22 outubro 2006



















Machu Picchu: local deslumbrante,
símbolo da civilização Inca e do turismo no Peru.

21 outubro 2006

PERU – ENCRUZILHADA DE CULTURAS

Chego a Lima de madrugada, cansado, e a caminho do hotel apercebo-me da existência de muitos casinos nesta grande metrópole da América do Sul, mais uma a caminho de dez milhões de habitantes.
Mais tarde, confirmo a grande quantidade de casinos instalados em Lima, assim como o trânsito caótico, agravado pelo facto dos condutores locais usarem a buzina do automóvel sem limites.
De resto, Lima sofre de males idênticos a muitas outras grandes metrópoles, como por exemplo a insegurança. Depois do Brasil, reencontro uma cidade fortificada, onde as pessoas vivem prisioneiras dos seus medos.
Por uma vez, não fico instalado no centro da cidade, simplesmente porque é … perigoso.

A minha visita ao Peru não foi preparada como eu gosto, sendo fruto duma decisão tardia. Por isso, recorri aos serviços duma agência de viagens local, para planear a minha estada no país.
Em Lima, fico instalado num hotel na área de Miraflores, uma das que se encontra à beira do oceano Pacifico. Aliás, convém referir que na América do Sul, Lima é a única capital dum país que se encontra na costa.
Miraflores é uma das poucas áreas urbanas que apresenta uma imagem agradável, pelo que aqui se concentra hoje a maioria dos hotéis frequentados por estrangeiros. Apercebo-me da grande quantidade destes e dum fenómeno que não é comum noutros países: praticamente todos os visitantes que estão em Lima, ou irão a Machu Picchu, ou estão de regresso desse local.
Indiscutivelmente, Machu Picchu é a grande atracção do Peru, mesmo que este país tenha muitos outros atractivos para cativar os visitantes.

A minha estada em Lima é curta, e pouco vejo da cidade. Vou ao centro numa viagem de grupo, para não correr riscos desnecessários.
Esta curta visita permite-me descobrir a Plaza Mayor, amplo espaço urbano rodeado por edifícios de arquitectura colonial, nos quais sobressaem as varandas em madeira trabalhada, de influência espanhola.
No centro da praça, existe uma fonte com estátuas. Naturalmente, a fonte jorra água, excepto no dia 26 de Julho, dia nacional do pisco sour, quando esta popular bebida é oferecida através da fonte da Plaza Mayor.
De resto, é evidente a presença da polícia, em quantidade e com aparato, aparentemente porque estava prevista uma manifestação.
Os poucos dias passados em Lima permitiram-me descobrir a gastronomia do país, que foi para mim uma revelação.
A gastronomia peruana apresenta-se variada e criativa e tem no ceviche, o seu maior símbolo. Este consiste em peixe cru, marinado em limão, que é normalmente servido acompanhado por cebola e algas, para além de milho e batata-doce.
De resto, em ocasião posterior, em Cusco, tive oportunidade de provar uma outra iguaria local, o “cuy”, que em português creio chamar-se porco da indía (lembro-me quando era criança de ser apreciado, como animal de estimação).
Na região de Cusco, o “cuy” é muito apreciado, sobretudo assado no forno, mas não me satisfez.
Pelo contrário, a carne de alpaca é bastante saborosa, sendo frequente nos cardápios dos restaurantes das regiões andinas.

Finalmente, depois de ter organizado o meu programa de viagem, saio de Lima em direcção a Cusco, por avião.
No prazo de uma hora, passo do nível do mar para uma altura de 3.400 metros, tal é a localização de Cusco, em plena cordilheira dos Andes.
Naturalmente, o meu corpo ressente-se desta súbita mudança, notando a respiração mais difícil, e uma ligeira dor de cabeça, para além de cansaço anormal perante qualquer esforço físico.
Assim, no primeiro dia, descanso mais do que é habitual, e no dia seguinte já me sinto quase normal.
A cidade de Cusco é fascinante por ser uma encruzilhada de culturas. O local é habitado há muitos séculos, tendo por aqui passado várias culturas, sendo as mais conhecidas a inca e a espanhola, que hoje definem a imagem de Cusco.
Embora a arquitectura do período colonial espanhol seja dominante, culturalmente a cidade, e sobretudo a região, são um hino à civilização Inca, a qual foi aniquilada pelos espanhóis no século XVI.
A civilização Inca reinou numa grande região ocidental da América do Sul, cujos limites correspondem ao que é hoje o Equador a norte, e a Argentina e o Chile a sul.
A capital do império Inca foi estabelecida em Cusco, a partir de onde os altos representantes exerciam o poder. Quando na primeira metade do século XVI os primeiros espanhóis chegaram a Cusco, rapidamente se aperceberam da imensa riqueza material dos Incas, sobretudo em ouro e prata (para os incas, o ouro representava o suor do sol, e a prata as lágrimas da lua).
Depois, foi o que a história nos conta. Os incas foram subjugados e exterminados pelos colonos espanhóis, de forma cruel. Pior ainda, o património do império inca, e a cultura Quechua (a língua falada pelos seus cidadãos) foram destruídos ou espoliados pelos espanhóis, de forma ultrajante.
Este aspecto está visível em Cusco, onde igrejas e palácios do poder colonial espanhol, e da igreja católica, foram edificados sobre edifícios notáveis do período inca, depois destes terem sido saqueados e destruídos total ou parcialmente.
Uma vergonha, que me faz solidário desta e de muitas outras culturas exterminadas por outras, em prol de valores religiosos e/ou económicos.
De resto, a cidade de Cusco é caracterizada pela arquitectura colonial de características espanholas, com casas ornadas com belas varandas.

A região de Cusco, por ter sido o epicentro do império Inca, está repleta de locais arqueológicos daquele período e anteriores.
Alguns dos mais significativos encontram-se no Vale Sagrado, ao longo do rio Urubamba (um dos muitos afluentes do rio Amazonas, que nasce no Peru).
A designação de Vale Sagrado, atribuída pelos incas, deve-se à grande fertilidade dos terrenos agrícolas da região. As principais culturas do vale são o milho e batatas. De cada uma destas espécies cultivam-se muitas variedades.
Em dois dias, visito esta região, regressando a Cusco para pernoitar. Na primeira, aluguei um carro com motorista, para percorrer uma parte do vale a meu bel-prazer, e na segunda fiz parte dum grupo de turistas numa visita guiada.
No Vale Sagrado, a povoação mais visitada pelos turistas é Pisac. Esta encontra-se a cerca de meia hora de carro de Cusco, e oferece a maior feira de artesanato da região, para além duma área onde habitantes da região comercializam produtos agrícolas, instalada no centro da povoação, com maior movimento nos domingos, já que nesse dia se realiza uma missa na igreja principal que é celebrada em Quechua, sendo presenciada por indígenas, muitos dos quais comparecem com os seus trajes regionais coloridos, e também por turistas curiosos, embora nalguns casos a curiosidade exceda os limites da decência ética.
No centro de Pisac, na Plaza de Armas, para além dos restaurantes tradicionais sobressai uma casa colorida, que dá pelo nome de “Ulrike’s Café”, que oferece comida para o corpo e para a alma. O nome provem da proprietária alemã, Ulrike, há muito aqui radicada.
A curta distancia, acima da povoação actual, situam-se as ruínas da cidade inca de Pisac, num local extraordinário, de difícil acesso.
Aqui, tenho a oportunidade de apreciar de perto, pela primeira vez a mestria das construções urbanas incas. Nelas, impera o rigor do planeamento, conjugando-se as vertentes da construção do casario, com o fornecimento de água proveniente dos cumes montanhosos, através de redes de canais esculpidos na rocha, que demonstram conhecimentos sólidos de engenharia hidráulica, e a convivência com os terrenos agrícolas, magistralmente instalados em terraços, que permitem trabalhar a terra com maior facilidade e rendimento, para além de consolidar as extensas e íngremes encostas das montanhas.
Algumas dezenas de quilómetros para ocidente situa-se a povoação de Ollantaytambo, outro exemplo maior da arquitectura inca.
Aqui, a qualidade do trabalho de pedra utilizada nas construções é absolutamente notável. Os incas construíam as casas em pedra, neste caso de granito, como se trabalhassem com puzzles tridimensionais. Ou seja, uma pedra que tenha mais de dez ângulos (o que não é raro) encaixa noutras que se ajustam exactamente aos ângulos da vizinha. Para além disso, as pedras têm pedaços salientes ou escavados que funcionam como macho/fêmea, os quais garantem encaixes sólidos. Quanto ao acabamento, passando as mãos pelas pedras, elas apresentam-se lisas.
O que impressiona mais neste trabalho é que, as pedras utilizadas são muitas vezes de grandes dimensões, como em Ollantaytambo, onde num templo foram montadas com perfeição pedras com vários metros de altura, cujo peso unitário está avaliado entre 50 a 60 toneladas. Estas estão intactas, tendo resistido a vários terramotos posteriores à sua construção, para além da fúria destruidora dos espanhóis.
A oriente de Pisac, numa área elevada duma montanha, encontram-se as ruínas da cidade de Tipón, com uma infra-estrutura notável de canais de distribuição de água.
Para além destas antigas localidades incas, no Vale Sagrado destaco ainda a povoação de Chinchero, pela rica tradição dos trabalhos têxteis produzidos pelas mulheres locais, e comercializados pelas próprias, na praça fronteira à igreja.

Finalmente, parto para Machu Picchu. A viagem é feita de comboio, demorando cerca de quatro horas.
As opções de viajar de comboio, de Cusco para Machu Picchu, são várias: os residentes têm à sua disposição um comboio, interdito aos estrangeiros.
Para os estrangeiros, existem três comboios, com níveis de conforto diferentes, sendo o “Back Packer” o de nível inferior, e é neste que eu viajo.
A partida de Cusco é feita de manhã cedo, e os primeiros quilómetros da viagem são penosos para o comboio, já que temos que subir para ultrapassar as montanhas que rodeiam Cusco.
Vencidas estas, o percurso é descendente, em direcção ao Vale Sagrado. Percorrendo este, estamos rodeados por campos agrícolas, rios e montanhas, com alguma neve nos cumes mais elevados.
Com cerca de metade do caminho percorrido, chegamos a Ollantaytambo, para uma curta paragem. Passada esta localidade, o vale torna-se mais estreito, havendo praticamente espaço para a linha férrea e o rio Urubamba, que nesta área tem um curso tormentoso, já que o seu leito está repleto de rochas que se despenham das encostas íngremes das montanhas que acompanham o vale.
Apercebo-me da mudança da vegetação que anteriormente era de explorações agrícolas, e que agora passa a ser de selva, que à medida que avançamos se torna mais densa.
Nesta segunda metade da viagem, o comboio faz três curtas paragens, apenas para a saída de alguns passageiros, que farão o resto do percurso a pé, através do chamado Caminho Inca, que liga o Vale Sagrado a Machu Picchu.
Este Caminho Inca é extremamente popular entre os estrangeiros que visitam Machu Picchu, e pode ser feito em três versões, com graus de dificuldade variáveis. O mais longo, com 33 km de extensão, demora normalmente quatro dias, durante os quais os caminhantes dormem em acampamentos improvisados. Nesta versão, o segundo dia é o mais penoso, sobretudo pela subida até aos 4.200 metros de altura.
A segunda versão mais longa é de dois dias, e a mais curta de cerca de sete horas.
Em qualquer das alternativas, o caminho tem que ser feito com a companhia de guias locais, e as autoridades peruanas restringem o acesso a um máximo de 500 caminhantes por dia.
No comboio em que viajei, para a versão de quatro dias, saiu do comboio um grupo de quatro mulheres europeias, todas elas aparentando ter mais de 50 anos de idade.
À chegada a Aguas Calientes sigo de imediato para Machu Picchu, na companhia de um grupo, conduzido por um guia.

Aguas Calientes, cujo nome se deve ao facto de na área existirem fontes de águas termais quentes, é uma povoação surrealista. Está situada numa área natural de rara beleza mas, tendo sido edificada após a “descoberta” das ruínas da cidade Inca de Machu Picchu, em 1911, é um exemplo da incapacidade que o Peru de hoje tem em honrar o passado glorioso dos seus antepassados incas.
Quem vem a Aguas Calientes, vem para visitar Machu Picchu, localizada a cerca de 8 km de distância. A primeira é uma localidade atrofiada entre montanhas escarpadas, o rio Urubamba e um seu afluente, e a linha ferroviária, único meio de acesso motorizado a esta área.
Praticamente todas as casas comerciais de Aguas Calientes se destinam a servir os visitantes que por cá passam, sendo as habituais lojas de artesanato, restaurantes e hotéis.
De resto, a principal rua da cidade é partilhada por peões e pela linha ferroviária, onde várias vezes ao dia passam comboios. É nesta rua que se encontra o hotel onde pernoito.
Uma noite, depois de ter jantado, num bom restaurante (Índio Feliz) com uma cozinha de influência francesa, justificada pela nacionalidade do seu proprietário, passei pela Praça central, onde dezenas de crianças brincavam alegremente, como se fosse de dia. A maior parte das lojas estava aberta, já que durante o dia, a maioria dos visitantes está em Machu Picchu.
Ao chegar à rua do meu hotel, deparei-me com um comício eleitoral, já que em breve, irão decorrer eleições para as autarquias, pelo que começou a caça ao voto. Acerquei-me, e observei que alguns simpatizantes do candidato que se manifestava, ofereciam comida e cerveja aos assistentes. Entretanto, uma banda de música, contratada para o efeito, alegrava o ambiente, o que acontece até ao momento em que escrevo estas linhas, já próximo da meia-noite.
Passado pouco tempo, através do sistema de som, os assistentes foram avisados para saírem da rua, onde se encontra a linha-férrea, já que estava para chegar o comboio proveniente de Ollantaytambo. Este chegou, e dele saíram centenas de passageiros, indígenas e turistas, directamente para a rua.
O comício prosseguiu, a banda continuou a sua actuação, e eu fiquei do lado errado da rua, para chegar ao hotel, pelo que esperei que o comboio saísse da rua.

Machu Picchu, a cidade inca edificada no século XV, está situada a 2.400 metros de altura, 300 mais que Aguas Calientes, o que faz com que a estrada que as une seja íngreme e sinuosa. O percurso é feito exclusivamente por autocarros que transportam os visitantes.
Ao longo da ascensão apercebo-me da riqueza da flora da região. Para além das árvores que cobrem todo o terreno, identifico bromélias e orquídeas nalgumas das árvores.
Chegado pela primeira vez a Machu Picchu, apesar de já ter visto muitas imagens do local, a minha reacção é de deslumbramento.
A localização desta cidade inca numa plataforma duma das muitas montanhas que aqui existem, é espantosa. O que mais me impressionou, na primeira observação, foi o espectáculo grandioso de estar numa cidade que se encontra circundada por montanhas, algumas das quais mais altas que aquela em que se encontra.
A intervenção humana, que deu origem à construção de Machu Picchu foi simultaneamente épica e respeitadora do ambiente, pelo que se sente uma grande harmonia entre a área construída e a natureza.
A cidade foi edificada com pedra granítica, a 2.400 metros de altura, presumindo-se pelo número de casas, que aqui viveram cerca de 500 pessoas.
Algumas das ruas de Machu Picchu são percorridas por canais que conduzem a água, proveniente do cume da montanha, que servia as necessidades da população.
Anexos à área urbana existem os característicos terraços nos quais os incas produziam os bens agrícolas para consumo próprio, para além de consolidarem o terreno das íngremes encostas.
Tudo foi feito com um sentido notável de harmonia, que infelizmente não tem nada a ver com as actuais urbes do Peru.
O conhecimento desta cidade inca, nunca descoberta pelos espanhóis, e por isso deixada intacta, deve-se a um historiador norte-americano, Hiram Bingham, que em 1911 aqui chegou.
Na altura, Hiram Bingham procurava a cidade de Vilcabamba, a última a ser habitada pelos incas, antes de serem totalmente derrotados pelos espanhóis.
Por indicação dum indígena, Hiram Bingham subiu a montanha no cimo da qual descobriu Machu Picchu, onde na altura residiam duas famílias.

Nos dias em que estive em Machu Picchu, a cidade inca foi visitada por cerca de 1.500 pessoas por dia, o que significa que durante uma boa parte das horas em que podemos estar no interior da cidade, das 6 às 17 horas, estamos acompanhados por muitas outras pessoas.
No meu caso, apreciei particularmente o período da tarde, depois da saída das pessoas que invariavelmente regressavam a Cusco.
Já com poucos visitantes, refugiava-me na parte ocidental de Machu Picchu, perto do acesso à trilha que leva à ponte inca. Ali, para além de me deleitar com a vista, meditei, comovi-me e sonhei. Ali expressei votos para todos os que me são queridos.

A minha estada em Machu Picchu foi também marcada, uma vez mais, por encontros com pessoas interessantes.
De entre aquelas que pude conhecer, com interesse, refiro dois casos: a Patrícia, norte-americana, pessoa sensível e culta, que caminhou de forma determinada por todos os trilhos que encontrou em Machu Picchu, para além de lá ter chegado também a pé, pelo famoso Caminho Inca, na versão longa.
Por educação, não lhe perguntei a idade mas, penso que a Patrícia tem idade para ser minha mãe.
O outro caso humano que destaco, é o dum grupo de mexicanos que encontrei ao percorrer Machu Picchu, com trajes brancos, sendo que nas costas da camisola que vestiam estava escrito “todos somos um”.
Foi o bastante para me despertarem a atenção, acabando por estabelecer contacto com membros deste grupo através da Jenny, a quem observei através da máquina fotográfica, numa ocasião em que ela meditava.
O objectivo deste grupo de mexicanos, ao viajar para Machu Picchu, foi o de exercitarem as suas filosofias de vida espiritual, pelo que tiveram uma experiência distinta da maioria dos visitantes.

A vista clássica de Machu Picchu apresenta em fundo um pico montanhoso mais elevado, com cerca de 2.700 metros de altura, chamado Huayna Picchu.
Visitando Machu Picchu, as pessoas que desejem podem subir ao topo do Huayna Picchu, para o que têm que se registar num local de acesso ao trilho. De resto, este percurso é limitado a um máximo de 400 pessoas por dia.
No meu segundo dia em Machu Picchu, decidi visitar o Huayna Picchu. Fi-lo na companhia do Carlos, argentino de Mendoza, com quem partilhei alguns bons momentos nesta área do Peru, e também da Patrícia, esposa do Carlos, que indisposta naquele dia, não nos pôde acompanhar.
De antemão sabíamos que o passeio seria fisicamente exigente já que, teríamos que vencer um desnível de cerca de 300 metros, com um grau de inclinação elevado.
A subida começa com alguma suavidade mas, à medida que vamos avançando, torna-se mais difícil. Felizmente, quase todo o percurso está definido por degraus de pedra, com cabos de aço a servir de corrimão.
Sem pressas, cheguei ao topo, literalmente, em cerca de uma hora, tendo o Carlos demorado menos tempo que eu. Depois de descansar no ponto mais alto, empreendemos a descida, com as necessárias cautelas.
Chegados ao ponto de partida, demorei quase três horas a fazer o percurso completo, e estava exausto.
Este exercício só é recomendável para quem esteja em boa forma física, e aprecie o género, para além de não ter vertigens.
As vistas que se podem observar, de vários pontos da escalada, quer de Machu Picchu quer das montanhas circundantes, são espectaculares.

Como nota final sobre Machu Picchu, para quem lá possa ir, recomendo muita atenção a minúsculos mosquitos que lá vivem, e que picam que se fartam quem por lá anda. São picadas indolores, de mosquitos silenciosos mas que, dão direito a uma semana de muita comichão. Julgo que estes mosquitos são parentes dos que no Brasil, são chamados de “borrachudos”.

Ao terceiro dia, regressei a Cusco, pelo mesmo meio de transporte ou seja, de comboio.
No dia seguinte, de autocarro, viajo para sul, em direcção ao Lago Titicaca.
Esta viagem demora cerca de oito horas, tendo várias paragens, em locais de interesse nomeadamente, a povoação de Raqchi, onde se encontram importantes ruínas do período Inca, e onde as mulheres usam vistosos e coloridos trajes.
Mais tarde, passamos o ponto mais alto deste percurso, superior a 4.000 metros, em La Raya.
As paisagens são muito interessantes, com a conjugação de rios, vales cultivados e montanhas. Depois de La Raya, percorremos o planalto andino, com escassa vegetação, até chegarmos a uma cidade aberrante, Juliaca, onde impera o caos urbano. Quase todos os edifícios da cidade têm uma cobertura plana, na qual sobressaem cabos de ferro, das estruturas, para uma eventual ampliação em altura.
Juliaca tem fama de ser uma cidade de actividades económicas de contrabando, pela proximidade com a Bolívia. Pelas múltiplas indústrias ali instaladas, chamam-lhe a “Pequena Taiwan”.
Enquanto o autocarro percorre as ruas desta caricatura urbana, observo uma infinidade de letreiros comerciais, com todo o tipo de ofertas, algumas estranhas, como esta: exame de saúde mental para uso de armas.
Nas ruas de Juliaca circulam milhares de triciclos (bicicleta e motorizados), que garantem o transporte de passageiros na cidade.
Casualmente, no mesmo autocarro viajou também a Paola, um dos membros do grupo mexicano de Machu Picchu, que ficou no Peru por mais alguns dias.
Chegados a Puno, à beira do Lago Titicaca, constatamos que também não se trata de local acolhedor mas, o que nos trouxe aqui foi apenas a oportunidade de visitarmos o lago mais alto do mundo (3.820 metros de altura) que é navegável por navios de grande calado, e o maior acima de 2.000 metros de altura (cerca de 170 km de comprimento e 60 km de largura). O Lago Titicaca pertence maioritariamente ao Peru, e também à Bolívia.
Assim, o dia seguinte é passado no lago, havendo uma oferta vasta de pequenas embarcações (cada uma transporta cerca de 20 passageiros) que passeiam os visitantes, sobretudo para visitar as famosas ilhas flutuantes, únicas no mundo.
Estas são construídas pelos Uros, uma das etnias regionais, de modo engenhoso, utilizando uma planta que cresce em abundância nas áreas pouco profundas do lago, totora.
Estas ilhas são mantidas mediante o trabalho de colocação de novas camadas de totora sobre as anteriores, para garantir a segurança do pavimento, já que com o contacto com a água, as camadas mais antigas (inferiores) apodrecem.
Para além de ser utilizada para a construção das ilhas, a totora é também utilizada para as casas, e a alimentação.
Ao pormos o pé numa destas ilhas, temos uma sensação estranha, já que o chão não é rígido, mas sim flexível.
Os habitantes destes frágeis ecossistemas são extremamente amáveis, e estão hoje demasiado familiarizados com os visitantes. Digo isto porque, senti que quase tudo o que nos é proporcionado nestas pequenas ilhas tem em vista satisfazer os interesses dos turistas. Por exemplo, ao despedirmo-nos dos ilhéus, fomos brindados com cantos, por um coro de mulheres e crianças, não só na língua local (aymara, de origem pré-inca), mas também em inglês.
Tive ainda oportunidade de visitar uma das poucas ilhas não flutuantes do lago, a de Taquile. Esta, a mais povoada do lado peruano, inicialmente por presidiários, com cerca de 2.000 habitantes, tem tradições únicas, que levaram a UNESCO a inclui-la, já este ano, no grupo dos locais considerados como património cultural da humanidade.
Para além dos trajes dos habitantes, que são únicos e bastante elaborados, os homens dedicam-se, entre outras tarefas, a bordar peças de lã para uso próprio. As mulheres por sua vez, tratam de fiar a lã.

Novo dia, novo destino. Viajo de autocarro para Arequipa, última região da minha visita ao Peru.
Hoje, 9 de Outubro, completo 50 anos de vida. Uma boa parte do dia é passado num autocarro que viaja por uma estrada medíocre e sinuosa, que percorre terras planálticas, áridas, descendo depois para Arequipa.
Esta é a segunda maior cidade do Peru, e o seu centro histórico é também considerado património da humanidade. Arequipa está situada quase á sombra de três vulcões com mais de 5.000 metros de altura, o que faz pensar que, quando um dia algum destes vulcões ressurgir, a cidade pode muito bem desaparecer.
Arequipa é chamada a cidade branca, porque muita da pedra utilizada para as construções da cidade, sillar, é de cor clara, quase branca.
Ao abordar a cidade pela primeira vez, fico impressionado pela enorme quantidade de pequenos táxis que circulam pelas ruas de Arequipa. Percentualmente, representam bem mais que 50% de todos os automóveis da cidade.
Naturalmente, sendo uma cidade marcada pelo período colonial espanhol, o seu centro é definido pela Plaza de Armas, quadrangular, com um dos lados totalmente ocupado pela catedral, e os restantes três por edifícios uniformes, de dois pisos, com belas e amplas galerias definidas por arcos.
No meio da praça, o jardim, com arvoredo cuidado, e com muita animação, como é habitual nestes locais. Num passeio pela praça encontrei, para além dos que igualmente passeavam, agentes da policia, centenas de pombos, alimentados pelos locais, vendedoras de alimento para os pombos e outros vendedores ambulantes, como vendedores de serviços telefónicos, com telemóveis presos por correntes metálicas aos pulsos, que alugam os telefones, para aqueles que ainda não têm o seu próprio telefone, fotógrafos (cerca de 20) que retratam aqueles que querem ter uma fotografia tirada na praça, com a catedral em fundo, e um mensageiro de uma qualquer crença religiosa, que impingia promessas divinas em voz alta, a quem ali estava.
À volta da Plaza de Armas, quase todo o comércio é dedicado aos turistas. Aqui, refiro a oferta descomunal de artesanato que no Peru é apresentada aos turistas.
Dos países do mundo que conheço, só encontro paralelo em Marrocos.
No Peru, em qualquer lugar onde um turista possa passar, por mais recondido que seja, há alguém, normalmente mulher, acompanhada por crianças, que vende artesanato.
De todos os países até agora visitados, de longe, o Peru é o país que tem as melhores ofertas de artesanato. Destaco a incrível variedade de peças elaboradas em lã, particularmente de alpaca, com preços muito acessíveis.
Quanto à qualidade, encontram-se todos os níveis. A lã mais rara, a mais fina do mundo, é a da vicunha, espécie pouco abundante e de baixa produção de lã, e por isso a mais cara. Um cachecol em lã de vicunha, duma marca credenciada, vale cerca de 500 €.

Quanto a museus, Arequipa alberga um museu dedicado aos sacrifícios humanos do período Inca, o Museu Santuários Andinos.
Este foi edificado com base nas descobertas efectuadas há cerca de onze anos atrás, numa montanha da região, mediante a colaboração de arqueólogos peruanos e um norte-americano.
O museu contém objectos diversos encontrados nos túmulos, e uma múmia, de uma jovem, que foi entretanto baptizada como Juanita.
Embora interessante, recordo que em Salta, na Argentina, visitei um outro museu dedicado ao mesmo tema, o Museu de Arqueologia de Alta Montanha – MAAM, que tem um nível superior ao deste, de Arequipa.
Outro local monumental de referência é o Mosteiro de Santa Catalina, edificado a partir do século XVI, no qual viveram mulheres espanholas privilegiadas, já que se faziam acompanhar por criados.
Neste mosteiro, que funciona como convento, chegaram a habitar 450 pessoas, número hoje reduzido a cerca de 30.
O vasto conjunto arquitectónico é bastante interessante, ocupando todo um quarteirão da cidade, inteiramente murado. Das duas cores dominantes dos edifícios, uma é um azul-cobalto, que me faz lembrar, por ser praticamente igual, um tom de azul que o pintor francês Jacques Majorelle criou em Marraquexe, onde residiu no século XX, e que é ali conhecido como o azul “Majorelle”. Sendo o azul de Arequipa mais antigo que o de Marraquexe, julgo que a semelhança é mera coincidência.

A região de Arequipa é conhecida não apenas pela cidade capital, mas também pelas belezas naturais, nomeadamente por dois desfiladeiros que, são os dois mais profundos do planeta.
Estes são os desfiladeiros do Colca e Cotahuasi, este último o mais profundo, com cerca de 3.300 metros de profundidade. Mas, o Cañon del Cothauasi (como é designado em castelhano) é de difícil acesso, pelo que me contentei em visitar o Cañon del Colca, que tem quase 3.200 metros de profundidade máxima.
Para lá chegar, viajo num pequeno autocarro, na companhia doutros visitantes, alguns dos quais peruanos. A viagem, até à entrada do desfiladeiro, de cerca de 3 horas, excluindo paragens, percorre os planaltos andinos, com vegetação rasteira que serve de pasto aos maiores rebanhos de alpacas, lamas e vicunhas que encontrei até hoje. Apenas os guanacos, a espécie mais escassa, se mantêm invisíveis.
Neste percurso, passamos um cume montanhoso, Patapampa, a quase 5.000 metros de altura, o que constitui o meu recorde. Mesmo aqui, vislumbram-se montanhas ainda mais altas, com os cumes cobertos de neve.
A partir deste ponto, a estrada desce vertiginosamente, mais de 1.000 metros, até ao vale onde começa o desfiladeiro do Colca (nome do rio responsável pelo desenho do mesmo), onde se encontra a povoação de Chivay.

O meu destino por duas noites, nesta região, é o Colca Lodge (www.colca-lodge.com), hotel situado à beira do rio, isolado de qualquer povoação.
Para além de ser um hotel com um nível de conforto e serviço acima da média, o principal atractivo, pelo menos para mim, é o de ter piscinas de águas termais quentes, exclusivas para os seus hóspedes. Melhor ainda, estas são exteriores, ao lado do rio.
Como a temperatura diurna do ar era relativamente quente, ligeiramente acima dos 20º centigrados, preferi aguardar pelo fim da tarde para me banhar nas piscinas, cuja temperatura da água variava entre os 35º e os 40º, para além daquela onde a água proveniente da fonte se concentra, com a temperatura de 80º, a partir da qual é distribuída pelas outras através de canais abertos no pavimento de rocha natural.
Não sei se é fácil de imaginar mas, a sensação de estar numa piscina escavada na rocha, com água quente, a poucos metros de distância dum rio, ouvindo as águas a correr, entre as encostas escarpadas das margens, observando o cair da noite, vendo as estrelas a despontarem no céu, límpido como só nos locais mais isolados se consegue ver, é de prazer absoluto.
Este prazer, no meu caso, foi acrescido pelo facto de ter podido estar só nalguns períodos.
De resto, a estada neste local serviu também para descansar, para além duma longa caminhada, na companhia dum guia local, profundo conhecedor da região, que caminhava sobre o terreno acidentado como eu não consigo, e de duas irmãs peruanas, Carmen e Fausty, e o filho duma delas. Neste percurso, visitámos as ruínas duma povoação abandonada, acima da qual se encontra uma cascata, cuja água provem das neves acumuladas nos cumes mais elevados. Da cascata, a água é engenhosamente distribuída pelas encostas, através duma rede de canais laboriosamente construídos ao longo de séculos.
O benefício da água transportada pelos canais faz-se sentir nos campos agrícolas distribuídos em terraços, nas encostas, até ao nível do rio Colca.
Segundo o guia deste passeio, uma vez por ano, no mês de Julho, as populações da área, beneficiárias da água proveniente das montanhas, sobem até à cascata, em romaria, para então procederem à limpeza dos canais, afim de garantirem o bom funcionamento dos mesmos.
Esta operação demora vários dias, durante os quais as mulheres cozinham, os homens procedem à limpeza dos canais, e todos bebem muita “chicha”, bebida alcoólica obtida pela fermentação de milho, consumida ancestralmente no Peru.

No dia de regresso a Arequipa, de manhã cedo, percorremos cerca de 40 km do desfiladeiro, por uma estrada de terra no lado nascente do rio, até chegarmos a um ponto chamado “Cruz del Condor”, onde supostamente existem alguns condores, aves necrófagas, emblemáticas da cordilheira dos Andes.
A verdade é que, na presença de centenas de pessoas excitadas, pela expectativa de poderem ver uma espécie rara, e por falta de bom senso, os condores, se é que ainda ali vivem, não compareceram à chamada, desiludindo as expectativas de muitos dos visitantes.
A promessa não cumprida de observação dos condores, por razões a que estes são alheios, acrescida do sacrifício de percorrer um mau caminho, para ali chegarmos, não invalida que o passeio não seja interessante.
As paisagens da encosta oposta àquela em que percorremos o desfiladeiro, e das montanhas ainda mais altas que estão para lá das que se afundam no rio, com os cumes cobertos de neve (é num destes cumes que, tem inicio o … Rio Amazonas), o precipício que constitui o desfiladeiro, são de suspender a respiração.
Apesar de tudo, este passeio ao longo do desfiladeiro do Colca apenas nos permitiu observá-lo até à profundidade de cerca de 1.200 metros, menos de metade da sua profundidade máxima.

Após um curto período em Arequipa, viajo de avião para Lima, onde pernoito, para viajar de novo, para o Panamá.
A viagem de Lima para a cidade de Panamá permite-me ainda observar, pela última vez, a extraordinária cordilheira dos Andes, que visitei ao longo de milhares de quilómetros, em três dos cinco países visitados na América do Sul.
A norte de Lima, a rota do avião, paralela à costa, acompanha a chamada Cordilheira Branca, um espectacular maciço montanhoso com cerca de 180 km de extensão, com mais de cinquenta picos acima dos 5.700 metros, entre eles o Huascarán, com 6768 metros, a montanha mais alta do Peru, e a mais alta de todas as montanhas do planeta, em regiões tropicais.
O nome desta cordilheira é justificado pelo facto dos cumes se apresentarem cobertos de neve.

Com a estada de 21 dias no Peru completo a viagem de cerca de quatro meses e meio pela América do Sul.
Agora segue-se a América Central, na qual deverei percorrer o Panamá, Costa Rica e Nicarágua.
Para já, na América Central, aproveitando o clima tropical e as condições naturais, vou procurar praias a meu gosto.