A ARTE DE VIAJAR, NO SÉCULO XXI
Fez agora três meses que o meu périplo pelo mundo começou.
É uma boa oportunidade para fazer um balanço do que tem sido esta minha experiência.
Em primeiro lugar, estou a fazer uma maratona, ou seja, o facto de estar há vários meses a viver com uma mala e uma mochila, com o total de cerca de 40 kg, faz com que tenha que ponderar bem os passos que dou, e como os dou.
No geral, tenho que dosear bem os meus esforços, para que não me falte o fôlego, que a corrida promete ser longa.
Já agora, os pertences que me acompanham foram criteriosamente escolhidos antes de iniciar a viagem, e estou satisfeito com quase todas as escolhas que fiz.
À parte alguns objectos não essenciais para a viagem que já regressaram a Portugal, e outros que irão em breve, graças à ajuda de amigos que viajando para o Brasil e Argentina se prontificaram a colaborar, tenho o que é necessário para viver com qualidade.
De tudo o que transporto, destaco a roupa confortável, sem atender a estilos ou etiquetas. O mesmo é fundamental para os sapatos, já que as caminhadas são uma constante. No meu caso, confio os meus pés, com satisfação, a dois pares de sapatos da Timberland, que têm comprovado o nível publicitado pela marca.
Depois, atendendo ao facto de estar a viajar com um computador, máquina fotográfica e telemóvel, faz com que a necessidade de acesso a corrente eléctrica seja frequente. Assim, para não estar sujeito a surpresas, tenho uma caixa que contem adaptadores para tomadas eléctricas de todos os modelos existentes no mundo, espero eu. Claro que os transformadores dos equipamentos têm que ser adequados a dupla voltagem.
Tudo o que está comigo é transportado numa mala e uma mochila, da marca Samsonite, de geração recente. Estou bastante satisfeito com a qualidade destas duas peças, embora admita que a mala poderá vir a não resistir ao tratamento pouco cuidado que lhe é dado nos aeroportos. A ver vamos!
Neste início de século, o acto de viajar é vulgar, havendo no entanto várias formas de o fazer, que definem o perfil dos viajantes.
Ao longo destes três meses, cruzei-me com inúmeros viajantes, tendo falado com algumas centenas. Desde logo ressalvo o facto de ainda não ter encontrado qualquer português, embora já tenha pressentido a presença próxima de alguns, poucos, através de livros de comentários que tenho folheado, particularmente em museus. Já me cruzei e comuniquei com pessoas de muitas etnias e culturas, na maioria europeus e norte-americanos, para além dos residentes nos países por onde passei.
A maioria dos viajantes que encontrei, enquadram-se na categoria que posso designar como dos “turistas”. Muitos deles, para além de terem um tempo muito limitado para conhecerem os locais que visitam, pouco ou nada sabem dos mesmos. Esta categoria é a que menos me interessa.
Depois, existem os viajantes que, para além de disporem de mais tempo, têm interesses específicos que os levam a visitar determinados locais.
Esta categoria tem uma subcategoria maioritária, que é hoje um fenómeno social. Refiro-me aos “mochileiros”, ou seja o que for que chamemos a estes viajantes, que estão em todo o lado.
Maioritariamente jovens, com aparência pouco cuidada, vivem de expedientes diversos, com pouco. Dedicam-se quase sempre à produção e comercialização de trabalhos artesanais, que tendem a ser repetitivos.
Este grupo de viajantes de longa duração raramente se relaciona com outros grupos de viajantes, sendo também alvo de segregação, e nunca se hospeda em hotéis.
O grupo no qual me insiro, viajantes de longa duração, com conforto, é minoritário.
Viajar durante muito tempo hoje, não significa necessariamente ficarmos isolados do mundo, e das pessoas com quem temos laços afectivos.
De facto, os meios de comunicação actualmente ao nosso dispor permitem-nos manter contactos frequentes com quem quer que aos mesmos tenha acesso.
Pelo que se vê, o telemóvel é hoje um instrumento de uso corrente, em todo o lado. Tal como em Portugal, também nos países já visitados o uso do telemóvel tende a ser caótico.
Este fenómeno tecnológico mundial faz com que me pareça que, hoje o melhor amigo do homem (e da mulher) já não é o cão, mas sim o telemóvel.
Muito mais interessante que o telemóvel, para mim, é o acesso à Internet, que também se encontra vulgarizado.
Ao longo destes três meses de viagem, muito poucos foram os locais onde estive nos quais não havia acesso à Internet.
Para além da solução privada, a que eu prefiro já que tenho o meu computador comigo, encontramos o mais diverso leque de possibilidades de acesso à Internet, com predominância para os locais onde podemos alugar um computador, por valores insignificantes.
A maior parte destes locais são pouco cuidados, oferecendo desconforto e nenhuma privacidade.
Mas existem excepções. Recentemente, em Córdoba, pude comprovar o que o futuro nos reserva em matéria de informática: ao passar numa das principais artérias da cidade observei um edifício contemporâneo, que à primeira vista me pareceu albergar uma empresa de comércio de equipamentos informáticos, Empiretech (http://www.empiretech.com.ar/).
Estranhei o facto de ver muitas pessoas no seu interior, e decidi espreitar. Constatei tratar-se dum centro de informática, com centenas de computadores prontos a serem alugados para acesso à Internet, ou para outros fins. São quatro andares totalmente preenchidos pelos computadores, muito bem instalados, com um elevado nível de conforto para os utilizadores. Estes, de todas as gerações, frequentam o local até altas horas da madrugada, tendo ainda ao seu dispor um bar e serviços técnicos habilitados.
Viajar, no meu caso, também significa conviver com a solidão.
Ao longo destes três meses, muitas experiências vivi sozinho, que gostaria de ter partilhado com alguém.
Felizmente que não me deixo abater pelo facto de estar a viajar só, sentindo-me um ser privilegiado por poder observar o mundo em directo.
De qualquer modo, mais vale viajar só que, não viajar!
Nota: aproveito para anunciar a primeira alteração de rota na minha viagem.
Depois de visitar o Chile, irei para o Peru, país que inicialmente havia excluído do meu itinerário.
Não quero perder esta oportunidade para visitar o território onde a civilização inca teve o seu epicentro.
10 setembro 2006
07 setembro 2006
DE CÓRDOBA A BUENOS AIRES
À minha frente, vejo algumas vacas que pastam num terreno ondulado, com poucas árvores e bastante vegetação rasteira, que nesta época do ano está seca, por falta de chuva.
À minha esquerda, a cem metros de distância, cerca de vinte cavalos aguardam a oportunidade de serem montados.
Atrás de mim, algumas ovelhas e cabras passeiam pelo campo, na companhia de quatro cães perdigueiros. Perto de mim, uma cadela pastor-alemã, a Mate, não deixa de me tentar para que lhe atire um pau, ou uma pedra, que ela apanha com uma rapidez impressionante.
À nossa volta o silêncio é de ouro, sendo apenas interrompido pelo canto de aves que têm os seus ninhos nas copas das árvores à sombra das quais está o recinto onde se encontram os cavalos.
O ambiente é bucólico, e era mesmo o que eu queria para esta fase da viagem, ou será que deveria dizer, para esta fase da minha vida?
Mas vamos começar pelo princípio desta etapa …
Cheguei a Córdoba já noite avançada, depois de ter voado de San Miguel De Tucumán, via Buenos Aires, onde acabei por passar muitas horas no aeroporto, devido a um atraso no voo final.
Hospedo-me num hotel confortável, no centro da cidade.
No dia seguinte, avanço para o reconhecimento habitual de uma cidade desconhecida.
Visito o local de informações turísticas, instalado no edifício designado como “Cabildo”, sede do poder colonial castelhano, onde me dizem que turistas portugueses, aqui em Córdoba, são raros. Nada que me surpreendesse, já que tenho ouvido o mesmo comentário em quase todos os locais por onde tenho passado.
Passeio a pé pela área central da cidade, com várias ruas pedonais interligadas por pátios interiores que atravessam os edifícios que formam estes quarteirões.
Aliás, estas mesmas ruas pedonais foram adaptadas à circulação das pessoas, tendo uma cobertura de plantas trepadeiras que crescem em estruturas metálicas ali colocadas para este fim.
De resto, esta área urbana é ocupada por inúmeras casas comerciais, o que atrai as pessoas.
A cidade de Córdoba alberga uma das universidades mais antigas da América do Sul, nascida em 1621, o que faz com que tenha uma importante população estudantil.
A reitoria da universidade está instalada numa parte dos edifícios que os Jesuítas edificaram em Córdoba, pouco depois da fundação da cidade, no século XVII, sendo o conjunto arquitectónico conhecido como a “Manzana” dos Jesuítas.
Este conjunto, do qual faz parte a Igreja da Companhia de Jesus, é hoje património cultural da humanidade, bem como uma série de missões jesuíticas que se encontram disseminadas pela região.
Nos dias de fim-de-semana, decorre em Córdoba a feira “Passeio das Artes”, a qual tem o horário estranho de começar a partir das 17 horas, prolongando-se noite fora. Esta feira decorre ao ar livre, numa área tranquila da cidade, e nela se expõem trabalhos artesanais contemporâneos, assim como antiguidades.
Ao passear pela feira, detive-me à conversa com dois livreiros, Enrique, pai e Mara, filha, que ali se dedicam à venda de livros.
Uma vez mais, é citado o nome de José Saramago, e da sua obra, certamente muito popular na Argentina. De facto, ao longo desta minha estada na Argentina, várias pessoas, desde motoristas de táxi a empregados de restaurantes, têm referenciado o nome do escritor português, após saberem da minha origem.
Numa das noites passadas em Córdoba, fui jantar a um restaurante recomendado, La Mamma, onde poderia comer algo que não carne, da qual já estou farto.
Apanhei um táxi e, ao chegar ao local, enquanto pagava o serviço ao motorista, fui surpreendido por alguém que abriu a porta do táxi. Observei tratar-se de uma menina, aparentando ter uns dez anos de idade, que tomou aquela iniciativa para ganhar algum dinheiro.
Ao sair do carro, falei com ela, para perceber a sua situação. Disse-me, com correcção, que ali, naquele cruzamento da cidade, ela e uma amiga “trabalham” para ganharem a vida.
Ao entrar no restaurante, pensando na situação humana na qual tropecei, escolhi uma mesa junto a uma janela, da qual observei o que se passava no cruzamento.
A pequena com quem falei, e a sua amiga, de idade semelhante, abordavam os automobilistas que ali paravam, de cada vez que o semáforo ficava vermelho.
Uma oferecia serviço de limpeza de vidros dos carros e a outra, divertia os passantes com um número de malabarismo, digno de um espectáculo de circo, com limões, em substituição de bolas.
Ao sair do restaurante, dirigi-me a elas para saber algo mais das suas vidas. Disseram-me que ali ficam até cerca das onze horas da noite, quando uma senhora as vai buscar, para regressarem a casa.
Ofereci-me para lhes dar de comer, o que aceitaram. Fui comprar-lhes o jantar, que agradeceram.
De volta ao hotel, a pé, pensei que aquelas duas meninas poderiam ser minhas filhas, ou filhas de qualquer dos meus amigos. Antes fossem!
Antes de chegar ao hotel, passei pela praça central, San Martin, onde decorria uma milonga. Junto à estátua a um dos heróis da Argentina, algumas dezenas de pares dançavam o tango.
Antes de regressar a Buenos Aires, e de deixar a Argentina, quero descansar, num ambiente campestre. De momento, para além de me sentir cansado, devo ter uma gripe, ou algo parecido.
Este é o momento indicado. Escolho uma propriedade de turismo rural, Posada Camino Real (http://www.posadacaminoreal.com.ar/) situada cerca de uma hora e meia a norte de Córdoba, onde vou estar três dias.
De Córdoba, viajo de autocarro para a povoação de Jesus Maria, onde de táxi sigo para o destino, por estrada de terra. Pelo caminho, passamos por Santa Catalina, a maior das Missões Jesuíticas da região.
Santa Catalina foi fundada pelos jesuítas em 1622, que ali desenvolveram uma actividade agropecuária importante, a qual abastecia outras missões da ordem.
Depois da expulsão dos jesuítas de Espanha e seus territórios coloniais, na segunda metade do século XVIII, a coroa espanhola vendeu a particulares as missões edificadas pelos jesuítas. No caso de Santa Catalina, desde então, a propriedade pertence à mesma família.
Pelo antigo caminho real, que se dirigia para norte até ao alto Peru, chego à Posada Camino Real. Antes de chegar, sabendo que os proprietários estariam ausentes, imaginei que iria ser recebido por pessoas idosas mas, enganei-me redondamente.
À chegada, esperam-me a responsável pela pousada, Agustina, e o Aldo, ambos jovens, com menos de trinta anos de idade.
A Agustina, é natural de Buenos Aires, onde residiu até há poucos anos, quando, “cansada de sobreviver na grande metrópole argentina”, segundo as suas palavras, decidiu procurar melhores condições de vida noutro lugar.
O Aldo, é paraguaio, filho de uma médica, e decidiu emigrar há menos de um ano, também na expectativa de alcançar uma vida melhor.
Para além destes dois jovens, conheço outros dois que fazem parte da equipa de serviço, que destaco: a Eugenia, jovem cordobesa, recém formada em cozinha, que aqui se encarrega da confecção da comida, com arte, e o Roque, que cuida dos cavalos da propriedade com os quais tem uma relação afectiva especial.
A propriedade tem cerca de seiscentos hectares de terreno, o que para a escala da Argentina, significa tratar-se de uma pequena propriedade.
Depois de instalado no meu quarto, constato que sou o único hóspede que aqui está, pelo que todas as atenções do grupo de trabalho me são dirigidas.
Para já, a prioridade é descansar. Depois de almoçar, vou dar um passeio a pé, e não vou só. A Mate, a cadela pastor-alemã, segue-me como se fossemos velhos conhecidos.
Ao regressar, deito-me e durmo uma sesta, o que já não fazia há muito tempo.
Mais tarde, janto e comprovo que a Eugenia tem talento para a cozinha. O Aldo, que também assegura o serviço de mesa, mostra-se inexcedível nas atenções para comigo.
Ao segundo dia arrisco um passeio a cavalo. Que me lembre, há pelo menos dez anos que não montava nenhum cavalo, depois de, há muito mais tempo, ter aprendido a montar numa escola da GNR, em Lisboa.
O Roque escolheu para minha montada a Rubia, uma égua paciente. Somos acompanhados pela Eugenia, que só desde que aqui trabalha aprendeu a montar, e pelos cinco cães da propriedade que são profundos conhecedores da região já que, vão livremente à nossa frente, farejando incessantemente, espantando algumas das muitas aves que se encontram nos campos, e assustando algumas vacas que pastavam tranquilamente.
Durante duas horas e meia, os oito, para além dos cavalos, passeamos por montes e vales, sempre a passo nós e os cavalos, e em correrias desenfreadas os cães, que se divertiram ainda mais do que nós.
Ao fim do segundo dia no paraíso, chegam mais hóspedes. Um deles, a Carolina, argentina, é jornalista de viagens e está de visita a esta região, por razões profissionais.
A Carolina só fica cá uma noite. Na pousada proporcionam-lhe o melhor, naturalmente. Apesar do pouco tempo que a Carolina aqui fica, conseguimos conviver no decurso de um passeio matinal com os cavalos, e fico com interesse em conhecê-la melhor.
Chegada a hora de viajar para Buenos Aires, é com tristeza que me despeço dos amigos da Pousada Camino Real.
Em Córdoba, apanho um autocarro que viaja de noite pelas planícies que se espraiam até Buenos Aires. São pouco mais de 700 km percorridos em cerca de nove horas, com chegada a Buenos Aires de manhã cedo.
Apanho um táxi para me levar ao apartamento onde já havia estado anteriormente, no bairro de Recoleta. Este, não é distante do Terminal de autocarros mas, o motorista que me conduz, quer mostrar-me outras áreas de Buenos Aires, pelo que tenta levar-me a passear.
Como eu identifiquei a artimanha, usa outro estratagema para me tentar enganar. Fala-me de um novo dinheiro, codificado, que estaria agora em circulação. Enfim, o conto do vigário, na versão argentina.
Não tive outro remédio senão sair antes de chegar ao destino, e apanhar outro táxi, este sim, conduzido por um profissional, que se indignou quando lhe contei o sucedido.
Já familiarizado com a área de Recoleta, revisito locais de que gosto, e descubro com prazer, que uma das casas de gelados de que mais gosto, Un’ Altra Volta, abriu uma gelataria no bairro. Não resisto à tentação e, enquanto como um gelado, observo que a casa tem muitos ramos de flores, magníficos, que foram oferecidos por outras casas comerciais do bairro, acompanhados por cartões de boas-vindas.
Entretanto, Buenos Aires faz jus à imagem de uma cidade com uma vida vibrante.
Num passeio ocasional, aqui perto, ao acercar-me de um cruzamento, observo que no mesmo se encontram paradas algumas centenas de pessoas.
Presto atenção e verifico que todos estão atentos a um indivíduo, jovem, de traje original, que simula uma série infindável de situações, utilizando a expressão da mímica. Ele comunicava com transeuntes, carros e respectivos condutores, autocarros e tudo o que se movesse naquele cruzamento.
Foi um espectáculo de rua extraordinário, que a todos agradou.
Imaginei que em Portugal, ou em qualquer outro país seria igualmente um êxito. Pelo sim pelo não, no final da actuação, contactei o artista, que dá pelo nome de Mimo Tuga, dei-lhe os parabéns e pedi-lhe os contactos.
Se alguém o quiser convidar para actuar noutro país, ele está interessado, e eu tenho os seus contactos.
É um divertimento garantido!
Antes de deixar Buenos Aires, tenho a oportunidade de rever a Vilma e o Óscar, e a Carolina, que conheci há poucos dias na Pousada Camino Real.
A Carolina está também numa fase de transição profissional, por decisão dela, pretendendo continuar a sua vida noutros moldes, como escritora de viagens.
Depois de 37 dias na Argentina, é tempo de viajar para o Chile, mais precisamente para Santiago.
À minha frente, vejo algumas vacas que pastam num terreno ondulado, com poucas árvores e bastante vegetação rasteira, que nesta época do ano está seca, por falta de chuva.
À minha esquerda, a cem metros de distância, cerca de vinte cavalos aguardam a oportunidade de serem montados.
Atrás de mim, algumas ovelhas e cabras passeiam pelo campo, na companhia de quatro cães perdigueiros. Perto de mim, uma cadela pastor-alemã, a Mate, não deixa de me tentar para que lhe atire um pau, ou uma pedra, que ela apanha com uma rapidez impressionante.
À nossa volta o silêncio é de ouro, sendo apenas interrompido pelo canto de aves que têm os seus ninhos nas copas das árvores à sombra das quais está o recinto onde se encontram os cavalos.
O ambiente é bucólico, e era mesmo o que eu queria para esta fase da viagem, ou será que deveria dizer, para esta fase da minha vida?
Mas vamos começar pelo princípio desta etapa …
Cheguei a Córdoba já noite avançada, depois de ter voado de San Miguel De Tucumán, via Buenos Aires, onde acabei por passar muitas horas no aeroporto, devido a um atraso no voo final.
Hospedo-me num hotel confortável, no centro da cidade.
No dia seguinte, avanço para o reconhecimento habitual de uma cidade desconhecida.
Visito o local de informações turísticas, instalado no edifício designado como “Cabildo”, sede do poder colonial castelhano, onde me dizem que turistas portugueses, aqui em Córdoba, são raros. Nada que me surpreendesse, já que tenho ouvido o mesmo comentário em quase todos os locais por onde tenho passado.
Passeio a pé pela área central da cidade, com várias ruas pedonais interligadas por pátios interiores que atravessam os edifícios que formam estes quarteirões.
Aliás, estas mesmas ruas pedonais foram adaptadas à circulação das pessoas, tendo uma cobertura de plantas trepadeiras que crescem em estruturas metálicas ali colocadas para este fim.
De resto, esta área urbana é ocupada por inúmeras casas comerciais, o que atrai as pessoas.
A cidade de Córdoba alberga uma das universidades mais antigas da América do Sul, nascida em 1621, o que faz com que tenha uma importante população estudantil.
A reitoria da universidade está instalada numa parte dos edifícios que os Jesuítas edificaram em Córdoba, pouco depois da fundação da cidade, no século XVII, sendo o conjunto arquitectónico conhecido como a “Manzana” dos Jesuítas.
Este conjunto, do qual faz parte a Igreja da Companhia de Jesus, é hoje património cultural da humanidade, bem como uma série de missões jesuíticas que se encontram disseminadas pela região.
Nos dias de fim-de-semana, decorre em Córdoba a feira “Passeio das Artes”, a qual tem o horário estranho de começar a partir das 17 horas, prolongando-se noite fora. Esta feira decorre ao ar livre, numa área tranquila da cidade, e nela se expõem trabalhos artesanais contemporâneos, assim como antiguidades.
Ao passear pela feira, detive-me à conversa com dois livreiros, Enrique, pai e Mara, filha, que ali se dedicam à venda de livros.
Uma vez mais, é citado o nome de José Saramago, e da sua obra, certamente muito popular na Argentina. De facto, ao longo desta minha estada na Argentina, várias pessoas, desde motoristas de táxi a empregados de restaurantes, têm referenciado o nome do escritor português, após saberem da minha origem.
Numa das noites passadas em Córdoba, fui jantar a um restaurante recomendado, La Mamma, onde poderia comer algo que não carne, da qual já estou farto.
Apanhei um táxi e, ao chegar ao local, enquanto pagava o serviço ao motorista, fui surpreendido por alguém que abriu a porta do táxi. Observei tratar-se de uma menina, aparentando ter uns dez anos de idade, que tomou aquela iniciativa para ganhar algum dinheiro.
Ao sair do carro, falei com ela, para perceber a sua situação. Disse-me, com correcção, que ali, naquele cruzamento da cidade, ela e uma amiga “trabalham” para ganharem a vida.
Ao entrar no restaurante, pensando na situação humana na qual tropecei, escolhi uma mesa junto a uma janela, da qual observei o que se passava no cruzamento.
A pequena com quem falei, e a sua amiga, de idade semelhante, abordavam os automobilistas que ali paravam, de cada vez que o semáforo ficava vermelho.
Uma oferecia serviço de limpeza de vidros dos carros e a outra, divertia os passantes com um número de malabarismo, digno de um espectáculo de circo, com limões, em substituição de bolas.
Ao sair do restaurante, dirigi-me a elas para saber algo mais das suas vidas. Disseram-me que ali ficam até cerca das onze horas da noite, quando uma senhora as vai buscar, para regressarem a casa.
Ofereci-me para lhes dar de comer, o que aceitaram. Fui comprar-lhes o jantar, que agradeceram.
De volta ao hotel, a pé, pensei que aquelas duas meninas poderiam ser minhas filhas, ou filhas de qualquer dos meus amigos. Antes fossem!
Antes de chegar ao hotel, passei pela praça central, San Martin, onde decorria uma milonga. Junto à estátua a um dos heróis da Argentina, algumas dezenas de pares dançavam o tango.
Antes de regressar a Buenos Aires, e de deixar a Argentina, quero descansar, num ambiente campestre. De momento, para além de me sentir cansado, devo ter uma gripe, ou algo parecido.
Este é o momento indicado. Escolho uma propriedade de turismo rural, Posada Camino Real (http://www.posadacaminoreal.com.ar/) situada cerca de uma hora e meia a norte de Córdoba, onde vou estar três dias.
De Córdoba, viajo de autocarro para a povoação de Jesus Maria, onde de táxi sigo para o destino, por estrada de terra. Pelo caminho, passamos por Santa Catalina, a maior das Missões Jesuíticas da região.
Santa Catalina foi fundada pelos jesuítas em 1622, que ali desenvolveram uma actividade agropecuária importante, a qual abastecia outras missões da ordem.
Depois da expulsão dos jesuítas de Espanha e seus territórios coloniais, na segunda metade do século XVIII, a coroa espanhola vendeu a particulares as missões edificadas pelos jesuítas. No caso de Santa Catalina, desde então, a propriedade pertence à mesma família.
Pelo antigo caminho real, que se dirigia para norte até ao alto Peru, chego à Posada Camino Real. Antes de chegar, sabendo que os proprietários estariam ausentes, imaginei que iria ser recebido por pessoas idosas mas, enganei-me redondamente.
À chegada, esperam-me a responsável pela pousada, Agustina, e o Aldo, ambos jovens, com menos de trinta anos de idade.
A Agustina, é natural de Buenos Aires, onde residiu até há poucos anos, quando, “cansada de sobreviver na grande metrópole argentina”, segundo as suas palavras, decidiu procurar melhores condições de vida noutro lugar.
O Aldo, é paraguaio, filho de uma médica, e decidiu emigrar há menos de um ano, também na expectativa de alcançar uma vida melhor.
Para além destes dois jovens, conheço outros dois que fazem parte da equipa de serviço, que destaco: a Eugenia, jovem cordobesa, recém formada em cozinha, que aqui se encarrega da confecção da comida, com arte, e o Roque, que cuida dos cavalos da propriedade com os quais tem uma relação afectiva especial.
A propriedade tem cerca de seiscentos hectares de terreno, o que para a escala da Argentina, significa tratar-se de uma pequena propriedade.
Depois de instalado no meu quarto, constato que sou o único hóspede que aqui está, pelo que todas as atenções do grupo de trabalho me são dirigidas.
Para já, a prioridade é descansar. Depois de almoçar, vou dar um passeio a pé, e não vou só. A Mate, a cadela pastor-alemã, segue-me como se fossemos velhos conhecidos.
Ao regressar, deito-me e durmo uma sesta, o que já não fazia há muito tempo.
Mais tarde, janto e comprovo que a Eugenia tem talento para a cozinha. O Aldo, que também assegura o serviço de mesa, mostra-se inexcedível nas atenções para comigo.
Ao segundo dia arrisco um passeio a cavalo. Que me lembre, há pelo menos dez anos que não montava nenhum cavalo, depois de, há muito mais tempo, ter aprendido a montar numa escola da GNR, em Lisboa.
O Roque escolheu para minha montada a Rubia, uma égua paciente. Somos acompanhados pela Eugenia, que só desde que aqui trabalha aprendeu a montar, e pelos cinco cães da propriedade que são profundos conhecedores da região já que, vão livremente à nossa frente, farejando incessantemente, espantando algumas das muitas aves que se encontram nos campos, e assustando algumas vacas que pastavam tranquilamente.
Durante duas horas e meia, os oito, para além dos cavalos, passeamos por montes e vales, sempre a passo nós e os cavalos, e em correrias desenfreadas os cães, que se divertiram ainda mais do que nós.
Ao fim do segundo dia no paraíso, chegam mais hóspedes. Um deles, a Carolina, argentina, é jornalista de viagens e está de visita a esta região, por razões profissionais.
A Carolina só fica cá uma noite. Na pousada proporcionam-lhe o melhor, naturalmente. Apesar do pouco tempo que a Carolina aqui fica, conseguimos conviver no decurso de um passeio matinal com os cavalos, e fico com interesse em conhecê-la melhor.
Chegada a hora de viajar para Buenos Aires, é com tristeza que me despeço dos amigos da Pousada Camino Real.
Em Córdoba, apanho um autocarro que viaja de noite pelas planícies que se espraiam até Buenos Aires. São pouco mais de 700 km percorridos em cerca de nove horas, com chegada a Buenos Aires de manhã cedo.
Apanho um táxi para me levar ao apartamento onde já havia estado anteriormente, no bairro de Recoleta. Este, não é distante do Terminal de autocarros mas, o motorista que me conduz, quer mostrar-me outras áreas de Buenos Aires, pelo que tenta levar-me a passear.
Como eu identifiquei a artimanha, usa outro estratagema para me tentar enganar. Fala-me de um novo dinheiro, codificado, que estaria agora em circulação. Enfim, o conto do vigário, na versão argentina.
Não tive outro remédio senão sair antes de chegar ao destino, e apanhar outro táxi, este sim, conduzido por um profissional, que se indignou quando lhe contei o sucedido.
Já familiarizado com a área de Recoleta, revisito locais de que gosto, e descubro com prazer, que uma das casas de gelados de que mais gosto, Un’ Altra Volta, abriu uma gelataria no bairro. Não resisto à tentação e, enquanto como um gelado, observo que a casa tem muitos ramos de flores, magníficos, que foram oferecidos por outras casas comerciais do bairro, acompanhados por cartões de boas-vindas.
Entretanto, Buenos Aires faz jus à imagem de uma cidade com uma vida vibrante.
Num passeio ocasional, aqui perto, ao acercar-me de um cruzamento, observo que no mesmo se encontram paradas algumas centenas de pessoas.
Presto atenção e verifico que todos estão atentos a um indivíduo, jovem, de traje original, que simula uma série infindável de situações, utilizando a expressão da mímica. Ele comunicava com transeuntes, carros e respectivos condutores, autocarros e tudo o que se movesse naquele cruzamento.
Foi um espectáculo de rua extraordinário, que a todos agradou.
Imaginei que em Portugal, ou em qualquer outro país seria igualmente um êxito. Pelo sim pelo não, no final da actuação, contactei o artista, que dá pelo nome de Mimo Tuga, dei-lhe os parabéns e pedi-lhe os contactos.
Se alguém o quiser convidar para actuar noutro país, ele está interessado, e eu tenho os seus contactos.
É um divertimento garantido!
Antes de deixar Buenos Aires, tenho a oportunidade de rever a Vilma e o Óscar, e a Carolina, que conheci há poucos dias na Pousada Camino Real.
A Carolina está também numa fase de transição profissional, por decisão dela, pretendendo continuar a sua vida noutros moldes, como escritora de viagens.
Depois de 37 dias na Argentina, é tempo de viajar para o Chile, mais precisamente para Santiago.
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