27 setembro 2006

O SUL (POSSIVEL) DO CHILE

De avião saio de Santiago para sul, a caminho de Puerto Montt, capital da 10ª região do Chile (o país está dividido em 13 regiões, identificadas no sentido norte-sul), também conhecida como a região dos lagos.
São cerca de 1.000 km de distância entre a capital do país e Puerto Montt.
Depois de levantar voo em Santiago, o avião faz uma rota paralela à costa, vendo-se à esquerda uma longa parede de montanhas, da cordilheira dos Andes, cujos cumes estão cobertos de neve.
O avião faz duas escalas, nas cidades de Concepción e Temudo.
Chegado a Puerto Montt, à beira do oceano Pacífico, dirijo-me de imediato para Puerto Varas, pequena cidade localizada a cerca de meia hora a norte de Puerto Montt, que será a minha base nesta região.

Fico alojado numa casa de turismo de habitação, Guest House, propriedade de uma norte-americana que aqui reside há muitos anos.
Trata-se de um casarão em madeira, ao estilo da região, com boas condições de conforto e, apesar de estarmos no período das Festas “Patrias”, durante vários dias sou o único hóspede da casa.
Para além dos quartos para aluguer, a Guest House dispõe de uma sala onde se pratica ioga.
A cidade de Puerto Varas é suficientemente pequena para poder ser visitada a pé, o que faço.
O casario da cidade espraia-se numa colina ligeiramente inclinada sobre o Lago Llanquihue (pronuncia-se djanquiué), o maior lago situado integralmente no território do Chile, com uma superfície de 870 km quadrados.
Este lago, com mais de 300 metros de profundidade, para além de ter diversos aglomerados urbanos nas suas imediações, e duas montanhas vulcânicas, Osorno e Calbuco, é um local onde se procede à produção de salmões, na fase juvenil, após o que são transportados para o mar, a poucas dezenas de quilómetros de distancia.
De referir que, a produção de salmão é hoje a actividade económica mais importante da região, e uma das mais importantes do país, sendo o Chile um dos dois maiores produtores de salmão do mundo, juntamente com a Noruega.

A vida em Puerto Varas é marcada pelo turismo, já que a região detém belezas naturais que atraem muitos visitantes.
Para surpresa minha, à parte o elevado número de chilenos que aqui estão de visita, devido ao período das Festas “Patrias”, o maior contingente de visitantes estrangeiros é o dos brasileiros.
Acerca das Festas “Patrias”, apercebo-me que no Chile existe um sentimento patriótico muito forte, sendo utilizados inúmeros meios para enaltecer o espírito nacional.
Durante este período, também se promove a música tradicional chilena, através de espectáculos públicos e na rádio.
Pelo que pude observar, o estilo musical da época é parecido com aquilo a que chamamos folclore, e uma das danças mais populares tem o nome curioso de, “cueca”.
Também eu me sinto atraído pelas belezas naturais da região, pelo que me organizo de modo a poder visitar algumas.
Excepcionalmente, opto por contratar os serviços de uma agência de turismo para fazer alguns passeios.
Começo por visitar o Parque Nacional Vicente Perez Rosales (PNVPR), situado a oriente do Lago Llanquihué, ocupando uma área enorme, até à fronteira com a Argentina.
Viajo de autocarro ao longo da margem sul do lago, até que a estrada passa entre os dois vulcões que se destacam na paisagem deste lago, os Osorno e Calbuco. Ambos com mais de 2.000 metros de altura, distam um do outro apenas alguns quilómetros (à vista desarmada, parecem ser uns 5 km).
O vulcão Osorno é o mais atraente, já que a montanha parece um cone perfeito.
No entanto, o Cabulco é considerado o vulcão mais perigoso da região, tendo tido a sua última erupção em 1961. Esta ocorreu pouco depois de um violento terramoto, com a intensidade de 9,5º na escala de Richter, que abalou a região, em 1960.
Quanto a vulcões, no Chile existem mais de 2.000, não havendo neste momento, que eu saiba, qualquer um em risco de erupção.
A entrada no PNVPR faz-se pouco depois de deixarmos o lago, tornando-se a vegetação bastante densa, com o aparecimento das florestas.
Pouco depois, paramos para visitar os Saltos de Petrohué, com o vulcão Osorno em fundo, conjunto de pequenas cascatas e rápidos no rio Petrohué, que nesta altura do ano, com o início do degelo das montanhas envolventes, tem um forte caudal.
Esta área pode ser visitada através de vários trilhos abertos na floresta, e é bastante atraente. O rio pode também ser percorrido em barco, na modalidade de “rafting”, o que eu não faço.
Noutro dia, voltei sozinho a este local para poder desfrutar da beleza natural, caminhando pelos trilhos sem estar condicionado pelo tempo.
Num dos trilhos, encontrei um grupo de três jovens, com os quais estabeleci contacto. O Antonio reside na região, e a Nora e o Fernando residem em Santiago, e vieram passar este fim-de-semana largo nesta região.
A Nora, colombiana, e o Fernando, chileno, conheceram-se há poucos anos na … Nova Zelândia, onde ambos viveram durante algum tempo.
O Fernando, geólogo, estava particularmente fascinado com este local, moldado pelos vulcões circundantes mas, todos apreciámos o passeio.
Ao final do dia, tivemos que deixar o parque, que entretanto já tinha encerrado, e apanhei uma boleia dos novos amigos, já que àquela hora não teria qualquer transporte público.

Voltando à primeira visita, saindo deste local, percorremos mais alguns quilómetros até chegar a um outro lago, “Todos Los Santos”, também conhecido como Lago Esmeralda, devido à cor da água.
Neste ponto, Petrohué, embarcamos num catamarã que nos transporta até ao extremo oposto do lago, numa viagem de encanto, que dura aproximadamente uma hora e quarenta e cinco minutos.
As paisagens ao longo da viagem de barco são absolutamente deslumbrantes, com montanhas a bordejarem o lago, e margens escarpadas, com vegetação densa. Aqui e ali, muito espaçadas, algumas casas denunciam a sorte de alguns que aqui têm um refúgio. Dizem-me que na totalidade do parque existem apenas 180 propriedades privadas, muitas das quais habitadas por trabalhadores do próprio parque.
No início da viagem de barco, o vulcão Osorno acompanha-nos do lado esquerdo do navio, e logo a seguir aparece o vulcão Pontiagudo, também do mesmo lado.
Neste lago existem algumas pequenas ilhas, uma das quais é propriedade da família dos fundadores de uma empresa que, desde há quase cem anos explora esta rota que liga o Chile à Argentina. Esta passagem entre os dois países chama-se “Cruce de Lagos”, já que o percurso passa por três lagos, fisicamente separados, todos percorridos de barco.
Na ilha atrás referida, encontram-se sepultados os fundadores da empresa que ainda detém o uso exclusivo deste percurso, e quando os barcos passam frente à ilha, soa a sirene dos mesmos, como homenagem aos pioneiros ali sepultados.
Um dos pontos altos da viagem de ida, é uma aproximação do barco a uma cascata que se despenha de uma ravina, com dezenas de metros de altura. O navio avança em direcção à parede de rocha, ao longo da qual a água da cascata cai, e só pára a poucos metros de distância.
À chegada a Peulla, no extremo oposto a Petrohué, temos tempo para almoçar num dos dois hotéis que existem naquele local, onde alguns dos passageiros também pernoitam. Outros seguem no próprio dia para a Argentina, completando a travessia.
No meu caso, regresso a Puerto Varas, fazendo o mesmo percurso da ida, em sentido contrário, com o mesmo encanto.

O meu segundo passeio nesta região leva-me à ilha de Chiloé, a sul da cidade de Puerto Montt. Esta é a segunda maior ilha da América do Sul, com quase 200 km de comprimento.
Como todas as ilhas, é detentora de características que a distinguem da área continental, da qual está bastante próxima.
Segundo apurei, a Patagónia chilena começa aqui, a sul de Puerto Montt, o que também confere algumas características distintivas a esta região.
De Chiloé, apenas visito a área norte, percorrendo estradas que penetram em espaços rurais, com paisagens bucólicas.
Numa área remota do norte da ilha, que me fez lembrar paisagens da Nova Zelândia, encontra-se a praia Brava, ao largo da qual existem uns ilhéus rochosos, Puñihuil, que são habitados, por espécies animais como aves marinhas, e também pinguins (de Magalhães e Humboldt).
Os pinguins começam a chegar em Agosto, aqui ficando até ao final do Verão austral.
Apesar do frio, enchi-me de coragem e entrei num barco de borracha, não sem antes vestir umas calças com botas de borracha, para me proteger da água gelada. A visita é feita com um guia de uma Fundação que supervisiona a vida destas colónias de animais.
Segundo ele, no pico da estação dos pinguins, chegam a estar nos ilhéus cerca de 4.000 animais. Nesta altura, apenas estavam algumas dezenas, para além dum grupo de lobos-marinhos.

O passeio seguinte é feito à cidade de Puerto Montt, capital da região, porto marítimo dedicado maioritariamente à indústria pesqueira.
Embora os limites da região conhecida como da Patagónia não sejam precisos, há algum consenso relativamente à descrição de que o limite norte da Patagónia chilena se encontra na linha de Puerto Montt. Se observarmos o mapa do Chile, verificamos que é a partir deste ponto que a massa continental se fragmenta a ocidente, em múltiplas ilhas.
A cidade de Puerto Montt é desinteressante, tendo apenas no mercado de peixe e marisco, de Angelmó, um pólo de interesse para os visitantes.
Neste local, à beira-mar, convivem pescadores, lojas de peixe e marisco, e restaurantes. A quantidade e variedade de produtos do mar à venda são impressionantes, sobretudo de moluscos.
Num dos pontos de venda, falei com a Marta (mãe) e a Alexandra (filha), que vendem peixe e marisco, como todos os outros vizinhos. O que nelas me chamou a atenção, foi o facto da Alexandra comer frequentemente marisco cru, com sumo de limão, à medida que o arranjava para exposição.
No decurso da nossa conversa, também eu acabei por comer alguns exemplares, ouvindo as amáveis anfitriãs dizer que aqueles têm propriedades afrodisíacas.
Estas ficaram por confirmar!
O lago Llanquihué, imenso, tem várias povoações implantadas nas suas margens. À parte Puerto Varas, a maior, aquela que parece ser a mais atraente é Frutillar, situada a ocidente da primeira.
Visito então Frutillar, tranquila e orgulhosa das suas raízes germânicas. De facto, quando o Chile investiu no desenvolvimento do sul do seu território, no final do século XIX, optou por convidar europeus, particularmente alemães, para se estabelecerem nestas regiões.
A verdade é que, ainda hoje a cultura germânica é valorizada, sendo frequentes referências toponímicas, arquitectónicas, gastronómicas e até, ouvir chilenos, de ascendência germânica, a falarem alemão.
Em Frutillar, estas referências são mais evidentes que noutras localidades, e quase todas as casas têm letreiros que denunciam o passado europeu.
Por exemplo, todos os restaurantes e cafés da localidade oferecem bolos enormes, segundo a tradição alemã.
De resto, Frutillar tem uma vocação musical que se expressa num festival anual, entre os meses de Janeiro e Fevereiro, e num edifício inacabado, o Teatro do Lago, implantado sobre as águas do lago.
Sendo um projecto privado, pareceu-me sobredimensionado para a região, e excessivamente caro para os recursos financeiros disponíveis.

Desde que aqui cheguei que tento organizar uma visita a um local especial, o Parque Pumalín ( http://www.pumalinpark.org/ ), situado a cerca de 100 km para sul de Puerto Varas.
Pela distância, parece fácil lá chegar, mas não é.
Nesta época do ano, a “Carretera Austral”, que se dirige para sul, não pode ser percorrida na totalidade, porque há um percurso que sendo feito de barco, este só funciona no Verão.
Como alternativas, restam-me um barco de carga que liga Puerto Montt a Chaitén, viagem que demora cerca de doze horas, e um pequeno avião que faz o mesmo percurso em pouco mais de uma hora.
Com o fim-de-semana prolongado no Chile, durante quatro dias tentei em vão contactar as empresas que asseguram os meios de transporte acima referidos.
Com as estruturas do parque, consegui comunicar mas, percebi que não têm vocação para atender visitantes, pelo menos nesta época do ano.
Quando finalmente obtive todas as informações necessárias, podendo efectuar a viagem, as condições meteorológicas pioraram e, por uma questão de comodismo, decidi não fazer esta deslocação.
A propósito de condições meteorológicas, convém referir que nesta região o nível de pluviosidade é superior a 3.000 mm de água por ano, chovendo em média durante cerca de 60% dos dias do ano.
Por contraste, no norte do Chile, o deserto de Atacama, uma região planáltica, é considerado o local mais seco do planeta, havendo pontos desta região onde não há registo de alguma vez ter chovido.
O que torna o Parque Pumalín especial, para além dos seus atributos de santuário da natureza, é o facto de ser uma propriedade privada, sendo hoje o maior parque natural privado do mundo, com mais de 300.000 hectares de superfície.
Este projecto, polémico no Chile, é da autoria e propriedade de um norte-americano, Douglas Tompkins, que decidiu fazer o investimento necessário para salvaguardar as condições naturais desta região remota do Chile.
Ao que me dizem, nas imediações deste parque, no território argentino, existe um outro projecto análogo, mais recente, propriedade da família italiana Benetton.

Como alternativa, decido passar os quatro últimos dias que tenho reservados para o Chile, no Parque Nacional Puyehue, situado cerca de 100 km a norte de Puerto Varas.
Alugo um carro, e saio de Puerto Varas debaixo de chuva. Com pouca visibilidade, não posso apreciar como gostaria as paisagens verdejantes que ladeiam a estrada. Depois de contornar o Lago Llanquihue por ocidente, dirijo-me ao Lago Rupanco, após o qual atinjo o Lago Puyehue. Percorro a estrada que o contorna a sul, e entro no Parque Puyehue, conhecido sobretudo pelas águas termais que possui.
Escolho o melhor hotel da área, das Termas de Puyehue ( http://www.puyehue.cl/ ), caro para o meu orçamento mas, não resisto à tentação de proporcionar ao meu corpo uma experiência diferente. A empresa proprietária deste hotel tem, em dois locais distintos do parque, piscinas com águas termais quentes, provenientes de fontes locais.
No hotel onde fico, existe um excelente complexo de piscinas, exteriores e interiores. A piscina interior maior, a única que uso, tem a água à temperatura de 38º centígrados. Para além desta, no mesmo espaço, existem duas pequenas piscinas, uma com água a 41º e a outra com água fria. Também existe uma grande piscina exterior com água quente, para além de outras mais pequenas, que não utilizo, porque a temperatura do ar não é convidativa a banhos ao ar livre.
Noutro local do parque, em Águas Calientes, existe um outro complexo de piscinas, alimentado por outra fonte natural, com a particularidade da piscina exterior estar ao lado dum rio, cuja água, nesta época do ano, está a uma temperatura pouco superior a 0º.
Esta piscina é alimentada a partir dum tanque anexo, onde a água está à temperatura de 75º, e ao ser lançada na piscina, baixa para cerca de 40º. Algumas pessoas utilizam esta piscina, intervalando com mergulhos rápidos no rio. Brrrr, que frio!
À parte a utilização da piscina interior do hotel, e uma massagem, o meu programa consistiu em longos passeios pelo parque, sobretudo em trilhos desenhados para o efeito.
De referir que no Chile os parques nacionais são geridos por uma instituição pública chamada CONAF ( http://www.conaf.cl/ ). Esta possui uma estrutura que parece evoluída, havendo nos parques que visitei instalações condignas, quer para quem nelas trabalha, quer para o público.
Aqui neste parque, visitei dois dos centros de acolhimento de visitantes, sendo que num deles, Águas Calientes, a minha visita coincidiu com a dum grupo de raparigas de uma escola de Santiago, que estavam de visita à região. Acompanhei parte da visita, podendo testemunhar a validade das informações prestadas pelo guarda-florestal, aqui chamados de guarda-parque, que proporcionou não apenas informações respeitantes ao parque em que estamos, mas também uma aula de sensibilização acerca dos comportamentos a ter nos contactos com a natureza.
Noutro local, Anticura, tive uma agradabilíssima conversa com o guarda-florestal José António, o qual expôs os seus pontos de vista acerca de múltiplos aspectos ambientais.
Quanto aos passeios que fiz, só por si, justificaram o esforço para aqui vir.
Este parque está na cordilheira dos Andes, cujas montanhas mais altas aqui estão entre os 2.000 e os 3.000 metros de altura, fazendo fronteira com a Argentina, que por sua vez, na mesma área tem um outro parque muito maior que o chileno.
O terreno tem uma vegetação densa, com florestas de árvores de grande porte. Sendo o clima aqui muito húmido, os percursos pedestres são feitos no meio de um ambiente eminentemente verde, dos mais variados tons.
A humidade é tal que, cada tronco de árvore é como que um jardim em miniatura, com inúmeras plantas parasitas, desde fetos a musgo. Quanto a fetos, existem de tamanhos diversos, tendo os maiores vários metros de altura.
Estes fazem-me lembrar os da Nova Zelândia que, creio ser o país do mundo que tem no seu território a maior variedade de fetos.
Aliás, pela memória que tenho das paisagens neozelandesas (foi há doze anos que visitei aquele país), e porque esta região do Chile tem um clima semelhante ao da Nova Zelândia, fico com a impressão de ser este o local que conheço mais semelhante em termos paisagísticos ao da minha terra desejada.
Durante três dias, percorro vários trilhos identificados no Parque Puyehue, caminhando várias horas por dia. Os passeios são quase sempre acompanhados pelo som de água a correr, proveniente de vários rios e ribeiros que atravessam o parque, e que nesta época levam muita água. Para além do som e da vista da água a correr, deparo-me com várias cascatas.
Surpreendentemente, quase todos os passeios que fiz permitiram-me estar a sós com a natureza, não havendo mais ninguém ao alcance da vista. Situação rara e admirável.
A excepção foi a área de Antillanca, conhecida sobretudo por nela estar instalado um centro de esqui. Este está a 1.200 metros de altura, rodeado por encostas montanhosas cobertas de neve.

Chegado o momento de deixar este paraíso, regresso de carro a Puerto Montt, para voar para Santiago, e daqui para Lima, no Peru, numa maratona de 17 horas.
Assim, completo a estada de 19 dias no Chile.
Depois de quase quatro meses a viajar para sul, inverto o sentido, e estou agora a dirigir-me para norte.

Nota: terão notado a ausência de fotografias anexas às crónicas que estou a publicar. Tal deve-se a alguma dificuldade em dispor de tempo para fazer tudo.
Também, depois de ter passado bastante tempo na Argentina e no Brasil, agora deverei estar menos tempo em cada país, até chegar à Nova Zelândia.
Assim, continuarei a publicar as melhores fotografias de cada país visitado, facultando-lhes o link para que possam vê-las, fora do blog.

17 setembro 2006

CHILE – DE SANTIAGO A VALPARAÍSO

O voo que me leva a Santiago do Chile cruza a cordilheira dos Andes, já próximo do destino. Olhando para baixo, vê-se um mar de montanhas, algumas das quais com os cumes cobertos de neve.
A aterragem faz-se num largo vale, onde a cidade de Santiago foi edificada.
Mais tarde, constato que a cidade está de facto cercada por montanhas, mais altas a oriente que a ocidente.

O Chile ocupa um território com uma largura média semelhante à de Portugal (cerca de 200 km), e com mais de 4.000 km de extensão, de norte a sul, de costa do Oceano Pacífico.
Se transpuséssemos esta escala territorial para a Europa, seria como se Portugal se prolongasse até à Escandinávia.
No Chile, o mar nunca está muito distante, pelo que a oferta de peixe e marisco nos restaurantes é abundante.
Para experimentar, vou jantar ao Restaurante Azul Profundo, que tem uma decoração alusiva ao mar, com alguns apontamentos literários, como as bases de papel que são colocadas nas mesas, nas quais estão impressos textos relacionados com o mar, entre os quais um poema de Fernando Pessoa, intitulado “o mar”. Aliás, numa das paredes do restaurante estão expostos vários retratos de escritores de renome, entre eles Fernando Pessoa.

A Plaza de Armas é a principal praça do centro de Santiago, e é também o ponto fulcral da vida da cidade. Foi aqui que esta nasceu no século XVI.
Hoje, a Plaza de Armas, à parte a arquitectura monumental que a enquadra, é um local de encontros da população. Aqui se encontram famílias, namorados e amigos. Num dos lados da praça, ao lado do coreto, dezenas de mesas com tabuleiros de xadrez, são utilizadas por homens que jogam concentrados.
Noutro lado, uma feira de artesanato atrai a atenção dos passantes. Vários fotógrafos oferecem os seus serviços, com cavalos de madeira para as crianças.
Em lados opostos da praça, dois mimos divertem os transeuntes (lembram-se do mimo que vi e comentei em Buenos Aires? Também ele é chileno).

Nas imediações da Plaza de Armas está sedeado o Museu Chileno de Arte Precolumbino, que apresenta uma excelente colecção de objectos provenientes das muitas culturas indígenas que povoaram a América do Sul e Central, antes da chegada dos europeus a estas regiões.
No que ao Chile diz respeito, tomei conhecimento do povo Mapuche, que constituiu uma excepção à tragédia que ocorreu com o extermínio de quase todos os povos nativos dos três continentes americanos.
Os Mapuche, tinham o seu território na metade sul do actual Chile. No período Inca, resistiram à colonização destes, que expandiram o seu império para sul, até ao limite norte do território Mapuche.
Mais tarde, já no período de colonização espanhola, os Mapuche mantiveram igualmente a sua integridade territorial, tendo infligido várias derrotas ao exército castelhano.
Acabaram por ser subjugados, já no final do século XIX, pelos chilenos, sendo hoje uma parte importante das comunidades residentes naquela região.

Ainda perto da Plaza de Armas, está o Mercado Central, imóvel interessante em cujo interior sobressaem as peixarias, que apresentam uma grande variedade e quantidade de peixe e marisco, provenientes sobretudo dos mares do sul do Chile. Inteligentemente, no mesmo edifício estão instalados vários restaurantes cuja oferta gastronómica se restringe praticamente ao peixe e marisco.
O local é frequentado ao almoço, tanto por residentes como por visitantes, e movimenta muita gente.
A actividade de mercado extravasa o edifício atrás referido, prolongando-se para ruas adjacentes.

Também no centro da cidade, está localizado o Palácio governamental de La Moneda, nas imediações do qual está agora instalado um centro cultural, projecto de interesse provavelmente politico, a avaliar pelos sinais visíveis no próprio espaço. O projecto arquitectónico, contemporâneo, de autor chileno, segue as linhas estéticas dominantes do nosso tempo.
A propósito de cultura e política, estou a visitar o Chile no chamado mês da pátria, Setembro, durante o qual se celebra a independência do país, há quase duzentos anos.
Por todo o lado se vêm bandeiras do Chile, e muitos outros adereços tricolores alusivos à nação, estando programados festejos nacionais (“Fiestas Patrias”) sobretudo para o período de 15 a 18 de Setembro.
Também em Setembro, a 11, se comemora o golpe de estado que derrubou o governo de Salvador Allende, em 1973.
Constatei que ainda hoje, o Chile está dividido acerca desse período da sua história, tendo-se verificado também este ano, manifestações violentas em vários pontos do país, nomeadamente em Santiago.

Esta cidade, várias vezes devastada por terramotos violentos, não é propriamente uma urbe encantadora, tendo algumas “ilhas” de interesse, como por exemplo a área de Providencia, urbanizada nas últimas décadas, onde convivem de modo harmonioso, edifícios de empresas com espaços residenciais e comerciais.
No limite deste lado da cidade, encontra-se a interessante feira de artesanato conhecida como Los Dominicos, que está localizada num recinto arborizado. Pelas características do espaço, fez-me lembrar a Feira de Artesanato do Estoril, minha vizinha em Portugal.

Depois de três dias em Santiago, parto para Valparaíso, cidade litoral, situada a pouco mais de 100 km a ocidente de Santiago, considerada património da humanidade pela UNESCO.
De autocarro, percorro uma auto-estrada que me faz lembrar as da Europa, e esquecer as estradas dos países anteriormente visitados na América do Sul.
A paisagem acidentada, é predominantemente verde, com apontamentos coloridos de flores campestres que anunciam a Primavera, primeiro com terrenos agrícolas, e mais tarde com florestas de coníferas e eucaliptos.
Valparaíso, cidade portuária importante para o trânsito marítimo entre a Europa e as Américas, antes da abertura do Canal do Panamá, que ocorreu no primeiro quartel do século XX, foi quase totalmente destruída por um violento terramoto há cem anos atrás.
Hoje, a actividade portuária de mercadorias é reduzida, embora a de navios de passageiros, chamados de cruzeiro, esteja a aumentar, correspondendo ao desenvolvimento da indústria do turismo na globalidade.
A cidade apresenta-se decadente, com a agravante do seu património arquitectónico se encontrar maioritariamente degradado, para além das construções medíocres que nas últimas décadas ocuparam uma boa parte da área litoral, desqualificando-a face ao que seria desejável.
O que se salva nesta cidade, mais uma vez, é a localização privilegiada, numa longa baía, estando a cidade espalhada pelas encostas vizinhas da mesma, em anfiteatro.
Como a cidade se desenvolveu em cotas ascendentes ocupando as colinas que abraçam a baía, no final do século XIX, começaram a ser edificados ascensores que visavam o transporte de pessoas entre os vários planos urbanos.
Estes ascensores, 28 na totalidade, foram instalados entre 1883 e 1916, existindo hoje em funcionamento 15, dos quais apenas 1 é vertical, sendo os restantes em plano inclinado.
Se compararmos os ascensores de Valparaíso com os de Lisboa, podemos aferir que os de Valparaíso são mais modestos, embora mais numerosos. Tal como os de Lisboa, ainda hoje servem os residentes, embora também sejam bastante frequentados pelos turistas.
Aqui fico alojado num pequeno hotel, Brighton, instalado numa casa vistosa do início do século XX, posterior ao terramoto de 1906 que arrasou grande parte da cidade.
A localização do hotel é privilegiada, no “Cerro Concepción”, um dos locais mais interessantes da cidade, tendo uma vista panorâmica sobre a cidade e a baía.
O hotel como tal, é pobre, pelo que me contentei com um quarto minúsculo, no qual ao abrir os braços, quase sempre tocava nas paredes, ou no tecto.
Uma particularidade deste hotel é que, a recepção funciona no bar/restaurante, cujo espaço é interessante.
Em Valparaíso provei a bebida mais característica do Chile, o pisco, uma aguardente produzida a partir de uvas. A minha prova resumiu-se ao chamado pisco sour, que é a aguardente misturada com sumo de limão, servido gelado.
É uma bebida agradável, normalmente apreciada como aperitivo. Tal como a caipirinha, se bebermos um pisco sour ficamos bem, mas se bebermos o segundo, podemos ter dificuldade em nos levantarmos da cadeira.
Da gastronomia refiro que aqui comi bom peixe, como era de esperar, e o melhor restaurante que visitei foi o Café Turri, situado nas proximidades do hotel onde estive. Este restaurante é uma referência na cidade mas, esteve encerrado durante algum tempo. Agora, reabriu por iniciativa de várias pessoas, entre elas um jovem chefe de cozinha francês, que naturalmente oferece um menu com influências gaulesas, de qualidade.
Uma parte deste texto foi escrito precisamente no Café Turri, onde existe ligação à internet sem fios, após um bom jantar.

Valparaíso tem como vizinha a cidade de Viña del Mar, área urbana distinta, mais dedicada ao turismo balnear.
Para além da estrada costeira que liga as duas cidades, existe há pouco tempo um comboio moderno que oferece comodidade e rapidez, sem poluir o ambiente.
Da cidade pouco há para dizer, a não ser a curiosidade de ter um Parque público, Quinta Vergara, que é hoje propriedade municipal, onde outrora viveu uma família da qual, um dos membros foi o fundador da cidade de Viña del Mar. Este, casou-se com uma senhora, neta dos primeiros habitantes e proprietários da Quinta Vergara, sendo a curiosidade o facto do então fundador da quinta ser um abastado comerciante português, que aqui viveu com a sua família, no século XIX.
A esposa do então proprietário era apaixonada por plantas e jardins, pelo que se dedicou a criar um jardim com espécies exóticas, provenientes de várias regiões do mundo, com a colaboração do seu filho que sendo marinheiro, viajava para outras paragens.
Hoje, a Quinta Vergara tem para além do parque, um museu de arte instalado no Palácio Vergara, que não é a construção original da quinta, já que esta desabou aquando do terramoto de 1906, e também um gigantesco anfiteatro para espectáculos musicais, de construção recente.

Aqui, chego ao oceano Pacífico, que espero percorrer nos próximos meses, quer ao longo dos continentes americanos, quer mais tarde para chegar à desejada Nova Zelândia.
Agora, vou para sul, já que a Primavera está a chegar. Estou desejoso de voltar aos grandes espaços naturais.

10 setembro 2006

Catalina e o filho, Francisco, argentinos: num voo entre as cidades de Buenos Aires e Salta.
Audley Lumsden, inglês: no aeroporto de Buenos Aires, durante uma digressão na Argentina, da equipa de râguebi escolar britânica, da qual é treinador.
Katie e Richard, norte-americanos: no aeroporto de Buenos Aires, a caminho do Chile, onde vão estudar numa universidade.
Lucia e Daniel, argentinos: sete meses de viagem, a pedalar, pela América do Sul.

A ARTE DE VIAJAR, NO SÉCULO XXI

Fez agora três meses que o meu périplo pelo mundo começou.
É uma boa oportunidade para fazer um balanço do que tem sido esta minha experiência.

Em primeiro lugar, estou a fazer uma maratona, ou seja, o facto de estar há vários meses a viver com uma mala e uma mochila, com o total de cerca de 40 kg, faz com que tenha que ponderar bem os passos que dou, e como os dou.
No geral, tenho que dosear bem os meus esforços, para que não me falte o fôlego, que a corrida promete ser longa.
Já agora, os pertences que me acompanham foram criteriosamente escolhidos antes de iniciar a viagem, e estou satisfeito com quase todas as escolhas que fiz.
À parte alguns objectos não essenciais para a viagem que já regressaram a Portugal, e outros que irão em breve, graças à ajuda de amigos que viajando para o Brasil e Argentina se prontificaram a colaborar, tenho o que é necessário para viver com qualidade.
De tudo o que transporto, destaco a roupa confortável, sem atender a estilos ou etiquetas. O mesmo é fundamental para os sapatos, já que as caminhadas são uma constante. No meu caso, confio os meus pés, com satisfação, a dois pares de sapatos da Timberland, que têm comprovado o nível publicitado pela marca.
Depois, atendendo ao facto de estar a viajar com um computador, máquina fotográfica e telemóvel, faz com que a necessidade de acesso a corrente eléctrica seja frequente. Assim, para não estar sujeito a surpresas, tenho uma caixa que contem adaptadores para tomadas eléctricas de todos os modelos existentes no mundo, espero eu. Claro que os transformadores dos equipamentos têm que ser adequados a dupla voltagem.
Tudo o que está comigo é transportado numa mala e uma mochila, da marca Samsonite, de geração recente. Estou bastante satisfeito com a qualidade destas duas peças, embora admita que a mala poderá vir a não resistir ao tratamento pouco cuidado que lhe é dado nos aeroportos. A ver vamos!

Neste início de século, o acto de viajar é vulgar, havendo no entanto várias formas de o fazer, que definem o perfil dos viajantes.
Ao longo destes três meses, cruzei-me com inúmeros viajantes, tendo falado com algumas centenas. Desde logo ressalvo o facto de ainda não ter encontrado qualquer português, embora já tenha pressentido a presença próxima de alguns, poucos, através de livros de comentários que tenho folheado, particularmente em museus. Já me cruzei e comuniquei com pessoas de muitas etnias e culturas, na maioria europeus e norte-americanos, para além dos residentes nos países por onde passei.
A maioria dos viajantes que encontrei, enquadram-se na categoria que posso designar como dos “turistas”. Muitos deles, para além de terem um tempo muito limitado para conhecerem os locais que visitam, pouco ou nada sabem dos mesmos. Esta categoria é a que menos me interessa.
Depois, existem os viajantes que, para além de disporem de mais tempo, têm interesses específicos que os levam a visitar determinados locais.
Esta categoria tem uma subcategoria maioritária, que é hoje um fenómeno social. Refiro-me aos “mochileiros”, ou seja o que for que chamemos a estes viajantes, que estão em todo o lado.
Maioritariamente jovens, com aparência pouco cuidada, vivem de expedientes diversos, com pouco. Dedicam-se quase sempre à produção e comercialização de trabalhos artesanais, que tendem a ser repetitivos.
Este grupo de viajantes de longa duração raramente se relaciona com outros grupos de viajantes, sendo também alvo de segregação, e nunca se hospeda em hotéis.
O grupo no qual me insiro, viajantes de longa duração, com conforto, é minoritário.

Viajar durante muito tempo hoje, não significa necessariamente ficarmos isolados do mundo, e das pessoas com quem temos laços afectivos.
De facto, os meios de comunicação actualmente ao nosso dispor permitem-nos manter contactos frequentes com quem quer que aos mesmos tenha acesso.
Pelo que se vê, o telemóvel é hoje um instrumento de uso corrente, em todo o lado. Tal como em Portugal, também nos países já visitados o uso do telemóvel tende a ser caótico.
Este fenómeno tecnológico mundial faz com que me pareça que, hoje o melhor amigo do homem (e da mulher) já não é o cão, mas sim o telemóvel.
Muito mais interessante que o telemóvel, para mim, é o acesso à Internet, que também se encontra vulgarizado.
Ao longo destes três meses de viagem, muito poucos foram os locais onde estive nos quais não havia acesso à Internet.
Para além da solução privada, a que eu prefiro já que tenho o meu computador comigo, encontramos o mais diverso leque de possibilidades de acesso à Internet, com predominância para os locais onde podemos alugar um computador, por valores insignificantes.
A maior parte destes locais são pouco cuidados, oferecendo desconforto e nenhuma privacidade.
Mas existem excepções. Recentemente, em Córdoba, pude comprovar o que o futuro nos reserva em matéria de informática: ao passar numa das principais artérias da cidade observei um edifício contemporâneo, que à primeira vista me pareceu albergar uma empresa de comércio de equipamentos informáticos, Empiretech (http://www.empiretech.com.ar/).
Estranhei o facto de ver muitas pessoas no seu interior, e decidi espreitar. Constatei tratar-se dum centro de informática, com centenas de computadores prontos a serem alugados para acesso à Internet, ou para outros fins. São quatro andares totalmente preenchidos pelos computadores, muito bem instalados, com um elevado nível de conforto para os utilizadores. Estes, de todas as gerações, frequentam o local até altas horas da madrugada, tendo ainda ao seu dispor um bar e serviços técnicos habilitados.

Viajar, no meu caso, também significa conviver com a solidão.
Ao longo destes três meses, muitas experiências vivi sozinho, que gostaria de ter partilhado com alguém.
Felizmente que não me deixo abater pelo facto de estar a viajar só, sentindo-me um ser privilegiado por poder observar o mundo em directo.
De qualquer modo, mais vale viajar só que, não viajar!

Nota: aproveito para anunciar a primeira alteração de rota na minha viagem.
Depois de visitar o Chile, irei para o Peru, país que inicialmente havia excluído do meu itinerário.
Não quero perder esta oportunidade para visitar o território onde a civilização inca teve o seu epicentro.

08 setembro 2006

Córdoba, Passeio das Artes: Enrique e Mara, livreiros.
Santa Catalina: a igreja da Missão Jesuítica.
Pousada Camino Real:
a Agustina, num passeio a cavalo.
Pousada Camino Real: A Eugenia e o Roque, e respectivos cavalos. À esquerda, a infatigável Mate.














Dois dos cães da Pousada Camino Real.

07 setembro 2006

DE CÓRDOBA A BUENOS AIRES

À minha frente, vejo algumas vacas que pastam num terreno ondulado, com poucas árvores e bastante vegetação rasteira, que nesta época do ano está seca, por falta de chuva.
À minha esquerda, a cem metros de distância, cerca de vinte cavalos aguardam a oportunidade de serem montados.
Atrás de mim, algumas ovelhas e cabras passeiam pelo campo, na companhia de quatro cães perdigueiros. Perto de mim, uma cadela pastor-alemã, a Mate, não deixa de me tentar para que lhe atire um pau, ou uma pedra, que ela apanha com uma rapidez impressionante.
À nossa volta o silêncio é de ouro, sendo apenas interrompido pelo canto de aves que têm os seus ninhos nas copas das árvores à sombra das quais está o recinto onde se encontram os cavalos.
O ambiente é bucólico, e era mesmo o que eu queria para esta fase da viagem, ou será que deveria dizer, para esta fase da minha vida?
Mas vamos começar pelo princípio desta etapa …

Cheguei a Córdoba já noite avançada, depois de ter voado de San Miguel De Tucumán, via Buenos Aires, onde acabei por passar muitas horas no aeroporto, devido a um atraso no voo final.
Hospedo-me num hotel confortável, no centro da cidade.
No dia seguinte, avanço para o reconhecimento habitual de uma cidade desconhecida.
Visito o local de informações turísticas, instalado no edifício designado como “Cabildo”, sede do poder colonial castelhano, onde me dizem que turistas portugueses, aqui em Córdoba, são raros. Nada que me surpreendesse, já que tenho ouvido o mesmo comentário em quase todos os locais por onde tenho passado.
Passeio a pé pela área central da cidade, com várias ruas pedonais interligadas por pátios interiores que atravessam os edifícios que formam estes quarteirões.
Aliás, estas mesmas ruas pedonais foram adaptadas à circulação das pessoas, tendo uma cobertura de plantas trepadeiras que crescem em estruturas metálicas ali colocadas para este fim.
De resto, esta área urbana é ocupada por inúmeras casas comerciais, o que atrai as pessoas.
A cidade de Córdoba alberga uma das universidades mais antigas da América do Sul, nascida em 1621, o que faz com que tenha uma importante população estudantil.
A reitoria da universidade está instalada numa parte dos edifícios que os Jesuítas edificaram em Córdoba, pouco depois da fundação da cidade, no século XVII, sendo o conjunto arquitectónico conhecido como a “Manzana” dos Jesuítas.
Este conjunto, do qual faz parte a Igreja da Companhia de Jesus, é hoje património cultural da humanidade, bem como uma série de missões jesuíticas que se encontram disseminadas pela região.

Nos dias de fim-de-semana, decorre em Córdoba a feira “Passeio das Artes”, a qual tem o horário estranho de começar a partir das 17 horas, prolongando-se noite fora. Esta feira decorre ao ar livre, numa área tranquila da cidade, e nela se expõem trabalhos artesanais contemporâneos, assim como antiguidades.
Ao passear pela feira, detive-me à conversa com dois livreiros, Enrique, pai e Mara, filha, que ali se dedicam à venda de livros.
Uma vez mais, é citado o nome de José Saramago, e da sua obra, certamente muito popular na Argentina. De facto, ao longo desta minha estada na Argentina, várias pessoas, desde motoristas de táxi a empregados de restaurantes, têm referenciado o nome do escritor português, após saberem da minha origem.

Numa das noites passadas em Córdoba, fui jantar a um restaurante recomendado, La Mamma, onde poderia comer algo que não carne, da qual já estou farto.
Apanhei um táxi e, ao chegar ao local, enquanto pagava o serviço ao motorista, fui surpreendido por alguém que abriu a porta do táxi. Observei tratar-se de uma menina, aparentando ter uns dez anos de idade, que tomou aquela iniciativa para ganhar algum dinheiro.
Ao sair do carro, falei com ela, para perceber a sua situação. Disse-me, com correcção, que ali, naquele cruzamento da cidade, ela e uma amiga “trabalham” para ganharem a vida.
Ao entrar no restaurante, pensando na situação humana na qual tropecei, escolhi uma mesa junto a uma janela, da qual observei o que se passava no cruzamento.
A pequena com quem falei, e a sua amiga, de idade semelhante, abordavam os automobilistas que ali paravam, de cada vez que o semáforo ficava vermelho.
Uma oferecia serviço de limpeza de vidros dos carros e a outra, divertia os passantes com um número de malabarismo, digno de um espectáculo de circo, com limões, em substituição de bolas.
Ao sair do restaurante, dirigi-me a elas para saber algo mais das suas vidas. Disseram-me que ali ficam até cerca das onze horas da noite, quando uma senhora as vai buscar, para regressarem a casa.
Ofereci-me para lhes dar de comer, o que aceitaram. Fui comprar-lhes o jantar, que agradeceram.
De volta ao hotel, a pé, pensei que aquelas duas meninas poderiam ser minhas filhas, ou filhas de qualquer dos meus amigos. Antes fossem!
Antes de chegar ao hotel, passei pela praça central, San Martin, onde decorria uma milonga. Junto à estátua a um dos heróis da Argentina, algumas dezenas de pares dançavam o tango.

Antes de regressar a Buenos Aires, e de deixar a Argentina, quero descansar, num ambiente campestre. De momento, para além de me sentir cansado, devo ter uma gripe, ou algo parecido.
Este é o momento indicado. Escolho uma propriedade de turismo rural, Posada Camino Real (http://www.posadacaminoreal.com.ar/) situada cerca de uma hora e meia a norte de Córdoba, onde vou estar três dias.
De Córdoba, viajo de autocarro para a povoação de Jesus Maria, onde de táxi sigo para o destino, por estrada de terra. Pelo caminho, passamos por Santa Catalina, a maior das Missões Jesuíticas da região.
Santa Catalina foi fundada pelos jesuítas em 1622, que ali desenvolveram uma actividade agropecuária importante, a qual abastecia outras missões da ordem.
Depois da expulsão dos jesuítas de Espanha e seus territórios coloniais, na segunda metade do século XVIII, a coroa espanhola vendeu a particulares as missões edificadas pelos jesuítas. No caso de Santa Catalina, desde então, a propriedade pertence à mesma família.
Pelo antigo caminho real, que se dirigia para norte até ao alto Peru, chego à Posada Camino Real. Antes de chegar, sabendo que os proprietários estariam ausentes, imaginei que iria ser recebido por pessoas idosas mas, enganei-me redondamente.
À chegada, esperam-me a responsável pela pousada, Agustina, e o Aldo, ambos jovens, com menos de trinta anos de idade.
A Agustina, é natural de Buenos Aires, onde residiu até há poucos anos, quando, “cansada de sobreviver na grande metrópole argentina”, segundo as suas palavras, decidiu procurar melhores condições de vida noutro lugar.
O Aldo, é paraguaio, filho de uma médica, e decidiu emigrar há menos de um ano, também na expectativa de alcançar uma vida melhor.
Para além destes dois jovens, conheço outros dois que fazem parte da equipa de serviço, que destaco: a Eugenia, jovem cordobesa, recém formada em cozinha, que aqui se encarrega da confecção da comida, com arte, e o Roque, que cuida dos cavalos da propriedade com os quais tem uma relação afectiva especial.
A propriedade tem cerca de seiscentos hectares de terreno, o que para a escala da Argentina, significa tratar-se de uma pequena propriedade.

Depois de instalado no meu quarto, constato que sou o único hóspede que aqui está, pelo que todas as atenções do grupo de trabalho me são dirigidas.
Para já, a prioridade é descansar. Depois de almoçar, vou dar um passeio a pé, e não vou só. A Mate, a cadela pastor-alemã, segue-me como se fossemos velhos conhecidos.
Ao regressar, deito-me e durmo uma sesta, o que já não fazia há muito tempo.
Mais tarde, janto e comprovo que a Eugenia tem talento para a cozinha. O Aldo, que também assegura o serviço de mesa, mostra-se inexcedível nas atenções para comigo.
Ao segundo dia arrisco um passeio a cavalo. Que me lembre, há pelo menos dez anos que não montava nenhum cavalo, depois de, há muito mais tempo, ter aprendido a montar numa escola da GNR, em Lisboa.
O Roque escolheu para minha montada a Rubia, uma égua paciente. Somos acompanhados pela Eugenia, que só desde que aqui trabalha aprendeu a montar, e pelos cinco cães da propriedade que são profundos conhecedores da região já que, vão livremente à nossa frente, farejando incessantemente, espantando algumas das muitas aves que se encontram nos campos, e assustando algumas vacas que pastavam tranquilamente.
Durante duas horas e meia, os oito, para além dos cavalos, passeamos por montes e vales, sempre a passo nós e os cavalos, e em correrias desenfreadas os cães, que se divertiram ainda mais do que nós.
Ao fim do segundo dia no paraíso, chegam mais hóspedes. Um deles, a Carolina, argentina, é jornalista de viagens e está de visita a esta região, por razões profissionais.
A Carolina só fica cá uma noite. Na pousada proporcionam-lhe o melhor, naturalmente. Apesar do pouco tempo que a Carolina aqui fica, conseguimos conviver no decurso de um passeio matinal com os cavalos, e fico com interesse em conhecê-la melhor.

Chegada a hora de viajar para Buenos Aires, é com tristeza que me despeço dos amigos da Pousada Camino Real.
Em Córdoba, apanho um autocarro que viaja de noite pelas planícies que se espraiam até Buenos Aires. São pouco mais de 700 km percorridos em cerca de nove horas, com chegada a Buenos Aires de manhã cedo.
Apanho um táxi para me levar ao apartamento onde já havia estado anteriormente, no bairro de Recoleta. Este, não é distante do Terminal de autocarros mas, o motorista que me conduz, quer mostrar-me outras áreas de Buenos Aires, pelo que tenta levar-me a passear.
Como eu identifiquei a artimanha, usa outro estratagema para me tentar enganar. Fala-me de um novo dinheiro, codificado, que estaria agora em circulação. Enfim, o conto do vigário, na versão argentina.
Não tive outro remédio senão sair antes de chegar ao destino, e apanhar outro táxi, este sim, conduzido por um profissional, que se indignou quando lhe contei o sucedido.

Já familiarizado com a área de Recoleta, revisito locais de que gosto, e descubro com prazer, que uma das casas de gelados de que mais gosto, Un’ Altra Volta, abriu uma gelataria no bairro. Não resisto à tentação e, enquanto como um gelado, observo que a casa tem muitos ramos de flores, magníficos, que foram oferecidos por outras casas comerciais do bairro, acompanhados por cartões de boas-vindas.

Entretanto, Buenos Aires faz jus à imagem de uma cidade com uma vida vibrante.
Num passeio ocasional, aqui perto, ao acercar-me de um cruzamento, observo que no mesmo se encontram paradas algumas centenas de pessoas.
Presto atenção e verifico que todos estão atentos a um indivíduo, jovem, de traje original, que simula uma série infindável de situações, utilizando a expressão da mímica. Ele comunicava com transeuntes, carros e respectivos condutores, autocarros e tudo o que se movesse naquele cruzamento.
Foi um espectáculo de rua extraordinário, que a todos agradou.
Imaginei que em Portugal, ou em qualquer outro país seria igualmente um êxito. Pelo sim pelo não, no final da actuação, contactei o artista, que dá pelo nome de Mimo Tuga, dei-lhe os parabéns e pedi-lhe os contactos.
Se alguém o quiser convidar para actuar noutro país, ele está interessado, e eu tenho os seus contactos.
É um divertimento garantido!

Antes de deixar Buenos Aires, tenho a oportunidade de rever a Vilma e o Óscar, e a Carolina, que conheci há poucos dias na Pousada Camino Real.
A Carolina está também numa fase de transição profissional, por decisão dela, pretendendo continuar a sua vida noutros moldes, como escritora de viagens.

Depois de 37 dias na Argentina, é tempo de viajar para o Chile, mais precisamente para Santiago.