17 dezembro 2006















Granada: vista parcial do centro urbano, com destaque para a Catedral.
Em fundo, o Lago Nicarágua.
Granada: arquitectura de inspiração colonial.














Granada: Festas da Purissima, em honra de Nossa Sra. da Conceição.
Granada, centro de actividades Carita Feliz: Peder Kolind com algumas das crianças que frequentam o centro.














Granada: Mercedes León Medrano e Francisca Miranda León, respectivamente mãe e filha, no interior da sua casa.
Manágua, Mercado Roberto Huembes: Marcelina Rodriguez, 88 anos de idade, vendedora de artesanato.
NICARÁGUA – CURTA VISITA

De autocarro, chegamos à fronteira entre a Costa Rica e a Nicarágua, um dos países mais pobres das Américas.
Ali chegados, saímos todos para nos apresentarmos individualmente às autoridades da Costa Rica, após o que reentramos no autocarro, para avançar alguns metros, pagar uma taxa de entrada na Nicarágua, e apresentar toda a bagagem transportada à alfandega, para inspecção. Aqui, valeu-nos a sorte, já que as peças de bagagem inspeccionadas são escolhidas aleatoriamente, através dum semáforo. A nós, saiu a luz verde, pelo que voltámos a levar a bagagem para o autocarro, sem ser necessário abrir os muitos volumes transportados.
Na totalidade, na fronteira, permanecemos cerca de uma hora e meia. Durante aquele tempo, observámos a vida local.
Para além dos trabalhadores estatais de ambos os países, das muitas viaturas pesadas que ali permanecem por muito tempo, até conseguirem autorização para prosseguir viagem, chamaram-nos a atenção os muitos cambistas que transaccionam moeda dos dois países, na via pública. Aqui, pela primeira vez, recorri aos serviços destes agentes, para vender o excedente de Colones, moeda da Costa Rica, comprando Córdobas, moeda da Nicarágua. Na verdade, só utilizei este meio porque o banco da Nicarágua presente na fronteira, não compra Colones.
Para além dos cambistas, surgem muitas mulheres que vendem produtos diversos, sobretudo de alimentação, o que mais tarde, noutros locais, se revela recorrente, denotando a existência de uma forte classe de comerciantes domésticos que vendem de tudo um pouco, muitas vezes envolvendo vários membros de cada família.
Mas, nesta fronteira, no lado nicaraguense, o que mais me despertou a atenção foi a presença dum miúdo de idade inferior a dez anos, que vagueava por entre os presentes com um saco plástico na mão, onde guardava latas de refrigerantes vazias. Quando apanhava uma, colocava-a no chão, na vertical, e com o sapato calcava-a com força para a comprimir, após o que a guardava no saco.
Elucidativo acerca das necessidades económicas deste país, que tem uma elevada percentagem de jovens.

Retomada a viagem para Granada, lá chegamos ao início da noite. Saímos do autocarro, em local inóspito, para apanharmos um táxi que nos levou a uma morada, onde reside uma ex-colega minha, Lilly, norte-americana, que gentilmente nos ofereceu a sua casa.
Só então nos apercebemos que a cidade estava às escuras, por ter faltado a luz.
Assim, chegados à rua da Lilly, encontrámos a casa dela perguntando a algumas pessoas onde vive a senhora americana …
A Lilly vive na Nicarágua há um pouco mais de dois anos, tendo tomado essa decisão na sequência duma primeira visita ao país, e a Granada. Aqui comprou uma propriedade, na qual empreendeu uma série de reformas, ampliando-a, trabalhos que estão em fase de conclusão.
Uma das componentes do seu investimento é um bar, Santa Lucia Social Club, que ainda não está aberto ao público, devido a questões formais.
De resto, a Lilly está satisfeita pela mudança dos EUA para a Nicarágua, onde encontrou uma sociedade mais humana.

A Nicarágua encontra-se actualmente num período de expansão económica, também graças ao interesse de muitos estrangeiros que decidiram investir no país, e nalguns casos aqui residir. Em Granada, provavelmente a cidade com mais interesse arquitectónico do país, pela preservação de muitos dos seus edifícios coloniais, é notória a presença duma comunidade estrangeira residente.
No decurso dum pequeno-almoço, travámos conhecimento com um outro membro desta comunidade, Howard, também norte-americano, residente na América Central há vinte anos. O Howard, mudou-se há alguns anos da Costa Rica para a Nicarágua, e agora, devido à alteração politica anunciada para o inicio de 2007, com a eleição de Daniel Ortega para presidente do país, antevê tempos difíceis, para ele e outros residentes estrangeiros.
Como não pensa voltar a residir nos EUA, admite a possibilidade de se mudar para o Panamá.
Posição distinta, mais optimista, foi-nos manifestada por um outro estrangeiro aqui residente, Peder, dinamarquês, que conhecemos casualmente quando passámos frente a um edifício de sua propriedade, onde está instalado um museu que alberga a sua colecção de cerâmica antiga da região centro-americana.
Só por si, o museu e o seu conteúdo seriam suficientes para destacar esta figura da cidade de Granada. Mas, desde o primeiro contacto com Peder, o que mais me interessou foram sinais de intervenção social relevante dele nas comunidades locais desfavorecidas.
De forma discreta mas objectiva e convincente, Peder falou-nos de dois projectos que lidera, um dos quais visa apoiar o desenvolvimento intelectual, cultural e moral de crianças nicaraguenses, de famílias pobres.
O projecto “Carita Feliz” ( http://www.caritafeliz.org/ ) permite que centenas de crianças desfavorecidas acedam a recursos diversos, de modo a que possam crescer em plano de igualdade com outras crianças. O projecto é tão ambicioso que Peder acredita que futuramente alguns dos seus protegidos serão pessoas influentes na sociedade da Nicarágua.
Sensibilizados pelo alcance desta obra social, eu e a Dina visitámos as instalações da “Carita Feliz”, onde reencontrámos Peder, e confirmámos as melhores expectativas. Ali encontrámos dezenas de crianças empenhadas na prática de actividades tão distintas como costura, informática, artes visuais, cosmética e outras.
Embora não tenha sido solicitada qualquer contribuição financeira nossa, eu propus fazê-lo, pelo que irei em breve, apadrinhar algumas das crianças da “Carita Feliz”.

A estada em Granada coincidiu com as festas da Puríssima, em honra de Nossa Senhora da Conceição. Estas celebrações decorrem na primeira semana de Dezembro, culminando no chamado “dia da gritaria”, no qual os nicos (designação dos naturais da Nicarágua) se manifestam ruidosamente nas ruas das cidades, e em simultâneo exercem a sua fé religiosa. Na verdade, durante todo o período destas festas, foguetes e música ecoam no ar, dia e noite.
Durante as festas da Puríssima, realizam-se diariamente procissões nocturnas, que percorrem algumas das principais ruas das cidades. Em Granada, pudemos assistir a estas manifestações religiosas, participadas por milhares de pessoas, que desfilam pelas ruas, enquanto os moradores das mesmas observam os passantes sentados no exterior de suas casas, que se apresentam engalanadas, de portas e janelas escancaradas.
De referir que as casas de Granada se desenvolvem normalmente ao redor dum pátio interior, e que cada casa dispõe de várias cadeiras de baloiço, muito apreciadas nesta região.
Voltando às festas da Puríssima, paralelamente às procissões, constatamos a presença de inúmeros vendedores ambulantes que seduzem o público com produtos alimentares e outros alusivos ao Natal.

Granada, a cidade mais antiga nesta região, fundada pelos espanhóis no primeiro quartel do século XVI, está situada à beira do Lago Cosivolca, também chamado Nicarágua, um dos dez maiores lagos do planeta.
O lago encontra-se numa região vulcânica, cuja actividade proporcionou a existência de muitas ilhas, a maioria das quais de pequena extensão, chamadas “isletas”.
Uma curiosidade deste grande lago, não muito profundo, é a de ser o único lago de água doce no mundo no qual vivem tubarões. Estes, chegaram aqui através de rios que comunicam com o oceano Atlântico.

Com a estada da Dina quase no final, partimos de Granada para Manágua, num percurso curto de menos de uma hora, feito num pequeno autocarro a abarrotar de passageiros, conduzido por um motorista com espírito competitivo.
Em Manágua, cidade mais populosa da Nicarágua, ficámos alojados num pequeno hotel recomendado pela Lilly, Los Robles ( http://www.hotellosrobles.com/ ).
Situado numa área tranquila da cidade, num edifício antigo de boa traça arquitectónica, com um pátio ajardinado interior, no qual pontificava uma fonte engalanada por algumas lanternas marroquinas, revelou-se o local ideal para uma curta estada nesta cidade incaracterística, cujo centro foi parcialmente destruído por um sismo, há cerca de 30 anos atrás.
Já depois da partida da Dina para Portugal, ainda tive a oportunidade de visitar o mercado Roberto Huembes, um dos mais importantes locais de comércio de Manágua.
Este mercado tradicional, o maior que visitei nos oito países que percorri nos últimos seis meses, oferece de tudo, desde bens alimentares a roupa, artesanato a serviços de beleza, num ambiente caótico, semelhante ao dos “souk” de Marrocos.

Concluída a etapa da América Latina neste meu périplo pelo mundo, vou agora fazer um desvio na rota prevista, para regressar ao Brasil, onde passarei o Natal na companhia da minha mãe e familiares que lá residem, no estado de Minas Gerais.
Logo a seguir ao Natal, retomarei a rota prevista, viajando para os E.U.A., apenas com o objectivo de visitar amigos que lá residem, e dali partir para a Nova Zelândia.

09 dezembro 2006

Feira na praia de Manuel Antonio.














Praia Potrero ao final do dia.














Monteverde: uma das pontes suspensas do Parque Selvatura.
Colibri.














Iguana.
Parque Manuel Antonio.














A Dina, contemplando a praia Potrero.
COSTA RICA – A MÃE NATUREZA AMEAÇADA PELO BICHO HOMEM

Chegado a Puerto Viejo, despeço-me dos três companheiros de viagem de hoje, e decido explorar outras áreas desta região.
Quero encontrar um local tranquilo, à beira-mar, para descansar, e explorar o mundo natural da região Atlântica da Costa Rica.
7 Km a Sul de Puerto Viejo, decido ficar num hotel confortável, frente à baía de Punta Uva. Esta distancia parece muito maior, devido ao péssimo estado da estrada, asfaltada, mas que nalgumas partes, tem mais buracos que asfalto. Dias depois, o principal jornal diário da Costa Rica, La Nación, publicou um artigo onde referia que, segundo um estudo técnico recentemente efectuado à rede de estradas do país, 70% destas se encontram em mau estado de conservação.

Esta região litoral da Costa Rica é, em termos geográficos, a continuação da que visitei anteriormente no Panamá. No entanto, aqui, em vez dos mangais que ocupam quase toda a linha de costa no Panamá, temos areais extensos, que separam o oceano Atlântico de florestas densas.
Desde os meus primeiros passos nesta região, apercebo-me da existência de muita vida animal. Sem querer ser exaustivo, só ao redor do hotel onde me hospedo, vejo macacos, que emitem sons fortes, iguanas e muitos outros lagartos, esquilos que saltitam nas folhas dos coqueiros, e muitas aves, sobretudo marinhas. No grupo das aves, destacam-se pelo porte os pelicanos, que voam incessantemente sobre o mar, a curta distância da areia, mergulhando amiúde, para apanhar peixe.

Durante a minha estada nesta região, para além de usufruir da praia que está à porta do hotel, pretendo visitar algumas áreas naturais protegidas.
Começando pela praia, tenho vários quilómetros para explorar: se caminhar para o lado direito do hotel, a povoação mais próxima, Manzanillo, está a cerca de uma hora de distância, sem obstáculos. Para o lado esquerdo, o trajecto pela praia é mais difícil, havendo vários obstáculos naturais que fazem com que o litoral se estenda por baías mais pequenas.
Como a densidade de pessoas nestas praias é muito baixa, posso estar isolado, para me banhar nu, o que me agrada mais que a versão tradicional.
De resto, o mar nestas praias é bastante agitado, com correntes e ondulação fortes.

Quanto aos atractivos naturais, próximo de Manzanillo, caminhando à beira-mar, percorro várias pequenas praias, maioritariamente com fundo rochoso e por isso, mais adequadas a mergulho que a banhos. Esta área, designada como Refúgio Gandoca, pode também ser visitada por caminhos pedestres, através da floresta. Percorrendo estes, apercebo-me da existência de algumas casas cujo estilo denuncia serem propriedade de estrangeiros.
Junto a uma delas, com excelente localização, encontro uma “tica”, designação corrente que identifica as mulheres da Costa Rica, que confirma que a casa que eu aprecio é propriedade duma norte-americana, e pode ser alugada.
Para quem queira passar uma temporada nesta região, ficando num belíssimo local, isolado mas próximo duma localidade, Manzanillo, este é o local certo. Os interessados podem consultar o site duma agência imobiliária que aluga a referida casa: www.viviun.com/AD-14776/

A poucas dezenas de quilómetros a noroeste de Punta Uva, no litoral, situa-se o Parque Natural Cahuita, do qual se diz ser a área do mundo mais rica em biodiversidade.
Para o visitar, contratei os serviços duma empresa local que organiza passeios guiados pelo parque, com inicio no mar, junto a uma pequena península que delimita o parque, para mergulho e observação da vida marinha, que no dia em que lá estive era de difícil observação dadas as más condições de mar.
Posteriormente, desembarcámos numa praia do parque, para então iniciarmos uma caminhada de cerca de 5 km, através dum trilho plano, quase sempre a poucos metros de distância do mar, até ao ponto de partida, a povoação de Cahuita.
O meu grupo tinha, para além do guia, um jovem local que se mostrou bastante familiarizado com o parque, e os seus habitantes naturais, um casal norte-americano e um outro casal austríaco, que se fazia acompanhar por um jovem tico, que fazia de intérprete. O curioso do grupo foi que, o companheiro austríaco é um especialista profissional em … répteis.
Assim, o principal objectivo dele era o de observar exemplares de répteis, particularmente cobras, que habitam naquela área.
Ao longo do percurso efectuado, encontrámos, ou melhor, o austríaco e o guia encontraram duas cobras, uma pequena e fina e a outra de maior envergadura, com as quais ambos interagiram fisicamente. Segundo o nosso especialista em répteis, nenhum dos dois exemplares observados era venenoso. Sorte a nossa.
Escusado seria dizer que, mais ninguém do grupo quis tocar nas cobras, e eu limitei-me a observá-las e fotografar.
Para além das cobras, pudemos observar muitos lagartos, aves, preguiças e macacos de cara branca, sempre à procura de alimentos.

Antes de partir desta região, pude ainda visitar a vila de Puerto Viejo, principal centro populacional da área, conhecido pela comunidade residente de origem afro-caribenha, que tem os seus hábitos culturais, onde se destaca a influencia “rasta”. Desta, apenas sei que tem o centro principal na Jamaica, e que a música reggae é bastante apreciada.
De resto, o aspecto geral de Puerto Viejo é pouco cuidado, pelo que constituiu para mim, apenas um local de passagem.

Para viajar até San José, contratei o serviço duma empresa que efectua o transporte de passageiros por estrada, em pequenos autocarros, recolhendo-os nos hotéis onde se encontram, e levando-os até ao local desejado.
Tive a sorte de me calhar um carro vazio de passageiros, pelo que viajei apenas com o motorista, que também foi boa companhia.
Ao fim de quatro horas de viagem, e depois de apanharmos uma chuvada torrencial na parte final do percurso, chegámos a San José, a capital do país.
Esta não tem fama de ser uma cidade atraente, e não é. A qualidade urbanística e arquitectónica é medíocre, com raras excepções.
Uma destas é o Teatro Nacional, edificado no final do século XIX, por iniciativa de empresários da indústria de café, os quais escolheram um projecto de arquitectos belgas, inspirado no edifício da Ópera de Paris, executado em grande parte por artesãos italianos, com materiais importados da Europa.
De resto, a cidade de San José está dotada de várias salas para espectáculos culturais, assim como museus, o que também justifica uma das prioridades do país: a educação. Esta, aliada à simpatia e cordialidade, sobressaem nos contactos com os ticos, em geral.
A Costa Rica constitui aliás, uma excepção, enquanto sociedade da América Central, também porque o país não tem exército, desde há mais de cinquenta anos, por opção própria.

No decurso da minha estada em San José, antes da chegada da Dina, aproveitei para consultar médicos de duas especialidades, por pequenos problemas de saúde.
Por indicação dum residente, elegi a Clínica Católica, instituição privada, onde fui recebido com extrema atenção pelos médicos escolhidos, sem demoras, tendo pago valores inferiores aos de serviços equivalentes em Portugal.

Com a chegada da Dina, que teve que esperar dois dias pela bagagem de porão, a minha viagem entrou numa fase distinta, pelo facto de ter companhia, do que já me desabituara.
Planeámos viajar de carro, alugado, a partir de San José, até à fronteira com a Nicarágua, para depois seguirmos até Manágua em transporte público.
Ao sairmos de San José, pela estrada que passa pelo aeroporto, existe uma área de portagem. Aproveitando a paragem momentânea dos veículos naquele local, algumas dezenas de vendedores ambulantes ganham a vida em plena estrada, oferecendo um leque de produtos deveras variado: bebidas diversas, fruta fresca pronta a comer, em sacos plásticos engenhosamente pendurados num instrumento metálico, guloseimas diversas, óculos de sol, capas para telemóveis, mapas da Costa Rica para pendurar em paredes e, porque se aproxima o Natal, pais Natal insufláveis, para além doutros produtos não identificados.
O primeiro dia de viagem leva-nos para Sul, até à costa do Pacífico, à área do Parque Manuel Antonio ( http://www.manuelantonio.com/ ), um dos mais antigos e populares da Costa Rica.
Para lá chegar, atravessamos várias pontes precárias, dignas de qualquer país atrasado, e não dum que se apresenta como modelo para a região da América Central.

O Parque Manuel Antonio é pequeno, com uma área de cerca de 7 km quadrados, da qual apenas uma parte reduzida, junto ao mar, pode ser visitada.
O que ali atrai mais os visitantes são as praias que se encontram no interior do parque, de grande beleza natural, com muita vegetação até à areia, e águas convidativas. Para além destas, a fauna do parque também atrai a atenção dos visitantes, predominando iguanas, macacos, “racoons” (nome dum animal em língua inglesa) e aves diversas.
O parque pode ser visitado sem guia, ou com o mesmo, mediante pagamento adicional. Os guias parecem ser bastante profissionais, estando equipados com binóculos potentes, que permitem uma observação minuciosa dos animais.
Algumas das espécies que ali vivem, têm hoje hábitos de vida que dependem da presença das pessoas no parque, nomeadamente os macacos e os “racoons”, que aproveitam qualquer oportunidade para se apoderarem de alimentos transportados pelas pessoas.
Connosco aconteceu que, estando numa das praias, dentro de água, vimos um “racoon” a furtar-nos um saco que continha umas bananas, e posteriormente, uns macacos que se apoderaram doutro saco com restos de comida.
Nada disto retira interesse ao local, pelo que ali permanecemos durante dois dias, no último dos quais fomos provavelmente os últimos a abandonar o parque, tendo aproveitado a praia até ao pôr-do-sol.

Deixámos a área de Manuel António para nos dirigirmos para noroeste, para o interior, onde se encontra a Reserva Biológica de Monteverde, área natural protegida, criada por iniciativa privada.
Estávamos avisados de antemão que a parte final do percurso seria de mau piso. Na verdade, o que encontrámos suplantou, pela negativa, as expectativas. Os últimos 30 km de estrada, ou melhor, de picada, são um calvário para percorrer, apesar de dispormos duma viatura todo-o-terreno.
Lamentavelmente, todos os acessos rodoviários a esta região, assim como as ruas locais, se encontram em péssimo estado. Ao que parece, aqui conjugam-se a incúria governamental e o desinteresse dos habitantes locais que, pensam ser melhor manter os caminhos rodoviários quase intransitáveis, para evitar maior afluxo de visitantes, o que poderia prejudicar o equilíbrio ambiental da região.
Quanto a mim, existem outras formas de controlar os riscos de degradação ambiental, sem retirar qualidade às necessidades de residentes e visitantes.
Esta região montanhosa está situada a cerca de 1.500 metros de altitude, e possui características climatéricas invulgares. Os ventos dominantes de nordeste, vindos do litoral Atlântico, ao atingirem esta região arrefecem repentinamente, provocando a formação de neblinas e elevada percentagem de humidade no ar.
Com estas condições atmosféricas, de elevada humidade e pluviosidade, as áreas florestais apresentam características tropicais húmidas, pelo que a vegetação é pródiga em espécies que apreciam climas húmidos.
As árvores apresentam-se repletas de musgo e outras plantas parasitas, como bromélias e orquídeas.
No que à fauna diz respeito, sobressaem as aves, para regalo dos ornitólogos, com o quetzal, ave exótica de grande beleza e difícil de observar, como “troféu” mais cobiçado.

Chegados à região de Monteverde, tratámos de procurar alojamento. Escolhemos o Cloud Forest Lodge (http://www.monteverdecloudforestlodge.com/), situado nos arredores da povoação de Santa Elena, numa encosta montanhosa, rodeado por florestas, cursos de água e vista panorâmica para ocidente, com o oceano Pacifico ao longe.
Neste hotel, os empregados, começando pelo gerente, são duma simpatia invulgar, o que nos faz sentir muito bem.
De manhã, tomamos o pequeno-almoço na companhia de dezenas de colibris, de cores exuberantes e tamanhos diversos, alimentados pelas flores do jardim, e pelos bebedouros que lhes proporcionam água com açúcar.
Os dois dias passados nesta região permitem-nos longos passeios pelas florestas, primeiro na Reserva Biológica de Monteverde onde, depois de caminharmos vários quilómetros, satisfeitos com o que a natureza nos proporcionara, mas com a sensação de termos visto poucas aves (não estávamos correctamente equipados para a observação de aves), a poucos metros de terminarmos o passeio do dia, fomos brindados com a observação dum quetzal macho.
Este exemplar, foi detectado por um dos guias que estavam a trabalhar naquela área da reserva que, estando equipado com um monóculo sofisticado, proporcionou a todos os que por ali passaram momentos de satisfação e beleza.
Segundo o guia, aquele quetzal tinha comido recentemente o seu petisco preferido, abacate, que engole inteiro, após o que fica pousado numa árvore durante algum tempo, até digerir o alimento.
De facto, tivemos a fortuna de poder observar aquela belíssima ave, com penas de cores fortes, e longas plumas na cauda, durante mais de meia hora, até que, por acaso, reparei que o nosso alvo cuspiu algo, que caiu alguns metros à minha frente. Rapidamente, apanhei o objecto cuspido, que estava quente, para apurar tratar-se do caroço dum abacate. Na verdade, os abacates que servem de alimento a estas aves são de tamanho pequeno, diferentes dos que nós encontramos nas lojas.
Felizes pela sorte suprema de vermos um quetzal, decidimos fazer novo passeio pelas florestas húmidas, desta vez num outro parque, conhecido sobretudo pela característica de possuir pontes suspensas, através das quais os visitantes caminham, a várias dezenas de metros de altura, observando a floresta dum nível superior, algumas vezes acima das copas das árvores.
O Parque Selvatura (http://www.selvatura.com/) tem um percurso pedestre com cerca de 3 km de extensão, com oito pontes suspensas, a mais longa das quais tem 170 metros de comprimento.
Para além deste atractivo, o parque tem ainda ao dispor dos visitantes uma enorme estufa de borboletas, outra com repteis, um jardim com colibris, no qual centenas destas pequenas aves voavam incessantemente, e um museu de insectos.

No dia em que deixámos a região de Monteverde, por acaso, passámos em frente a uma casa que vende artesanato, Souvenir Rosewood, que decidimos visitar.
A especialidade desta loja é o trabalho em madeiras exóticas da Costa Rica, feito pelo proprietário, Jose Luís, que tem a oficina no local.
Ao entrarmos, fomos calorosamente acolhidos pela Danis, casada com o Jose Luís, e pela Mónica, a filha mais nova. Para além das peças expostas, a Danis proporcionou-nos orgulhosamente, uma visita guiada ao seu jardim, no qual cultivam inúmeras espécies de plantas, principalmente árvores de frutos e uma colecção de orquídeas. Numa das árvores, está um pequeno ninho de colibris, com duas aves recém nascidas.
O que seria à partida uma simples visita a mais uma loja de artesanato, revelou-se uma experiência humana rica, pela extrema simpatia das pessoas.
O destino deste dia foi a vila de Sámara, situada à beira do oceano Pacífico, onde chegamos depois de mais um percurso por más estradas.
Aqui, ficamos alojados no Hotel Belvedere ( http://www.belvederesamara.net/ ), propriedade dum casal de alemães que reside na Costa Rica há quinze anos.
Da vila de Sámara não há nada a dizer, pobre como todas as outras localidades destas paragens. Já as praias merecem nota de realce, particularmente a de Puerto Carrillo, com uma extensa baía em forma de ferradura, bordejada por coqueiros, e areia cinzenta muito macia.
De Sámara, partimos para norte, passando a área de Tamarindo, reduto popular para os norte-americanos, na América Central chamados vulgarmente de “gringos”, o que significa excesso de construção no litoral.
Seduzidos pela beleza da praia Conchal, decidimos ficar nas imediações desta, na Praia Potrero, no Hotel Bahia del Sol ( http://www.bahiadelsolhotel.com/ ) situado sobre a mesma. Entretanto, satisfeitos com o local, decidimos aqui ficar alguns dias, até viajarmos para a Nicarágua.
Neste hotel, para além de alguns hóspedes que se revelaram pessoas interessantes, pudemos apreciar o trato da quase totalidade dos empregados, com destaque para o Guillermo, empregado de mesa do restaurante, mas acima de tudo um ser humano pensante, com vocação para filósofo, consciente do mundo em que vivemos.
Durante este tempo, dedicamo-nos a conhecer as praias da região, constatando que aqui, como em Portugal e muitos outros países, as áreas costeiras são alvo de operações imobiliárias e outras actividades, que visam objectivos económicos, prejudicando o ambiente.
Neste caso, o litoral desta região é de uma beleza invulgar mas, tem o destino traçado, pela forma como as pessoas estão a interferir com o ambiente, a troco dos interesses do turismo.
Por exemplo, a praia Conchal, de invulgar beleza, próxima duma reserva natural onde as maiores tartarugas marinhas ainda vêm a terra para desovarem, é devassada por viaturas motorizadas que percorrem o areal, e barcos que deslizam pelas águas, para além da existência de construções a poucos metros da praia.
A própria Reserva da Praia Grande, onde as tartarugas marinhas desovam, está devassada por construções edificadas a poucos metros da praia, para além da existência de loteamentos recentes que promovem futuras construções.

Chegado o dia de partirmos para a Nicarágua, viajámos no carro alugado até à cidade de Liberia, onde o entregámos, depois de percorridos cerca de 1.000 km, desde o início do aluguer.
No mesmo dia, a partir de Liberia, viajámos num autocarro público para a cidade de Granada, já na Nicarágua.

27 novembro 2006

A VIDA É UMA VIAGEM

Quando há alguns meses visitei a Argentina, conheci a
Carolina Reymúndez, jornalista de viagens.

Entretanto, a Carolina escreveu recentemente um artigo publicado pelo jornal diário argentino LA NACION, sobre viagens e viajantes,
no qual me referenciou. Se quiserem ler o artigo citado, sigam o link, http://www.lanacion.com.ar/862020

11 novembro 2006



















Bocas del Toro, Panamá
PANAMÁ – O MODELO AMERICANO DA AMÉRICA LATINA

Chegado à cidade de Panamá, vindo do Peru, rapidamente me apercebo que estou numa área geográfica, e sobretudo humana, diferente.
Aqui, as pessoas têm comportamentos bastante diferentes das que residem nos países da América do Sul que visitei. Neste aspecto, só os habitantes do norte do Brasil têm algumas semelhanças com os “panamenhos”.
As mulheres, independentemente dos seus atributos físicos, ou beleza, fazem questão em ser sensuais, e vaidosas, exibindo-se. Os homens, correspondem aos estímulos femininos, criando-se uma cumplicidade natural.
Menos abonatória, é a característica geral de “moleza” e desleixo para com o trabalho.
Instalado na área comercial da cidade de Panamá, perto de vários casinos, identifico de imediato um dos males da sociedade em que vivemos, e do turismo de massas: prostituição. Jovens mulheres, “panamenhas” (?), oferecem os seus corpos aos que pagam para tal, a qualquer hora, claramente.

A cidade em si, está em transformação acelerada. Nos últimos anos, muitos estrangeiros, sobretudo norte-americanos, foram seduzidos por um conjunto de factores que colocam o Panamá como um dos países mais favoráveis para residência de pessoas idosas, ou simplesmente, quem queira viver noutro país.
Por um lado é o clima tropical, estando o país fora de alcance dos furacões que ciclicamente assolam as áreas vizinhas, as boas infra-estruturas de saúde e, para os norte-americanos, a proximidade com os E.U.A., e o facto da moeda em uso no Panamá ser o dólar norte-americano. Para disfarçar a identidade desta, chamam-lhe “balboa”, mas as notas e moedas que aqui circulam são iguais às utilizadas nos E.U.A.
A juntar a estes factores, acresce o facto do governo panamense ter definido uma estratégia que visa atrair residentes estrangeiros, através dum conjunto de incentivos fiscais e económicos.
Assim, o parque habitacional da cidade de Panamá tem vindo a crescer na proporção do desenvolvimento do mercado de residentes estrangeiros, e sobretudo de acordo com os padrões norte-americanos. Os promotores imobiliários encarregam-se de apresentar e executar edifícios cada vez mais altos, com formas e nomes apelativos para a clientela.
Ao que tudo indica, o sonho destes mecenas do progresso é o de fazer da cidade de Panamá uma réplica de Miami, nos E.U.A.
Do que é a frente marítima da cidade, à parte o lado ocidental que confronta com o Canal de Panamá, só vai escapar à actual onda de renovação urbana a área designada como “Casco Viejo”, onde a cidade foi reconstruída na segunda metade do século XVII, após ter sido saqueada e incendiada por corsários britânicos. Aqui, as construções antigas prevalecem, havendo sinais de reabilitação de muitas delas.
A área de “Casco Viejo”, contrariamente à anterior localização da cidade, revelou-se bastante segura, e nela a cidade cresceu até ao início do século XX, quando se concretizou a abertura do Canal de Panamá, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico.
Esta obra, iniciada por franceses, que haviam construído anteriormente o Canal de Suez, foi por estes abandonada depois de pesadas perdas humanas (mais de 20.000 mortos, devido sobretudo a doenças como a febre amarela e malária), sendo posteriormente retomada e concluída por norte-americanos, em 1914.
Hoje, passam pelo canal cerca de 14.000 navios por ano, sendo as receitas do tráfego vitais para o país. Estrategicamente, a importância do canal é indiscutível, e a população acabou de referendar a execução de obras que visam ampliar a capacidade de circulação de navios por esta via marítima.
No decurso da minha estada na cidade, tive a oportunidade de visitar uma das três áreas de comportas do canal, a de Miraflores, onde os maiores navios passam à justa, a poucos centímetros das margens.

Esta visita foi-me proporcionada por um casal de portugueses que aqui reside, o João Calqueiro e a Maria Helena. Já nos conhecíamos, porque somos vizinhos de S. João do Estoril.
Estes conterrâneos têm vivido em diversos países, devido à carreira profissional do João Calqueiro, concluída há poucos anos, ao serviço duma empresa internacional. Actualmente, depois da reforma, preferem residir no Panamá.
Ainda na cidade de Panamá, visitei o Parque Natural Metropolitano, área de floresta tropical húmida encostada à cidade, qual pulmão verde.
Sobre a natureza e vida animal, o Panamá encontra-se numa das regiões do mundo com maior número de espécies de plantas e animais, pelo que a biodiversidade é riquíssima. Por exemplo, no Panamá estão recenseadas mais de 900 espécies de aves.
Esta visita ao Parque Natural Metropolitano permitiu-me, para além de caminhar, exercício que pratico cada vez com mais prazer, fugir por algumas horas, do bulício urbano, já que esta cidade está desenhada segundo o modelo tradicional das cidades norte-americanas ou seja, para os automóveis e não para os peões.
Quanto ao trânsito automóvel, congestionado, ruidoso e bastante poluente, sobressai o numeroso grupo de autocarros públicos, do modelo utilizado pelos autocarros escolares dos E.U.A., normalmente com pinturas garridas, ao gosto de cada um.
Estes autocarros, importados dos E.U.A., depois de terem servido naquele país para o transporte escolar, conhecidos no Panamá como “diabos vermelhos”, de manutenção duvidosa, são conduzidos por motoristas audazes, o que não inspira confiança.

Feitos os planos necessários para viajar em direcção à Costa Rica, cuja fronteira está a quase 600 km de distância, saio da cidade de Panamá, de autocarro, percorrendo a estrada “interamericana”, a principal via rodoviária longitudinal do Panamá, a qual liga os E.U.A. à região austral da América do Sul (no noroeste da Argentina e na região dos lagos, no Chile, já a tinha percorrido, sendo ali identificada como “panamericana”).
Como estou desejoso para conhecer o litoral desta região, particularmente as praias, faço uma primeira etapa curta, de cerca de 120 km, para chegar ao Hotel Decameron, situado frente ao oceano Pacífico.
Este primeiro destino balnear não é propriamente de meu agrado mas, atendendo às circunstâncias em que estou a viajar, é o mais conveniente. Passo a explicar: habitualmente, o meu modelo de alojamento é o dum pequeno hotel, tranquilo.
Neste caso, o Decameron, tem 600 quartos, e alberga mais de 2.000 hóspedes, no regime de tudo incluído. Com tanta gente, uma boa parte da qual residente no Panamá, a tranquilidade é limitada mas, usufruo da praia, com vários quilómetros de comprimento, de areia cinzenta e águas cálidas, com pouca ondulação.
Para além da praia, o hotel tem amplas áreas de jardim cuidadas, onde prevalecem espécies tropicais como palmeiras de diversas espécies, bananeiras, mangueiras, e muitas outras plantas, algumas das quais com flores coloridas.
Esta experiência serviu para confirmar a minha antipatia por este tipo de alojamento, onde a maioria dos hóspedes se comporta com modos animalescos, comendo e bebendo para além do desejável.
Particularmente, aqui confirmei uma impressão já obtida durante a minha estada na cidade de Panamá, acerca do nível de educação cívica e cultural dos “panamenhos”: a sociedade do Panamá sofre dum défice profundo nestas áreas, provavelmente porque atribui mais importância aos aspectos materiais da vida.
Ao fim de três dias neste circo à beira-mar plantado, sigo viagem até David, capital da província de Chiriqui. Para lá chegar, demoro cerca de seis horas, utilizando três autocarros públicos.
Do percurso, refiro que a estrada é razoável até à cidade de Santiago, para depois piorar significativamente. Quanto às paisagens, são mais interessantes na segunda metade, após Santiago, já que o terreno passa de quase plano a montanhoso, com muita vegetação e alguns rios.
Chegado a David, a cerca de uma hora de viagem da principal fronteira com a Costa Rica, encontro uma cidade pouco desenvolvida e organizada, embora seja a segunda mais populosa do Panamá.
O centro urbano é antiquado e pouco cuidado, assim como o comércio. Visito o mercado municipal, pobre e abandonado. Aqui, reparo que as lojas que vendem flores, só têm flores artificiais. Depois, ao percorrer outras ruas, constato que muitas outras lojas também vendem flores, todas artificiais.
Embora sabendo que estamos próximo do dia de finados, não me parece que tanta flor artificial seja destinada às campas dos defuntos.

Aproveitando a passagem pela província de Chiriqui, visito a região de Boquete, a cerca de uma hora de autocarro a norte de David, nas montanhas da Cordilheira Central, a mais importante do Panamá, e também da Costa Rica.
Boquete é hoje uma região onde residem muitos estrangeiros, sobretudo norte-americanos, atraídos por um baixo custo de vida, paisagens bucólicas e clima ameno. De resto, pareceu-me um local com pouco interesse.

Aqui, decido alterar a minha rota, deixando temporariamente a estrada interamericana, para me dirigir para a costa do Atlântico. O objectivo imediato é o de visitar o arquipélago de Bocas del Toro, situado perto da costa noroeste do país, o qual atrai um número crescente de visitantes, sobretudo pelas características das suas praias.
Em David, apanho um autocarro que me leva até à povoação de Almirante, no litoral Atlântico, em quatro horas. O percurso montanhoso através da Cordilheira Central, é de interesse paisagístico, com vegetação densa. Aqui e ali, passamos por casas isoladas, precárias, normalmente em madeira, construídas sobre estacas.
Já na área litoral, aparecem campos extensos com plantações de bananeiras, a cultura dominante desta região, que se prolongam para lá da fronteira com a Costa Rica. É daqui que viajam as bananas da marca “Chiquita” para o mundo.
Em Almirante, num cais que não inspira confiança, apanho uma lancha rápida que me leva até à ilha de Colón, a maior do arquipélago de Bocas del Toro, em cerca de meia hora.
Do mar, apercebo-me das características da linha da costa, com vegetação densa e extensos mangais, sem areia.
A aproximação à ilha, e à cidade de Bocas del Toro, permite observar a implantação de inúmeras casas sobre o mar, em estacas.
É numa destas construções que me hospedo, no hotel El Limbo. Este tem no piso térreo, sobre o mar, um bar/restaurante agradável, não pelo que lá servem, ou tão pouco pelo serviço (de má qualidade), mas pela localização. Como este hotel tem uma área de acesso “wireless” à Internet, durante a minha estada estive a trabalhar com o meu computador praticamente com os pés dentro de água.
Este arquipélago foi durante muito tempo uma parte do território da empresa bananeira United Fruit Company, até esta ser deslocada para outro local. Nos últimos anos, Bocas del Toro tornou-se popular, tanto para o turismo interno como para estrangeiros, alguns dos quais optaram por aqui residir.
Por enquanto, a oferta hoteleira está limitada a pequenos hotéis, sendo quase todos propriedade de estrangeiros.
Dado o aumento significativo de visitantes ao arquipélago, estão em curso muitos projectos imobiliários, sendo o mais polémico, e provavelmente o maior, o “Red Frog Beach” (ver a crónica seguinte), na ilha Bastimentos. Este, está localizado numa área de dezenas de hectares, à beira duma praia onde tartarugas marinhas desovam regularmente, e vai dispor dum campo de golfe, sendo que esta ilha, e as restantes do arquipélago, tem uma flora bastante densa, e fauna abundante.
Para ter uma melhor ideia do arquipélago, passo um dia a passear de lancha, começando pela baía dos golfinhos, junto ao continente, onde os simpáticos mamíferos são vistos com frequência. No dia em que visitei a baía, vimos alguns exemplares isolados.
Dali partimos para um ponto da ilha Bastimentos, onde existe um restaurante construído sobre o mar, à volta do qual existe algum coral, que pode ser observado com máscaras de mergulho. Tendo já tido a oportunidade de conhecer outros mundos marinhos mais ricos, particularmente nas ilhas Maldivas, este não me entusiasmou.
Dos vários locais visitados neste percurso, o que mais me interessou foi a praia Red Frog, na ilha Bastimentos. Assim, nos dois dias seguintes decidi lá voltar noutras condições.
Viajei numa lancha que transporta diariamente pessoas que vivem e trabalham nas ilhas, pelo que o percurso tem uma animação particular. Depois de várias paragens, em meia hora, chegamos a um ponto do lado ocidental da ilha Bastimentos. Deste, caminho por um trilho cuidado que atravessa a floresta e a ilha transversalmente, observando e escutando a vida animal, até chegar ao lado oposto, em cerca de dez minutos, à praia Red Frog, junto ao único bar que actualmente ali funciona, Flip Flops.
A praia Red Frog tem cerca de 1 km de extensão, areia fina de cor clara, muita vegetação e mar com ondas que me permitem brincar, sem correntes fortes.
De resto, o relativo isolamento desta praia faz com que o número de visitantes seja baixo, o que me permite banhar-me sem a presença doutras pessoas por perto.
Nos dois dias passados nesta praia, contactei com diversas pessoas das quais destaco o Eleutério, garoto de dez anos de idade residente na ilha, que aproveita a presença dos visitantes para promover o animal que deu o nome à praia Red Frog, uma pequena rã de cor vermelha que parece ser exclusiva desta ilha.
Sem que saiba muito a respeito desta espécie animal, apenas posso afirmar que não vi qualquer exemplar em liberdade, embora não me tenha esforçado muito para os encontrar. De facto, quando conheci o Eleutério, no primeiro dia em que visitei a ilha, ele apresentou-me uma das rãs que digamos, estava ao seu cuidado.
Nos dias seguintes, apercebi-me que o Eleutério visita regularmente o bar da praia, com as suas rãs, para as exibir aos visitantes. Alguns destes, depois de apreciarem os animais, pagam pelo acto. O que achei mais curioso, foi o facto do Eleutério entregar voluntariamente os seus ganhos monetários à Mariel, a argentina que gere o bar da praia, em quem confia.
Assim, para que não restem dúvidas, as fotografias que apresento das rãs vermelhas (dois exemplares fotografados) foram tiradas com a colaboração do Eleutério, o amigo das rãs.
Com o desenvolvimento urbanístico previsto para esta e outras áreas da ilha Bastimentos, que vão trazer muito mais gente à ilha, reduzindo as áreas dos habitats que têm sido utilizados pelas espécies animais que ali vivem, temo pela sobrevivência de muitos destes.
Essa mesma preocupação foi-me manifestada por T. J. – Thomas James, ambientalista, dissidente da sociedade norte-americana, que vive no arquipélago há algum tempo.
Encontrei o T.J. num momento de descanso dele, no bar da praia, e em conversa fiquei a saber que a missão que o ocupa naquele local é preparar paisagisticamente um terreno fronteiro à praia, no qual será em breve edificado um projecto urbanístico. Este, de menor escala que o designado Red Frog Beach, e outros anunciados para áreas vizinhas, vão alterar significativamente o ambiente desta pequena ilha.

Na ilha Colón, viajei até ao extremo norte para visitar a área designada como Boca del Drago, por enquanto ainda livre da “febre” imobiliária.
Empreendo um longo passeio à beira-mar, para visitar a praia das estrelas, cujo nome provem da quantidade de estrelas-do-mar que ali vivem.
Lá chego com a ajuda do Aneldo, jovem residente naquela área da ilha, à beira do mar, rodeado por milhares de coqueiros. Com ele descubro a árvore que produz o fruto noni, meu conhecido pelo sumo que consumi nos últimos anos, do qual sou apreciador.
O Aneldo diz-me que ele e os familiares bebem o sumo do noni, natural, quando têm alguns problemas de saúde.
Em Boca del Drago existe um restaurante, Yarisnori, localizado a uns vinte metros do mar, que por si só justifica a deslocação a este lado da ilha.
Simples e acolhedor, em grande parte devido à forma de estar da sua proprietária, Juany, que me contou como há muitos anos o sogro se tornou proprietário das terras daquela extremidade da ilha, e ela e o marido iniciaram a actividade de restauração, com pleno sucesso.
Numa das minhas duas visitas ao Yarisnori, em pleno fim-de-semana de festas pátrias no Panamá, não resisti à tentação de me banquetear com uma lagosta grelhada, petisco que há muito tempo não comia.
Ainda neste canto da ilha, conheci uma instituição de origem norte-americana dedicada à educação ambiental, Instituto para Ecólogia Tropical y Conservación ( http://www.itec-edu.org/ ), ali localizada. O seu director, Peter Lahanas, também se mostrou apreensivo quanto ao desenvolvimento urbanístico da região, e o impacto que este terá na natureza.

Depois de quase uma semana no arquipélago de Bocas del Toro, e um total de vinte dias no Panamá, parto em direcção à Costa Rica.
De lancha rápida, viajo da ilha Colón para Changuinola, povoação situada mais a norte, quase na fronteira com a Costa Rica. Depois de percorrer o lado ocidental da ilha, a lancha entra num longo canal, que mais tarde, observado através do Google Earth, me parece tratar-se do braço dum rio, que segue paralelo à costa até chegarmos a Changuinola, ao fim de uma hora de viagem, quase sempre debaixo de chuva.
Em Changuinola, na companhia de três jovens norte-americanos, sigo para a fronteira de táxi. A estrada que percorremos é de má qualidade, condizendo com a fronteira que vamos cruzar. Na verdade, não me lembro de outra fronteira que tenha atravessado, com tão más condições para os viajantes.
Imaginem o percurso, a partir do momento em chegámos à localidade de Guabito, no lado do Panamá: saindo do carro que nos transportou, subimos uma escada até chegarmos a um local onde se encontram as autoridades do Panamá, para o controlo de saída do país.
Entretanto, analiso as possibilidades de recorrer à ajuda de alguém para me levar a mala, com cerca de 30 kg, o que me custaria quatro euros, pelo que recuso a ajuda.
Despachado das formalidades alfandegárias do Panamá, iniciamos o trajecto em direcção à Costa Rica, a pé, atravessando uma ponte sobre o rio Sixaola, com cerca de 300 metros de comprimento. A travessia da ponte é penosa, não tanto pela sua extensão mas, porque o piso daquela está degradado, sendo constituído por traves de madeira, irregulares. Para além do mais, a ponte é estreita, e por ela circulam não apenas as pessoas a pé, mas também todas as viaturas que cruzam a fronteira. A juntar a estas condições acresce o facto do calor ser intenso, com uma percentagem de humidade relativa próxima dos 100%.
Chegados ao lado da Costa Rica, à povoação de Sixaola, cumprimos as formalidades alfandegárias de entrada no país, após o que decidimos alugar um táxi para nos transportar até Puerto Viejo, localizado algumas dezenas de quilómetros a norte, na costa.

O resto fica para a próxima crónica, sobre a minha visita à Costa Rica, país que há muitos anos desejo conhecer.
Esta parte da viagem terá algumas diferenças relativamente às etapas anteriores, até porque dentro de alguns dias irei ter companhia para viajar. De facto, a Dina, amiga portuguesa, decidiu viajar até à Costa Rica, para em conjunto percorrermos a região, desde San José, capital da Costa Rica, até Manágua, capital da Nicarágua.

05 novembro 2006












O nome da Praia Red Frog é devido a esta espécie de rã, que parece existir exclusivamente na ilha de Bastimentos.
Estas rãs, de pequenas dimensões, podem ter o seu habitat ameaçado pela expansão da presença humana na ilha onde vivem.

04 novembro 2006














Praia Red Frog, ilha Bastimentos, arquipélago de Bocas del Toro, Panamá: vista quase total, a partir da extremidade sul.














A ponta sul da praia Red Frog tem como apêndices alguns ilhéus.














Bar Flip Flops, o único actualmente existente na praia Red Frog.
De notar os bancos suspensos, como baloiços.

03 novembro 2006

PRAIA RED FROG

Não me esqueci do compromisso de relatar as minhas experiências de viagem. Desde que cheguei ao Panamá, há já quase três semanas, que tenho estado empenhado em descobrir uma praia à minha medida, e a meu gosto.
Esta semana, encontrei-a. É a praia Red Frog, situada na ilha de Bastimentos, no arquipélago de Bocas del Toro, localizado no noroeste do Panamá.

Na próxima semana, conto publicar a minha crónica sobre o Panamá, na qual relatarei tudo o que de importante tenho visto e vivido neste país.
Até lá, mostro-lhes algumas fotografias tiradas hoje, na praia Red Frog, num dia glorioso de praia.
Se quiserem saber mais sobre este recanto do mundo, poderão observar um sítio na Internet duma empresa promotora imobiliária que está neste momento a construir um empreendimento polémico neste local, com o nome Red Frog Beach (http://www.redfrogbeach.com/).

P.S. - Devido a problemas técnicos, não pude publicar hoje as fotografias da praia. Espero poder fazê-lo amanhã, depois do regresso da praia.

22 outubro 2006



















Machu Picchu: local deslumbrante,
símbolo da civilização Inca e do turismo no Peru.

21 outubro 2006

PERU – ENCRUZILHADA DE CULTURAS

Chego a Lima de madrugada, cansado, e a caminho do hotel apercebo-me da existência de muitos casinos nesta grande metrópole da América do Sul, mais uma a caminho de dez milhões de habitantes.
Mais tarde, confirmo a grande quantidade de casinos instalados em Lima, assim como o trânsito caótico, agravado pelo facto dos condutores locais usarem a buzina do automóvel sem limites.
De resto, Lima sofre de males idênticos a muitas outras grandes metrópoles, como por exemplo a insegurança. Depois do Brasil, reencontro uma cidade fortificada, onde as pessoas vivem prisioneiras dos seus medos.
Por uma vez, não fico instalado no centro da cidade, simplesmente porque é … perigoso.

A minha visita ao Peru não foi preparada como eu gosto, sendo fruto duma decisão tardia. Por isso, recorri aos serviços duma agência de viagens local, para planear a minha estada no país.
Em Lima, fico instalado num hotel na área de Miraflores, uma das que se encontra à beira do oceano Pacifico. Aliás, convém referir que na América do Sul, Lima é a única capital dum país que se encontra na costa.
Miraflores é uma das poucas áreas urbanas que apresenta uma imagem agradável, pelo que aqui se concentra hoje a maioria dos hotéis frequentados por estrangeiros. Apercebo-me da grande quantidade destes e dum fenómeno que não é comum noutros países: praticamente todos os visitantes que estão em Lima, ou irão a Machu Picchu, ou estão de regresso desse local.
Indiscutivelmente, Machu Picchu é a grande atracção do Peru, mesmo que este país tenha muitos outros atractivos para cativar os visitantes.

A minha estada em Lima é curta, e pouco vejo da cidade. Vou ao centro numa viagem de grupo, para não correr riscos desnecessários.
Esta curta visita permite-me descobrir a Plaza Mayor, amplo espaço urbano rodeado por edifícios de arquitectura colonial, nos quais sobressaem as varandas em madeira trabalhada, de influência espanhola.
No centro da praça, existe uma fonte com estátuas. Naturalmente, a fonte jorra água, excepto no dia 26 de Julho, dia nacional do pisco sour, quando esta popular bebida é oferecida através da fonte da Plaza Mayor.
De resto, é evidente a presença da polícia, em quantidade e com aparato, aparentemente porque estava prevista uma manifestação.
Os poucos dias passados em Lima permitiram-me descobrir a gastronomia do país, que foi para mim uma revelação.
A gastronomia peruana apresenta-se variada e criativa e tem no ceviche, o seu maior símbolo. Este consiste em peixe cru, marinado em limão, que é normalmente servido acompanhado por cebola e algas, para além de milho e batata-doce.
De resto, em ocasião posterior, em Cusco, tive oportunidade de provar uma outra iguaria local, o “cuy”, que em português creio chamar-se porco da indía (lembro-me quando era criança de ser apreciado, como animal de estimação).
Na região de Cusco, o “cuy” é muito apreciado, sobretudo assado no forno, mas não me satisfez.
Pelo contrário, a carne de alpaca é bastante saborosa, sendo frequente nos cardápios dos restaurantes das regiões andinas.

Finalmente, depois de ter organizado o meu programa de viagem, saio de Lima em direcção a Cusco, por avião.
No prazo de uma hora, passo do nível do mar para uma altura de 3.400 metros, tal é a localização de Cusco, em plena cordilheira dos Andes.
Naturalmente, o meu corpo ressente-se desta súbita mudança, notando a respiração mais difícil, e uma ligeira dor de cabeça, para além de cansaço anormal perante qualquer esforço físico.
Assim, no primeiro dia, descanso mais do que é habitual, e no dia seguinte já me sinto quase normal.
A cidade de Cusco é fascinante por ser uma encruzilhada de culturas. O local é habitado há muitos séculos, tendo por aqui passado várias culturas, sendo as mais conhecidas a inca e a espanhola, que hoje definem a imagem de Cusco.
Embora a arquitectura do período colonial espanhol seja dominante, culturalmente a cidade, e sobretudo a região, são um hino à civilização Inca, a qual foi aniquilada pelos espanhóis no século XVI.
A civilização Inca reinou numa grande região ocidental da América do Sul, cujos limites correspondem ao que é hoje o Equador a norte, e a Argentina e o Chile a sul.
A capital do império Inca foi estabelecida em Cusco, a partir de onde os altos representantes exerciam o poder. Quando na primeira metade do século XVI os primeiros espanhóis chegaram a Cusco, rapidamente se aperceberam da imensa riqueza material dos Incas, sobretudo em ouro e prata (para os incas, o ouro representava o suor do sol, e a prata as lágrimas da lua).
Depois, foi o que a história nos conta. Os incas foram subjugados e exterminados pelos colonos espanhóis, de forma cruel. Pior ainda, o património do império inca, e a cultura Quechua (a língua falada pelos seus cidadãos) foram destruídos ou espoliados pelos espanhóis, de forma ultrajante.
Este aspecto está visível em Cusco, onde igrejas e palácios do poder colonial espanhol, e da igreja católica, foram edificados sobre edifícios notáveis do período inca, depois destes terem sido saqueados e destruídos total ou parcialmente.
Uma vergonha, que me faz solidário desta e de muitas outras culturas exterminadas por outras, em prol de valores religiosos e/ou económicos.
De resto, a cidade de Cusco é caracterizada pela arquitectura colonial de características espanholas, com casas ornadas com belas varandas.

A região de Cusco, por ter sido o epicentro do império Inca, está repleta de locais arqueológicos daquele período e anteriores.
Alguns dos mais significativos encontram-se no Vale Sagrado, ao longo do rio Urubamba (um dos muitos afluentes do rio Amazonas, que nasce no Peru).
A designação de Vale Sagrado, atribuída pelos incas, deve-se à grande fertilidade dos terrenos agrícolas da região. As principais culturas do vale são o milho e batatas. De cada uma destas espécies cultivam-se muitas variedades.
Em dois dias, visito esta região, regressando a Cusco para pernoitar. Na primeira, aluguei um carro com motorista, para percorrer uma parte do vale a meu bel-prazer, e na segunda fiz parte dum grupo de turistas numa visita guiada.
No Vale Sagrado, a povoação mais visitada pelos turistas é Pisac. Esta encontra-se a cerca de meia hora de carro de Cusco, e oferece a maior feira de artesanato da região, para além duma área onde habitantes da região comercializam produtos agrícolas, instalada no centro da povoação, com maior movimento nos domingos, já que nesse dia se realiza uma missa na igreja principal que é celebrada em Quechua, sendo presenciada por indígenas, muitos dos quais comparecem com os seus trajes regionais coloridos, e também por turistas curiosos, embora nalguns casos a curiosidade exceda os limites da decência ética.
No centro de Pisac, na Plaza de Armas, para além dos restaurantes tradicionais sobressai uma casa colorida, que dá pelo nome de “Ulrike’s Café”, que oferece comida para o corpo e para a alma. O nome provem da proprietária alemã, Ulrike, há muito aqui radicada.
A curta distancia, acima da povoação actual, situam-se as ruínas da cidade inca de Pisac, num local extraordinário, de difícil acesso.
Aqui, tenho a oportunidade de apreciar de perto, pela primeira vez a mestria das construções urbanas incas. Nelas, impera o rigor do planeamento, conjugando-se as vertentes da construção do casario, com o fornecimento de água proveniente dos cumes montanhosos, através de redes de canais esculpidos na rocha, que demonstram conhecimentos sólidos de engenharia hidráulica, e a convivência com os terrenos agrícolas, magistralmente instalados em terraços, que permitem trabalhar a terra com maior facilidade e rendimento, para além de consolidar as extensas e íngremes encostas das montanhas.
Algumas dezenas de quilómetros para ocidente situa-se a povoação de Ollantaytambo, outro exemplo maior da arquitectura inca.
Aqui, a qualidade do trabalho de pedra utilizada nas construções é absolutamente notável. Os incas construíam as casas em pedra, neste caso de granito, como se trabalhassem com puzzles tridimensionais. Ou seja, uma pedra que tenha mais de dez ângulos (o que não é raro) encaixa noutras que se ajustam exactamente aos ângulos da vizinha. Para além disso, as pedras têm pedaços salientes ou escavados que funcionam como macho/fêmea, os quais garantem encaixes sólidos. Quanto ao acabamento, passando as mãos pelas pedras, elas apresentam-se lisas.
O que impressiona mais neste trabalho é que, as pedras utilizadas são muitas vezes de grandes dimensões, como em Ollantaytambo, onde num templo foram montadas com perfeição pedras com vários metros de altura, cujo peso unitário está avaliado entre 50 a 60 toneladas. Estas estão intactas, tendo resistido a vários terramotos posteriores à sua construção, para além da fúria destruidora dos espanhóis.
A oriente de Pisac, numa área elevada duma montanha, encontram-se as ruínas da cidade de Tipón, com uma infra-estrutura notável de canais de distribuição de água.
Para além destas antigas localidades incas, no Vale Sagrado destaco ainda a povoação de Chinchero, pela rica tradição dos trabalhos têxteis produzidos pelas mulheres locais, e comercializados pelas próprias, na praça fronteira à igreja.

Finalmente, parto para Machu Picchu. A viagem é feita de comboio, demorando cerca de quatro horas.
As opções de viajar de comboio, de Cusco para Machu Picchu, são várias: os residentes têm à sua disposição um comboio, interdito aos estrangeiros.
Para os estrangeiros, existem três comboios, com níveis de conforto diferentes, sendo o “Back Packer” o de nível inferior, e é neste que eu viajo.
A partida de Cusco é feita de manhã cedo, e os primeiros quilómetros da viagem são penosos para o comboio, já que temos que subir para ultrapassar as montanhas que rodeiam Cusco.
Vencidas estas, o percurso é descendente, em direcção ao Vale Sagrado. Percorrendo este, estamos rodeados por campos agrícolas, rios e montanhas, com alguma neve nos cumes mais elevados.
Com cerca de metade do caminho percorrido, chegamos a Ollantaytambo, para uma curta paragem. Passada esta localidade, o vale torna-se mais estreito, havendo praticamente espaço para a linha férrea e o rio Urubamba, que nesta área tem um curso tormentoso, já que o seu leito está repleto de rochas que se despenham das encostas íngremes das montanhas que acompanham o vale.
Apercebo-me da mudança da vegetação que anteriormente era de explorações agrícolas, e que agora passa a ser de selva, que à medida que avançamos se torna mais densa.
Nesta segunda metade da viagem, o comboio faz três curtas paragens, apenas para a saída de alguns passageiros, que farão o resto do percurso a pé, através do chamado Caminho Inca, que liga o Vale Sagrado a Machu Picchu.
Este Caminho Inca é extremamente popular entre os estrangeiros que visitam Machu Picchu, e pode ser feito em três versões, com graus de dificuldade variáveis. O mais longo, com 33 km de extensão, demora normalmente quatro dias, durante os quais os caminhantes dormem em acampamentos improvisados. Nesta versão, o segundo dia é o mais penoso, sobretudo pela subida até aos 4.200 metros de altura.
A segunda versão mais longa é de dois dias, e a mais curta de cerca de sete horas.
Em qualquer das alternativas, o caminho tem que ser feito com a companhia de guias locais, e as autoridades peruanas restringem o acesso a um máximo de 500 caminhantes por dia.
No comboio em que viajei, para a versão de quatro dias, saiu do comboio um grupo de quatro mulheres europeias, todas elas aparentando ter mais de 50 anos de idade.
À chegada a Aguas Calientes sigo de imediato para Machu Picchu, na companhia de um grupo, conduzido por um guia.

Aguas Calientes, cujo nome se deve ao facto de na área existirem fontes de águas termais quentes, é uma povoação surrealista. Está situada numa área natural de rara beleza mas, tendo sido edificada após a “descoberta” das ruínas da cidade Inca de Machu Picchu, em 1911, é um exemplo da incapacidade que o Peru de hoje tem em honrar o passado glorioso dos seus antepassados incas.
Quem vem a Aguas Calientes, vem para visitar Machu Picchu, localizada a cerca de 8 km de distância. A primeira é uma localidade atrofiada entre montanhas escarpadas, o rio Urubamba e um seu afluente, e a linha ferroviária, único meio de acesso motorizado a esta área.
Praticamente todas as casas comerciais de Aguas Calientes se destinam a servir os visitantes que por cá passam, sendo as habituais lojas de artesanato, restaurantes e hotéis.
De resto, a principal rua da cidade é partilhada por peões e pela linha ferroviária, onde várias vezes ao dia passam comboios. É nesta rua que se encontra o hotel onde pernoito.
Uma noite, depois de ter jantado, num bom restaurante (Índio Feliz) com uma cozinha de influência francesa, justificada pela nacionalidade do seu proprietário, passei pela Praça central, onde dezenas de crianças brincavam alegremente, como se fosse de dia. A maior parte das lojas estava aberta, já que durante o dia, a maioria dos visitantes está em Machu Picchu.
Ao chegar à rua do meu hotel, deparei-me com um comício eleitoral, já que em breve, irão decorrer eleições para as autarquias, pelo que começou a caça ao voto. Acerquei-me, e observei que alguns simpatizantes do candidato que se manifestava, ofereciam comida e cerveja aos assistentes. Entretanto, uma banda de música, contratada para o efeito, alegrava o ambiente, o que acontece até ao momento em que escrevo estas linhas, já próximo da meia-noite.
Passado pouco tempo, através do sistema de som, os assistentes foram avisados para saírem da rua, onde se encontra a linha-férrea, já que estava para chegar o comboio proveniente de Ollantaytambo. Este chegou, e dele saíram centenas de passageiros, indígenas e turistas, directamente para a rua.
O comício prosseguiu, a banda continuou a sua actuação, e eu fiquei do lado errado da rua, para chegar ao hotel, pelo que esperei que o comboio saísse da rua.

Machu Picchu, a cidade inca edificada no século XV, está situada a 2.400 metros de altura, 300 mais que Aguas Calientes, o que faz com que a estrada que as une seja íngreme e sinuosa. O percurso é feito exclusivamente por autocarros que transportam os visitantes.
Ao longo da ascensão apercebo-me da riqueza da flora da região. Para além das árvores que cobrem todo o terreno, identifico bromélias e orquídeas nalgumas das árvores.
Chegado pela primeira vez a Machu Picchu, apesar de já ter visto muitas imagens do local, a minha reacção é de deslumbramento.
A localização desta cidade inca numa plataforma duma das muitas montanhas que aqui existem, é espantosa. O que mais me impressionou, na primeira observação, foi o espectáculo grandioso de estar numa cidade que se encontra circundada por montanhas, algumas das quais mais altas que aquela em que se encontra.
A intervenção humana, que deu origem à construção de Machu Picchu foi simultaneamente épica e respeitadora do ambiente, pelo que se sente uma grande harmonia entre a área construída e a natureza.
A cidade foi edificada com pedra granítica, a 2.400 metros de altura, presumindo-se pelo número de casas, que aqui viveram cerca de 500 pessoas.
Algumas das ruas de Machu Picchu são percorridas por canais que conduzem a água, proveniente do cume da montanha, que servia as necessidades da população.
Anexos à área urbana existem os característicos terraços nos quais os incas produziam os bens agrícolas para consumo próprio, para além de consolidarem o terreno das íngremes encostas.
Tudo foi feito com um sentido notável de harmonia, que infelizmente não tem nada a ver com as actuais urbes do Peru.
O conhecimento desta cidade inca, nunca descoberta pelos espanhóis, e por isso deixada intacta, deve-se a um historiador norte-americano, Hiram Bingham, que em 1911 aqui chegou.
Na altura, Hiram Bingham procurava a cidade de Vilcabamba, a última a ser habitada pelos incas, antes de serem totalmente derrotados pelos espanhóis.
Por indicação dum indígena, Hiram Bingham subiu a montanha no cimo da qual descobriu Machu Picchu, onde na altura residiam duas famílias.

Nos dias em que estive em Machu Picchu, a cidade inca foi visitada por cerca de 1.500 pessoas por dia, o que significa que durante uma boa parte das horas em que podemos estar no interior da cidade, das 6 às 17 horas, estamos acompanhados por muitas outras pessoas.
No meu caso, apreciei particularmente o período da tarde, depois da saída das pessoas que invariavelmente regressavam a Cusco.
Já com poucos visitantes, refugiava-me na parte ocidental de Machu Picchu, perto do acesso à trilha que leva à ponte inca. Ali, para além de me deleitar com a vista, meditei, comovi-me e sonhei. Ali expressei votos para todos os que me são queridos.

A minha estada em Machu Picchu foi também marcada, uma vez mais, por encontros com pessoas interessantes.
De entre aquelas que pude conhecer, com interesse, refiro dois casos: a Patrícia, norte-americana, pessoa sensível e culta, que caminhou de forma determinada por todos os trilhos que encontrou em Machu Picchu, para além de lá ter chegado também a pé, pelo famoso Caminho Inca, na versão longa.
Por educação, não lhe perguntei a idade mas, penso que a Patrícia tem idade para ser minha mãe.
O outro caso humano que destaco, é o dum grupo de mexicanos que encontrei ao percorrer Machu Picchu, com trajes brancos, sendo que nas costas da camisola que vestiam estava escrito “todos somos um”.
Foi o bastante para me despertarem a atenção, acabando por estabelecer contacto com membros deste grupo através da Jenny, a quem observei através da máquina fotográfica, numa ocasião em que ela meditava.
O objectivo deste grupo de mexicanos, ao viajar para Machu Picchu, foi o de exercitarem as suas filosofias de vida espiritual, pelo que tiveram uma experiência distinta da maioria dos visitantes.

A vista clássica de Machu Picchu apresenta em fundo um pico montanhoso mais elevado, com cerca de 2.700 metros de altura, chamado Huayna Picchu.
Visitando Machu Picchu, as pessoas que desejem podem subir ao topo do Huayna Picchu, para o que têm que se registar num local de acesso ao trilho. De resto, este percurso é limitado a um máximo de 400 pessoas por dia.
No meu segundo dia em Machu Picchu, decidi visitar o Huayna Picchu. Fi-lo na companhia do Carlos, argentino de Mendoza, com quem partilhei alguns bons momentos nesta área do Peru, e também da Patrícia, esposa do Carlos, que indisposta naquele dia, não nos pôde acompanhar.
De antemão sabíamos que o passeio seria fisicamente exigente já que, teríamos que vencer um desnível de cerca de 300 metros, com um grau de inclinação elevado.
A subida começa com alguma suavidade mas, à medida que vamos avançando, torna-se mais difícil. Felizmente, quase todo o percurso está definido por degraus de pedra, com cabos de aço a servir de corrimão.
Sem pressas, cheguei ao topo, literalmente, em cerca de uma hora, tendo o Carlos demorado menos tempo que eu. Depois de descansar no ponto mais alto, empreendemos a descida, com as necessárias cautelas.
Chegados ao ponto de partida, demorei quase três horas a fazer o percurso completo, e estava exausto.
Este exercício só é recomendável para quem esteja em boa forma física, e aprecie o género, para além de não ter vertigens.
As vistas que se podem observar, de vários pontos da escalada, quer de Machu Picchu quer das montanhas circundantes, são espectaculares.

Como nota final sobre Machu Picchu, para quem lá possa ir, recomendo muita atenção a minúsculos mosquitos que lá vivem, e que picam que se fartam quem por lá anda. São picadas indolores, de mosquitos silenciosos mas que, dão direito a uma semana de muita comichão. Julgo que estes mosquitos são parentes dos que no Brasil, são chamados de “borrachudos”.

Ao terceiro dia, regressei a Cusco, pelo mesmo meio de transporte ou seja, de comboio.
No dia seguinte, de autocarro, viajo para sul, em direcção ao Lago Titicaca.
Esta viagem demora cerca de oito horas, tendo várias paragens, em locais de interesse nomeadamente, a povoação de Raqchi, onde se encontram importantes ruínas do período Inca, e onde as mulheres usam vistosos e coloridos trajes.
Mais tarde, passamos o ponto mais alto deste percurso, superior a 4.000 metros, em La Raya.
As paisagens são muito interessantes, com a conjugação de rios, vales cultivados e montanhas. Depois de La Raya, percorremos o planalto andino, com escassa vegetação, até chegarmos a uma cidade aberrante, Juliaca, onde impera o caos urbano. Quase todos os edifícios da cidade têm uma cobertura plana, na qual sobressaem cabos de ferro, das estruturas, para uma eventual ampliação em altura.
Juliaca tem fama de ser uma cidade de actividades económicas de contrabando, pela proximidade com a Bolívia. Pelas múltiplas indústrias ali instaladas, chamam-lhe a “Pequena Taiwan”.
Enquanto o autocarro percorre as ruas desta caricatura urbana, observo uma infinidade de letreiros comerciais, com todo o tipo de ofertas, algumas estranhas, como esta: exame de saúde mental para uso de armas.
Nas ruas de Juliaca circulam milhares de triciclos (bicicleta e motorizados), que garantem o transporte de passageiros na cidade.
Casualmente, no mesmo autocarro viajou também a Paola, um dos membros do grupo mexicano de Machu Picchu, que ficou no Peru por mais alguns dias.
Chegados a Puno, à beira do Lago Titicaca, constatamos que também não se trata de local acolhedor mas, o que nos trouxe aqui foi apenas a oportunidade de visitarmos o lago mais alto do mundo (3.820 metros de altura) que é navegável por navios de grande calado, e o maior acima de 2.000 metros de altura (cerca de 170 km de comprimento e 60 km de largura). O Lago Titicaca pertence maioritariamente ao Peru, e também à Bolívia.
Assim, o dia seguinte é passado no lago, havendo uma oferta vasta de pequenas embarcações (cada uma transporta cerca de 20 passageiros) que passeiam os visitantes, sobretudo para visitar as famosas ilhas flutuantes, únicas no mundo.
Estas são construídas pelos Uros, uma das etnias regionais, de modo engenhoso, utilizando uma planta que cresce em abundância nas áreas pouco profundas do lago, totora.
Estas ilhas são mantidas mediante o trabalho de colocação de novas camadas de totora sobre as anteriores, para garantir a segurança do pavimento, já que com o contacto com a água, as camadas mais antigas (inferiores) apodrecem.
Para além de ser utilizada para a construção das ilhas, a totora é também utilizada para as casas, e a alimentação.
Ao pormos o pé numa destas ilhas, temos uma sensação estranha, já que o chão não é rígido, mas sim flexível.
Os habitantes destes frágeis ecossistemas são extremamente amáveis, e estão hoje demasiado familiarizados com os visitantes. Digo isto porque, senti que quase tudo o que nos é proporcionado nestas pequenas ilhas tem em vista satisfazer os interesses dos turistas. Por exemplo, ao despedirmo-nos dos ilhéus, fomos brindados com cantos, por um coro de mulheres e crianças, não só na língua local (aymara, de origem pré-inca), mas também em inglês.
Tive ainda oportunidade de visitar uma das poucas ilhas não flutuantes do lago, a de Taquile. Esta, a mais povoada do lado peruano, inicialmente por presidiários, com cerca de 2.000 habitantes, tem tradições únicas, que levaram a UNESCO a inclui-la, já este ano, no grupo dos locais considerados como património cultural da humanidade.
Para além dos trajes dos habitantes, que são únicos e bastante elaborados, os homens dedicam-se, entre outras tarefas, a bordar peças de lã para uso próprio. As mulheres por sua vez, tratam de fiar a lã.

Novo dia, novo destino. Viajo de autocarro para Arequipa, última região da minha visita ao Peru.
Hoje, 9 de Outubro, completo 50 anos de vida. Uma boa parte do dia é passado num autocarro que viaja por uma estrada medíocre e sinuosa, que percorre terras planálticas, áridas, descendo depois para Arequipa.
Esta é a segunda maior cidade do Peru, e o seu centro histórico é também considerado património da humanidade. Arequipa está situada quase á sombra de três vulcões com mais de 5.000 metros de altura, o que faz pensar que, quando um dia algum destes vulcões ressurgir, a cidade pode muito bem desaparecer.
Arequipa é chamada a cidade branca, porque muita da pedra utilizada para as construções da cidade, sillar, é de cor clara, quase branca.
Ao abordar a cidade pela primeira vez, fico impressionado pela enorme quantidade de pequenos táxis que circulam pelas ruas de Arequipa. Percentualmente, representam bem mais que 50% de todos os automóveis da cidade.
Naturalmente, sendo uma cidade marcada pelo período colonial espanhol, o seu centro é definido pela Plaza de Armas, quadrangular, com um dos lados totalmente ocupado pela catedral, e os restantes três por edifícios uniformes, de dois pisos, com belas e amplas galerias definidas por arcos.
No meio da praça, o jardim, com arvoredo cuidado, e com muita animação, como é habitual nestes locais. Num passeio pela praça encontrei, para além dos que igualmente passeavam, agentes da policia, centenas de pombos, alimentados pelos locais, vendedoras de alimento para os pombos e outros vendedores ambulantes, como vendedores de serviços telefónicos, com telemóveis presos por correntes metálicas aos pulsos, que alugam os telefones, para aqueles que ainda não têm o seu próprio telefone, fotógrafos (cerca de 20) que retratam aqueles que querem ter uma fotografia tirada na praça, com a catedral em fundo, e um mensageiro de uma qualquer crença religiosa, que impingia promessas divinas em voz alta, a quem ali estava.
À volta da Plaza de Armas, quase todo o comércio é dedicado aos turistas. Aqui, refiro a oferta descomunal de artesanato que no Peru é apresentada aos turistas.
Dos países do mundo que conheço, só encontro paralelo em Marrocos.
No Peru, em qualquer lugar onde um turista possa passar, por mais recondido que seja, há alguém, normalmente mulher, acompanhada por crianças, que vende artesanato.
De todos os países até agora visitados, de longe, o Peru é o país que tem as melhores ofertas de artesanato. Destaco a incrível variedade de peças elaboradas em lã, particularmente de alpaca, com preços muito acessíveis.
Quanto à qualidade, encontram-se todos os níveis. A lã mais rara, a mais fina do mundo, é a da vicunha, espécie pouco abundante e de baixa produção de lã, e por isso a mais cara. Um cachecol em lã de vicunha, duma marca credenciada, vale cerca de 500 €.

Quanto a museus, Arequipa alberga um museu dedicado aos sacrifícios humanos do período Inca, o Museu Santuários Andinos.
Este foi edificado com base nas descobertas efectuadas há cerca de onze anos atrás, numa montanha da região, mediante a colaboração de arqueólogos peruanos e um norte-americano.
O museu contém objectos diversos encontrados nos túmulos, e uma múmia, de uma jovem, que foi entretanto baptizada como Juanita.
Embora interessante, recordo que em Salta, na Argentina, visitei um outro museu dedicado ao mesmo tema, o Museu de Arqueologia de Alta Montanha – MAAM, que tem um nível superior ao deste, de Arequipa.
Outro local monumental de referência é o Mosteiro de Santa Catalina, edificado a partir do século XVI, no qual viveram mulheres espanholas privilegiadas, já que se faziam acompanhar por criados.
Neste mosteiro, que funciona como convento, chegaram a habitar 450 pessoas, número hoje reduzido a cerca de 30.
O vasto conjunto arquitectónico é bastante interessante, ocupando todo um quarteirão da cidade, inteiramente murado. Das duas cores dominantes dos edifícios, uma é um azul-cobalto, que me faz lembrar, por ser praticamente igual, um tom de azul que o pintor francês Jacques Majorelle criou em Marraquexe, onde residiu no século XX, e que é ali conhecido como o azul “Majorelle”. Sendo o azul de Arequipa mais antigo que o de Marraquexe, julgo que a semelhança é mera coincidência.

A região de Arequipa é conhecida não apenas pela cidade capital, mas também pelas belezas naturais, nomeadamente por dois desfiladeiros que, são os dois mais profundos do planeta.
Estes são os desfiladeiros do Colca e Cotahuasi, este último o mais profundo, com cerca de 3.300 metros de profundidade. Mas, o Cañon del Cothauasi (como é designado em castelhano) é de difícil acesso, pelo que me contentei em visitar o Cañon del Colca, que tem quase 3.200 metros de profundidade máxima.
Para lá chegar, viajo num pequeno autocarro, na companhia doutros visitantes, alguns dos quais peruanos. A viagem, até à entrada do desfiladeiro, de cerca de 3 horas, excluindo paragens, percorre os planaltos andinos, com vegetação rasteira que serve de pasto aos maiores rebanhos de alpacas, lamas e vicunhas que encontrei até hoje. Apenas os guanacos, a espécie mais escassa, se mantêm invisíveis.
Neste percurso, passamos um cume montanhoso, Patapampa, a quase 5.000 metros de altura, o que constitui o meu recorde. Mesmo aqui, vislumbram-se montanhas ainda mais altas, com os cumes cobertos de neve.
A partir deste ponto, a estrada desce vertiginosamente, mais de 1.000 metros, até ao vale onde começa o desfiladeiro do Colca (nome do rio responsável pelo desenho do mesmo), onde se encontra a povoação de Chivay.

O meu destino por duas noites, nesta região, é o Colca Lodge (www.colca-lodge.com), hotel situado à beira do rio, isolado de qualquer povoação.
Para além de ser um hotel com um nível de conforto e serviço acima da média, o principal atractivo, pelo menos para mim, é o de ter piscinas de águas termais quentes, exclusivas para os seus hóspedes. Melhor ainda, estas são exteriores, ao lado do rio.
Como a temperatura diurna do ar era relativamente quente, ligeiramente acima dos 20º centigrados, preferi aguardar pelo fim da tarde para me banhar nas piscinas, cuja temperatura da água variava entre os 35º e os 40º, para além daquela onde a água proveniente da fonte se concentra, com a temperatura de 80º, a partir da qual é distribuída pelas outras através de canais abertos no pavimento de rocha natural.
Não sei se é fácil de imaginar mas, a sensação de estar numa piscina escavada na rocha, com água quente, a poucos metros de distância dum rio, ouvindo as águas a correr, entre as encostas escarpadas das margens, observando o cair da noite, vendo as estrelas a despontarem no céu, límpido como só nos locais mais isolados se consegue ver, é de prazer absoluto.
Este prazer, no meu caso, foi acrescido pelo facto de ter podido estar só nalguns períodos.
De resto, a estada neste local serviu também para descansar, para além duma longa caminhada, na companhia dum guia local, profundo conhecedor da região, que caminhava sobre o terreno acidentado como eu não consigo, e de duas irmãs peruanas, Carmen e Fausty, e o filho duma delas. Neste percurso, visitámos as ruínas duma povoação abandonada, acima da qual se encontra uma cascata, cuja água provem das neves acumuladas nos cumes mais elevados. Da cascata, a água é engenhosamente distribuída pelas encostas, através duma rede de canais laboriosamente construídos ao longo de séculos.
O benefício da água transportada pelos canais faz-se sentir nos campos agrícolas distribuídos em terraços, nas encostas, até ao nível do rio Colca.
Segundo o guia deste passeio, uma vez por ano, no mês de Julho, as populações da área, beneficiárias da água proveniente das montanhas, sobem até à cascata, em romaria, para então procederem à limpeza dos canais, afim de garantirem o bom funcionamento dos mesmos.
Esta operação demora vários dias, durante os quais as mulheres cozinham, os homens procedem à limpeza dos canais, e todos bebem muita “chicha”, bebida alcoólica obtida pela fermentação de milho, consumida ancestralmente no Peru.

No dia de regresso a Arequipa, de manhã cedo, percorremos cerca de 40 km do desfiladeiro, por uma estrada de terra no lado nascente do rio, até chegarmos a um ponto chamado “Cruz del Condor”, onde supostamente existem alguns condores, aves necrófagas, emblemáticas da cordilheira dos Andes.
A verdade é que, na presença de centenas de pessoas excitadas, pela expectativa de poderem ver uma espécie rara, e por falta de bom senso, os condores, se é que ainda ali vivem, não compareceram à chamada, desiludindo as expectativas de muitos dos visitantes.
A promessa não cumprida de observação dos condores, por razões a que estes são alheios, acrescida do sacrifício de percorrer um mau caminho, para ali chegarmos, não invalida que o passeio não seja interessante.
As paisagens da encosta oposta àquela em que percorremos o desfiladeiro, e das montanhas ainda mais altas que estão para lá das que se afundam no rio, com os cumes cobertos de neve (é num destes cumes que, tem inicio o … Rio Amazonas), o precipício que constitui o desfiladeiro, são de suspender a respiração.
Apesar de tudo, este passeio ao longo do desfiladeiro do Colca apenas nos permitiu observá-lo até à profundidade de cerca de 1.200 metros, menos de metade da sua profundidade máxima.

Após um curto período em Arequipa, viajo de avião para Lima, onde pernoito, para viajar de novo, para o Panamá.
A viagem de Lima para a cidade de Panamá permite-me ainda observar, pela última vez, a extraordinária cordilheira dos Andes, que visitei ao longo de milhares de quilómetros, em três dos cinco países visitados na América do Sul.
A norte de Lima, a rota do avião, paralela à costa, acompanha a chamada Cordilheira Branca, um espectacular maciço montanhoso com cerca de 180 km de extensão, com mais de cinquenta picos acima dos 5.700 metros, entre eles o Huascarán, com 6768 metros, a montanha mais alta do Peru, e a mais alta de todas as montanhas do planeta, em regiões tropicais.
O nome desta cordilheira é justificado pelo facto dos cumes se apresentarem cobertos de neve.

Com a estada de 21 dias no Peru completo a viagem de cerca de quatro meses e meio pela América do Sul.
Agora segue-se a América Central, na qual deverei percorrer o Panamá, Costa Rica e Nicarágua.
Para já, na América Central, aproveitando o clima tropical e as condições naturais, vou procurar praias a meu gosto.

27 setembro 2006

O SUL (POSSIVEL) DO CHILE

De avião saio de Santiago para sul, a caminho de Puerto Montt, capital da 10ª região do Chile (o país está dividido em 13 regiões, identificadas no sentido norte-sul), também conhecida como a região dos lagos.
São cerca de 1.000 km de distância entre a capital do país e Puerto Montt.
Depois de levantar voo em Santiago, o avião faz uma rota paralela à costa, vendo-se à esquerda uma longa parede de montanhas, da cordilheira dos Andes, cujos cumes estão cobertos de neve.
O avião faz duas escalas, nas cidades de Concepción e Temudo.
Chegado a Puerto Montt, à beira do oceano Pacífico, dirijo-me de imediato para Puerto Varas, pequena cidade localizada a cerca de meia hora a norte de Puerto Montt, que será a minha base nesta região.

Fico alojado numa casa de turismo de habitação, Guest House, propriedade de uma norte-americana que aqui reside há muitos anos.
Trata-se de um casarão em madeira, ao estilo da região, com boas condições de conforto e, apesar de estarmos no período das Festas “Patrias”, durante vários dias sou o único hóspede da casa.
Para além dos quartos para aluguer, a Guest House dispõe de uma sala onde se pratica ioga.
A cidade de Puerto Varas é suficientemente pequena para poder ser visitada a pé, o que faço.
O casario da cidade espraia-se numa colina ligeiramente inclinada sobre o Lago Llanquihue (pronuncia-se djanquiué), o maior lago situado integralmente no território do Chile, com uma superfície de 870 km quadrados.
Este lago, com mais de 300 metros de profundidade, para além de ter diversos aglomerados urbanos nas suas imediações, e duas montanhas vulcânicas, Osorno e Calbuco, é um local onde se procede à produção de salmões, na fase juvenil, após o que são transportados para o mar, a poucas dezenas de quilómetros de distancia.
De referir que, a produção de salmão é hoje a actividade económica mais importante da região, e uma das mais importantes do país, sendo o Chile um dos dois maiores produtores de salmão do mundo, juntamente com a Noruega.

A vida em Puerto Varas é marcada pelo turismo, já que a região detém belezas naturais que atraem muitos visitantes.
Para surpresa minha, à parte o elevado número de chilenos que aqui estão de visita, devido ao período das Festas “Patrias”, o maior contingente de visitantes estrangeiros é o dos brasileiros.
Acerca das Festas “Patrias”, apercebo-me que no Chile existe um sentimento patriótico muito forte, sendo utilizados inúmeros meios para enaltecer o espírito nacional.
Durante este período, também se promove a música tradicional chilena, através de espectáculos públicos e na rádio.
Pelo que pude observar, o estilo musical da época é parecido com aquilo a que chamamos folclore, e uma das danças mais populares tem o nome curioso de, “cueca”.
Também eu me sinto atraído pelas belezas naturais da região, pelo que me organizo de modo a poder visitar algumas.
Excepcionalmente, opto por contratar os serviços de uma agência de turismo para fazer alguns passeios.
Começo por visitar o Parque Nacional Vicente Perez Rosales (PNVPR), situado a oriente do Lago Llanquihué, ocupando uma área enorme, até à fronteira com a Argentina.
Viajo de autocarro ao longo da margem sul do lago, até que a estrada passa entre os dois vulcões que se destacam na paisagem deste lago, os Osorno e Calbuco. Ambos com mais de 2.000 metros de altura, distam um do outro apenas alguns quilómetros (à vista desarmada, parecem ser uns 5 km).
O vulcão Osorno é o mais atraente, já que a montanha parece um cone perfeito.
No entanto, o Cabulco é considerado o vulcão mais perigoso da região, tendo tido a sua última erupção em 1961. Esta ocorreu pouco depois de um violento terramoto, com a intensidade de 9,5º na escala de Richter, que abalou a região, em 1960.
Quanto a vulcões, no Chile existem mais de 2.000, não havendo neste momento, que eu saiba, qualquer um em risco de erupção.
A entrada no PNVPR faz-se pouco depois de deixarmos o lago, tornando-se a vegetação bastante densa, com o aparecimento das florestas.
Pouco depois, paramos para visitar os Saltos de Petrohué, com o vulcão Osorno em fundo, conjunto de pequenas cascatas e rápidos no rio Petrohué, que nesta altura do ano, com o início do degelo das montanhas envolventes, tem um forte caudal.
Esta área pode ser visitada através de vários trilhos abertos na floresta, e é bastante atraente. O rio pode também ser percorrido em barco, na modalidade de “rafting”, o que eu não faço.
Noutro dia, voltei sozinho a este local para poder desfrutar da beleza natural, caminhando pelos trilhos sem estar condicionado pelo tempo.
Num dos trilhos, encontrei um grupo de três jovens, com os quais estabeleci contacto. O Antonio reside na região, e a Nora e o Fernando residem em Santiago, e vieram passar este fim-de-semana largo nesta região.
A Nora, colombiana, e o Fernando, chileno, conheceram-se há poucos anos na … Nova Zelândia, onde ambos viveram durante algum tempo.
O Fernando, geólogo, estava particularmente fascinado com este local, moldado pelos vulcões circundantes mas, todos apreciámos o passeio.
Ao final do dia, tivemos que deixar o parque, que entretanto já tinha encerrado, e apanhei uma boleia dos novos amigos, já que àquela hora não teria qualquer transporte público.

Voltando à primeira visita, saindo deste local, percorremos mais alguns quilómetros até chegar a um outro lago, “Todos Los Santos”, também conhecido como Lago Esmeralda, devido à cor da água.
Neste ponto, Petrohué, embarcamos num catamarã que nos transporta até ao extremo oposto do lago, numa viagem de encanto, que dura aproximadamente uma hora e quarenta e cinco minutos.
As paisagens ao longo da viagem de barco são absolutamente deslumbrantes, com montanhas a bordejarem o lago, e margens escarpadas, com vegetação densa. Aqui e ali, muito espaçadas, algumas casas denunciam a sorte de alguns que aqui têm um refúgio. Dizem-me que na totalidade do parque existem apenas 180 propriedades privadas, muitas das quais habitadas por trabalhadores do próprio parque.
No início da viagem de barco, o vulcão Osorno acompanha-nos do lado esquerdo do navio, e logo a seguir aparece o vulcão Pontiagudo, também do mesmo lado.
Neste lago existem algumas pequenas ilhas, uma das quais é propriedade da família dos fundadores de uma empresa que, desde há quase cem anos explora esta rota que liga o Chile à Argentina. Esta passagem entre os dois países chama-se “Cruce de Lagos”, já que o percurso passa por três lagos, fisicamente separados, todos percorridos de barco.
Na ilha atrás referida, encontram-se sepultados os fundadores da empresa que ainda detém o uso exclusivo deste percurso, e quando os barcos passam frente à ilha, soa a sirene dos mesmos, como homenagem aos pioneiros ali sepultados.
Um dos pontos altos da viagem de ida, é uma aproximação do barco a uma cascata que se despenha de uma ravina, com dezenas de metros de altura. O navio avança em direcção à parede de rocha, ao longo da qual a água da cascata cai, e só pára a poucos metros de distância.
À chegada a Peulla, no extremo oposto a Petrohué, temos tempo para almoçar num dos dois hotéis que existem naquele local, onde alguns dos passageiros também pernoitam. Outros seguem no próprio dia para a Argentina, completando a travessia.
No meu caso, regresso a Puerto Varas, fazendo o mesmo percurso da ida, em sentido contrário, com o mesmo encanto.

O meu segundo passeio nesta região leva-me à ilha de Chiloé, a sul da cidade de Puerto Montt. Esta é a segunda maior ilha da América do Sul, com quase 200 km de comprimento.
Como todas as ilhas, é detentora de características que a distinguem da área continental, da qual está bastante próxima.
Segundo apurei, a Patagónia chilena começa aqui, a sul de Puerto Montt, o que também confere algumas características distintivas a esta região.
De Chiloé, apenas visito a área norte, percorrendo estradas que penetram em espaços rurais, com paisagens bucólicas.
Numa área remota do norte da ilha, que me fez lembrar paisagens da Nova Zelândia, encontra-se a praia Brava, ao largo da qual existem uns ilhéus rochosos, Puñihuil, que são habitados, por espécies animais como aves marinhas, e também pinguins (de Magalhães e Humboldt).
Os pinguins começam a chegar em Agosto, aqui ficando até ao final do Verão austral.
Apesar do frio, enchi-me de coragem e entrei num barco de borracha, não sem antes vestir umas calças com botas de borracha, para me proteger da água gelada. A visita é feita com um guia de uma Fundação que supervisiona a vida destas colónias de animais.
Segundo ele, no pico da estação dos pinguins, chegam a estar nos ilhéus cerca de 4.000 animais. Nesta altura, apenas estavam algumas dezenas, para além dum grupo de lobos-marinhos.

O passeio seguinte é feito à cidade de Puerto Montt, capital da região, porto marítimo dedicado maioritariamente à indústria pesqueira.
Embora os limites da região conhecida como da Patagónia não sejam precisos, há algum consenso relativamente à descrição de que o limite norte da Patagónia chilena se encontra na linha de Puerto Montt. Se observarmos o mapa do Chile, verificamos que é a partir deste ponto que a massa continental se fragmenta a ocidente, em múltiplas ilhas.
A cidade de Puerto Montt é desinteressante, tendo apenas no mercado de peixe e marisco, de Angelmó, um pólo de interesse para os visitantes.
Neste local, à beira-mar, convivem pescadores, lojas de peixe e marisco, e restaurantes. A quantidade e variedade de produtos do mar à venda são impressionantes, sobretudo de moluscos.
Num dos pontos de venda, falei com a Marta (mãe) e a Alexandra (filha), que vendem peixe e marisco, como todos os outros vizinhos. O que nelas me chamou a atenção, foi o facto da Alexandra comer frequentemente marisco cru, com sumo de limão, à medida que o arranjava para exposição.
No decurso da nossa conversa, também eu acabei por comer alguns exemplares, ouvindo as amáveis anfitriãs dizer que aqueles têm propriedades afrodisíacas.
Estas ficaram por confirmar!
O lago Llanquihué, imenso, tem várias povoações implantadas nas suas margens. À parte Puerto Varas, a maior, aquela que parece ser a mais atraente é Frutillar, situada a ocidente da primeira.
Visito então Frutillar, tranquila e orgulhosa das suas raízes germânicas. De facto, quando o Chile investiu no desenvolvimento do sul do seu território, no final do século XIX, optou por convidar europeus, particularmente alemães, para se estabelecerem nestas regiões.
A verdade é que, ainda hoje a cultura germânica é valorizada, sendo frequentes referências toponímicas, arquitectónicas, gastronómicas e até, ouvir chilenos, de ascendência germânica, a falarem alemão.
Em Frutillar, estas referências são mais evidentes que noutras localidades, e quase todas as casas têm letreiros que denunciam o passado europeu.
Por exemplo, todos os restaurantes e cafés da localidade oferecem bolos enormes, segundo a tradição alemã.
De resto, Frutillar tem uma vocação musical que se expressa num festival anual, entre os meses de Janeiro e Fevereiro, e num edifício inacabado, o Teatro do Lago, implantado sobre as águas do lago.
Sendo um projecto privado, pareceu-me sobredimensionado para a região, e excessivamente caro para os recursos financeiros disponíveis.

Desde que aqui cheguei que tento organizar uma visita a um local especial, o Parque Pumalín ( http://www.pumalinpark.org/ ), situado a cerca de 100 km para sul de Puerto Varas.
Pela distância, parece fácil lá chegar, mas não é.
Nesta época do ano, a “Carretera Austral”, que se dirige para sul, não pode ser percorrida na totalidade, porque há um percurso que sendo feito de barco, este só funciona no Verão.
Como alternativas, restam-me um barco de carga que liga Puerto Montt a Chaitén, viagem que demora cerca de doze horas, e um pequeno avião que faz o mesmo percurso em pouco mais de uma hora.
Com o fim-de-semana prolongado no Chile, durante quatro dias tentei em vão contactar as empresas que asseguram os meios de transporte acima referidos.
Com as estruturas do parque, consegui comunicar mas, percebi que não têm vocação para atender visitantes, pelo menos nesta época do ano.
Quando finalmente obtive todas as informações necessárias, podendo efectuar a viagem, as condições meteorológicas pioraram e, por uma questão de comodismo, decidi não fazer esta deslocação.
A propósito de condições meteorológicas, convém referir que nesta região o nível de pluviosidade é superior a 3.000 mm de água por ano, chovendo em média durante cerca de 60% dos dias do ano.
Por contraste, no norte do Chile, o deserto de Atacama, uma região planáltica, é considerado o local mais seco do planeta, havendo pontos desta região onde não há registo de alguma vez ter chovido.
O que torna o Parque Pumalín especial, para além dos seus atributos de santuário da natureza, é o facto de ser uma propriedade privada, sendo hoje o maior parque natural privado do mundo, com mais de 300.000 hectares de superfície.
Este projecto, polémico no Chile, é da autoria e propriedade de um norte-americano, Douglas Tompkins, que decidiu fazer o investimento necessário para salvaguardar as condições naturais desta região remota do Chile.
Ao que me dizem, nas imediações deste parque, no território argentino, existe um outro projecto análogo, mais recente, propriedade da família italiana Benetton.

Como alternativa, decido passar os quatro últimos dias que tenho reservados para o Chile, no Parque Nacional Puyehue, situado cerca de 100 km a norte de Puerto Varas.
Alugo um carro, e saio de Puerto Varas debaixo de chuva. Com pouca visibilidade, não posso apreciar como gostaria as paisagens verdejantes que ladeiam a estrada. Depois de contornar o Lago Llanquihue por ocidente, dirijo-me ao Lago Rupanco, após o qual atinjo o Lago Puyehue. Percorro a estrada que o contorna a sul, e entro no Parque Puyehue, conhecido sobretudo pelas águas termais que possui.
Escolho o melhor hotel da área, das Termas de Puyehue ( http://www.puyehue.cl/ ), caro para o meu orçamento mas, não resisto à tentação de proporcionar ao meu corpo uma experiência diferente. A empresa proprietária deste hotel tem, em dois locais distintos do parque, piscinas com águas termais quentes, provenientes de fontes locais.
No hotel onde fico, existe um excelente complexo de piscinas, exteriores e interiores. A piscina interior maior, a única que uso, tem a água à temperatura de 38º centígrados. Para além desta, no mesmo espaço, existem duas pequenas piscinas, uma com água a 41º e a outra com água fria. Também existe uma grande piscina exterior com água quente, para além de outras mais pequenas, que não utilizo, porque a temperatura do ar não é convidativa a banhos ao ar livre.
Noutro local do parque, em Águas Calientes, existe um outro complexo de piscinas, alimentado por outra fonte natural, com a particularidade da piscina exterior estar ao lado dum rio, cuja água, nesta época do ano, está a uma temperatura pouco superior a 0º.
Esta piscina é alimentada a partir dum tanque anexo, onde a água está à temperatura de 75º, e ao ser lançada na piscina, baixa para cerca de 40º. Algumas pessoas utilizam esta piscina, intervalando com mergulhos rápidos no rio. Brrrr, que frio!
À parte a utilização da piscina interior do hotel, e uma massagem, o meu programa consistiu em longos passeios pelo parque, sobretudo em trilhos desenhados para o efeito.
De referir que no Chile os parques nacionais são geridos por uma instituição pública chamada CONAF ( http://www.conaf.cl/ ). Esta possui uma estrutura que parece evoluída, havendo nos parques que visitei instalações condignas, quer para quem nelas trabalha, quer para o público.
Aqui neste parque, visitei dois dos centros de acolhimento de visitantes, sendo que num deles, Águas Calientes, a minha visita coincidiu com a dum grupo de raparigas de uma escola de Santiago, que estavam de visita à região. Acompanhei parte da visita, podendo testemunhar a validade das informações prestadas pelo guarda-florestal, aqui chamados de guarda-parque, que proporcionou não apenas informações respeitantes ao parque em que estamos, mas também uma aula de sensibilização acerca dos comportamentos a ter nos contactos com a natureza.
Noutro local, Anticura, tive uma agradabilíssima conversa com o guarda-florestal José António, o qual expôs os seus pontos de vista acerca de múltiplos aspectos ambientais.
Quanto aos passeios que fiz, só por si, justificaram o esforço para aqui vir.
Este parque está na cordilheira dos Andes, cujas montanhas mais altas aqui estão entre os 2.000 e os 3.000 metros de altura, fazendo fronteira com a Argentina, que por sua vez, na mesma área tem um outro parque muito maior que o chileno.
O terreno tem uma vegetação densa, com florestas de árvores de grande porte. Sendo o clima aqui muito húmido, os percursos pedestres são feitos no meio de um ambiente eminentemente verde, dos mais variados tons.
A humidade é tal que, cada tronco de árvore é como que um jardim em miniatura, com inúmeras plantas parasitas, desde fetos a musgo. Quanto a fetos, existem de tamanhos diversos, tendo os maiores vários metros de altura.
Estes fazem-me lembrar os da Nova Zelândia que, creio ser o país do mundo que tem no seu território a maior variedade de fetos.
Aliás, pela memória que tenho das paisagens neozelandesas (foi há doze anos que visitei aquele país), e porque esta região do Chile tem um clima semelhante ao da Nova Zelândia, fico com a impressão de ser este o local que conheço mais semelhante em termos paisagísticos ao da minha terra desejada.
Durante três dias, percorro vários trilhos identificados no Parque Puyehue, caminhando várias horas por dia. Os passeios são quase sempre acompanhados pelo som de água a correr, proveniente de vários rios e ribeiros que atravessam o parque, e que nesta época levam muita água. Para além do som e da vista da água a correr, deparo-me com várias cascatas.
Surpreendentemente, quase todos os passeios que fiz permitiram-me estar a sós com a natureza, não havendo mais ninguém ao alcance da vista. Situação rara e admirável.
A excepção foi a área de Antillanca, conhecida sobretudo por nela estar instalado um centro de esqui. Este está a 1.200 metros de altura, rodeado por encostas montanhosas cobertas de neve.

Chegado o momento de deixar este paraíso, regresso de carro a Puerto Montt, para voar para Santiago, e daqui para Lima, no Peru, numa maratona de 17 horas.
Assim, completo a estada de 19 dias no Chile.
Depois de quase quatro meses a viajar para sul, inverto o sentido, e estou agora a dirigir-me para norte.

Nota: terão notado a ausência de fotografias anexas às crónicas que estou a publicar. Tal deve-se a alguma dificuldade em dispor de tempo para fazer tudo.
Também, depois de ter passado bastante tempo na Argentina e no Brasil, agora deverei estar menos tempo em cada país, até chegar à Nova Zelândia.
Assim, continuarei a publicar as melhores fotografias de cada país visitado, facultando-lhes o link para que possam vê-las, fora do blog.