem sentir bem.
Depois de tomar bons banhos de mar, o apetite leva-me à mesa onde “belisco” aipim (mandioca) frito e uma isca de peixe (bocados de peixe frito).
A praia tem bastantes banhistas, sobretudo brasileiros, já que estamos num período de férias escolares. Ao observá-los, constato que o meu corpo está desactualizado: não tenho tatuagens nem piercings.
De volta a Parati, deixo a Pousada “Mercado de Pouso” (recomendável) para retornar ao Rio, já de noite. A viagem é acompanhada pela lua cheia, que espalha a sua luz difusa no mar.
É o prenuncio de uma noite bem dormida.


A entrada da Baía da Guanabara e o Pão de Açucar, vistos do Corcovado, ao cair da noite.
Feira de Laranjeiras: diálogo musical, chorinho.
Rio de Janeiro: a vista panorâmica, de cerca de 180º, a partir do Corcovado, ao final da tarde.
RIO DE JANEIRO – CIDADE MARAVILHOSA

No Rio, esperam-me vários amigos(as) que aqui residem. Hospedo-me em casa da Beatriz e do Renato, cariocas, que não via há mais de 10 anos, quando nos conhecemos no Ceará.
A Beatriz e o Renato acabam de se emancipar pela segunda vez já que, depois de criarem quatro filhos, estão agora a viver sozinhos num bom apartamento na área da Lagoa, uma das melhores áreas residenciais do Rio.

Os primeiros encontros com a cidade identificam vários factores importantes: é uma grande metrópole, já com mais de 10.000.000 de habitantes, a topografia do terreno é bastante acidentada, sendo a cidade entrecortada em vários pontos por morros, o que associado à dimensão populacional faz com que existam várias cidades dentro da cidade, sendo que algumas são bairros clandestinos, as chamadas favelas. Quando refiro que algumas das áreas urbanas são bairros clandestinos, falo de centenas deles.
Aliás, este fenómeno que não é exclusivo do Brasil, foi recentemente estudado pela ONU, que prevê que em 2020, o Brasil terá “só” 55.000.000 de cidadãos a residirem em favelas, ou seja, o equivalente a 25% da população do país. Esta percentagem é hoje bastante mais elevada em grandes cidades, como por exemplo no Rio, onde cerca de 50% dos habitantes vivem em condições precárias.
Esta coexistência de várias comunidades de características tão dispares, sobretudo no que respeita à educação e poder económico, provoca claras tensões sociais, visíveis nas grades que cercam os imóveis dos mais favorecidos, as câmaras de CCTV (vulgarmente chamadas de vídeo-vigilância) que estão em todo o lado, os guardas públicos e privados, alguns dos quais fortemente armados, e o comportamento dos cidadãos em geral, para além das noticias veiculadas pela comunicação social, que denunciam diariamente todo o tipo de delinquência e violência no território urbano.
A mim, todos os amigos e conhecidos recomendam muita cautela.
Na verdade, todos os riscos de violência que pairam sobre a cidade fazem com que as pessoas vivam em permanente sobressalto, como que prisioneiras dos seus medos.

A cidade é bela por natureza, de uma beleza invulgar, com o oceano Atlântico de um lado, formando belas baías, com praias para todos os gostos. Do lado oposto, a mata atlântica, densa, de um verde intenso, cobre terras que ainda não foram ocupadas pelo ser humano. De permeio, a cidade, qual selva urbana, cada vez menos atraente, pela força da especulação imobiliária, das soluções urbanísticas de qualidade duvidosa, e pelos desequilíbrios sociais das comunidades residentes.
Apesar da dimensão do espaço urbano e dos factores negativos atrás citados, o estilo de vida carioca apresenta-se relaxado, como que a querer confirmar que aqui, o que importa mesmo são a praia, a música e o futebol (a ordem varia consoante a época do ano).

Do futebol já falei o suficiente. Dos outros factores não. Na busca de experiências musicais interessantes, a Angélica, nova amiga, por via da Beatriz, fala-me num encontro de músicos numa feira que se realiza todos os sábados numa pequena praça perto de sua casa, no bairro de Laranjeiras.
Sendo que estes encontros musicais espontâneos, ao ar livre, são dedicados ao chorinho (género musical brasileiro pelo qual me apaixonei desde que vim pela primeira vez ao Brasil), aproveitei para visitar o local, na companhia de vários amigos, o que se revelou mágico.
Na pequena praça, à sombra de uma frondosa árvore florida (pata de vaca), encontrámos um grupo heterogéneo de músicos, de ambos os sexos e de gerações muito diversas, que se divertiam a tocar música, para deleite de algumas dezenas de espectadores que os rodeavam. Assim se passa uma bela tarde!

A vida no Rio é naturalmente marcada pelas praias, que parecem estar quase à porta de casa, e que mesmo no Inverno, são bastante frequentadas: na companhia do Marcelo, velho amigo carioca, pude conhecer a orla marítima que vai para ocidente, até à praia de Grumari. Em pleno Inverno, deliciámo-nos com banhos de mar na Prainha, onde o Marcelo também faz surf. Confirmei que o meu corpo continua calibrado para as praias tropicais.
Mas o Rio oferece muito mais que belas praias: na área da Lagoa, onde resido, visito o Jardim Botânico, criado em 1808. Com quase 200 anos de vida o jardim apresenta-se magnífico, com centenas de espécies de plantas, com destaque para altíssimas palmeiras imperiais que demarcam as principais alamedas do jardim.
Deste belo parque, a vista alcança o Corcovado, com a estátua do Cristo Rei a encimá-lo. Claro que não pude deixar de lá subir, sabendo de antemão que seria uma visita a um dos miradouros mais famosos do mundo (a visitar à tarde).
De comboio, percorro os 3.824 metros que vão da base ao topo do Corcovado, situado a mais de 700 metros de altitude. A subida e posterior descida, são vertiginosas. Lá no alto, desfruto, em conjunto com muitos outros visitantes, de muitas origens, de uma vista aérea deslumbrante sobre a cidade e arredores.
Igualmente deslumbrante é a vista do Pão de Açúcar (a visitar de manhã), outro miradouro simbólico do Rio, ao qual se tem acesso por teleférico, em duas etapas. Embora mais baixo que o Corcovado, proporciona uma visão panorâmica, tanto do Rio como da entrada da Baía da Guanabara.

A vida no Rio também oferece outras possibilidades culturais interessantes: pude visitar o Museu de Folclore e Cultura Popular, dedicado às Artes Tradicionais/Artesanato, que oferece uma boa panóplia das artes tradicionais de várias regiões do Brasil.
Realce ainda para o Instituto Moreira Salles (www.ims.com.br), instituição privada, dedicada fundamentalmente a projectos nas áreas da fotografia, cinema, artes plásticas, música brasileira e literatura.
Esta instituição está sediada numa bela propriedade que já foi residência da família Moreira Salles, edificada na década de 50, no século XX, de acordo com o estilo modernista.
Aqui, pude visitar uma excelente exposição fotográfica dedicada à obra de um fotógrafo suíço, radicado no Brasil no século XIX. A mostra aborda fundamentalmente o trabalho executado na segunda metade do século XIX por Georges Leuzinger, sobre a área do Rio de Janeiro. Através destas fotografias podemos imaginar quão bela foi a cidade no século XIX, com arquitectura de qualidade, e uma escala adequada à integração na natureza. Infelizmente, a maior parte do património arquitectónico histórico do Rio desapareceu, com a fúria do desenvolvimento urbanístico.

Frente à cidade do Rio, no lado oriental da Baía da Guanabara, encontra-se a cidade de Niterói. Para lá me dirijo, de barco rápido, para visitar a minha amiga de Luanda, Katy.
À medida que o barco se aproxima da costa, apercebo-me que também Niterói tem a sua dose de favelas, que corroem a malha urbana, qual praga incontrolável.
A Katy e o Bernardo, seu companheiro, residem numa área tranquila, numa casa que quase parece um barco, tantas são as referências marítimas e navais que lá se encontram. A razão principal é a do Bernardo ser marinheiro de profissão ou melhor, oficial da Marinha do Brasil.
De Niterói, muitos cariocas dizem que o melhor que ela tem é a vista para o Rio. Não sei se é uma apreciação correcta mas, que as vistas panorâmicas para o outro lado da Baía, onde se encontra o Rio, são magníficas, é verdade.

06 julho 2006

Torcedora do Brasil, até nos pormenores.
A PAIXÃO PELO FUTEBOL

Que o Brasil tem uma ligação especial com o futebol todos sabemos. Assim, quando marquei a viagem para este período, apercebi-me que iria estar no Brasil durante todo o Campeonato Mundial de Futebol, realizado na Alemanha.
Para mim foi um bónus, mesmo não sendo um aficionado deste desporto.

O que encontrei, nos três estados que percorri durante a Copa (como aqui é conhecido), representa a paixão pelo futebol.
Onde quer que estivesse, o futebol acompanhava-me: eram as ruas engalanadas, as lojas idem, e os empregados destas, vestidos com camisolas amarelas e verdes, como se fossem jogar pelo Brasil, eram as conversas com qualquer brasileiro que invariavelmente começavam ou acabavam no futebol.
Havendo jogo da Copa, qualquer jogo, as televisões só passavam futebol, e tinham sempre público. Mas, quando o jogo incluía o Brasil, então a vida das localidades parava, para as pessoas torcerem pelo escrete. Quando digo que a vida parava, parava mesmo, com poucas excepções. Quase todo o comércio e serviços, públicos e privados, encerravam.

Quanto à competição propriamente dita, o Brasil encarou esta prova com excesso de confiança. Quase todos garantiam que o país se sagraria campeão, vendiam-se camisolas onde o título já estava atribuído, réplicas da taça, e faziam-se planos para comemorar uma vitória anunciada.
Até que chegou o dia do jogo com a França. Era apenas mais um jogo, no passeio para a vitória final. Mas, não foi assim e a derrota aconteceu, com tanta naturalidade que todos os brasileiros reconheceram ter sido justa.
O país mergulhou numa depressão psicológica, e a autoconfiança ruiu.
Em simultâneo com o desaire inesperado, surgiu uma nova esperança: afinal, Portugal está apurado para as meias-finais da prova, e o treinador da selecção portuguesa é um brasileiro, Felipão, e um ídolo nacional (foi com ele ao comando do escrete que este ganhou a última copa, há quatro anos atrás).
Ou seja, de um dia para o outro, o Brasil renovou o seu orgulho, passando a apoiar sem reservas, a selecção de Portugal. Oxalá possa corresponder.

Nota: o texto anexo foi escrito antes do jogo de ontem, entre Portugal e França.
Infelizmente, ganhou a França.
Embora não tenha acompanhado os jogos de Portugal, a não ser parcialmente e em diferido, fico com a sensação de que a nossa selecção teve um comportamento digno, e o resultado final, qualquer que seja, será desportivamente positivo.
Tomara que fosse sempre assim!














Belo Horizonte: torcedoras do Brasil.
Araxá: Museu Dona Beja.
Peirópolis: a família frente a uma réplica de um dinossáurio.
MEMÓRIAS DE ÁFRICA EM MINAS GERAIS

De Belo Horizonte, viajo por estrada, de autocarro, até Araxá, distante cerca de 400 km da capital do estado, para oeste.
A razão deste passeio ao interior de Minas Gerais é a de em Araxá residirem familiares meus, tios e primos, que vindos de Angola no período da descolonização, se fixaram no Brasil, nesta região.
A estrada entre Belo Horizonte e Araxá percorre terras onduladas, por entre montes e vales. Dou por mim a recordar-me de África, a minha, Angola, onde vivi os meus primeiros 18 anos. São paisagens de uma escala imensa, sem vestígios da presença humana por muitos quilómetros, a terra é vermelha, e nela brotam pequenas formações que reconheço de imediato como colónias de formigas, aqui chamadas cupim, salalé em Angola.
Mais adiante, aparecem plantações de café, tal como nalgumas regiões de Angola.
Outra referência africana, são árvores que aqui se chamam amendoeiras, e que lá se chamavam figueiras da Índia. Aliás, no quintal de minha casa em Luanda, existia uma, alta e frondosa.

Chegado a Araxá, sou recebido pelos meus familiares com carinho particular. Tendo estado com eles cerca de uma semana, redescobri o espírito da vida em família, há muito perdido no meu mundo.
A cidade de Araxá, apresenta-se como uma cidade provinciana, pacata, onde as pessoas ainda deixam as portas de casa abertas, na certeza de que, quem entra é pessoa de bem.
A região é marcada por recursos minerais importantes, sobretudo de nióbio, minério pouco conhecido, do qual o Brasil tem hoje mais de 90% do mercado mundial.
A estada em Araxá foi passada em família, e juntos passeámos pela região: em Uberaba, cidade maior que Araxá, fomos visitar uma feira de gado bovino, caprino e ovino, exemplo da força da criação de gado nesta região do Brasil.
Próximo de Uberaba, em Peirópolis, visitámos um museu dedicado a dinossáurios, instalado numa antiga estação ferroviária. No exterior desta, vi os meus primeiros tucanos em liberdade, assim como papagaios e beija-flores, para além de outras aves para mim desconhecidas.
Em direcção ao estado de São Paulo, visitámos a albufeira de uma barragem, cujo rio faz de fronteira entre os dois estados. Pelo caminho estivemos numa gruta a céu aberto (Gruta dos Palhares), interessante.

Deixo a família para viajar até ao Rio de Janeiro, onde me esperam vários amigos(as). Finalmente, vou conhecer a cidade maravilhosa!

Ao chegar ao Rio, completo o primeiro mês de peregrinação pelo mundo. Estou satisfeito, e sinto-me bem.