06 abril 2007

A ILHA DO SUL – DE FOX GLACIER A PICTON

A minha viagem para sul, pelo lado ocidental da Ilha do Sul, continua.
De Fox Glacier, sigo hoje para Wanaka, pequena cidade situada a norte de Queenstown, por uma estrada que se revelou absolutamente inesquecível.
Na região dos glaciares as condições meteorológicas estão más, pelo que me resigno a viajar debaixo de chuva.
A primeira parte do percurso, até à povoação de Haast, é feita a curta distância da costa, parcialmente com o mar à vista. Cruzo muitos rios, com caudais turbulentos, que trazem água e muita pedra das montanhas próximas. A maior parte das pontes sobre os rios são de via única, tendo os condutores que respeitar a sinalização que estabelece prioridade para um dos sentidos. Na NZ, em todas as regiões por onde tenho viajado, mais de metade das pontes são de via única. Imagino que esta característica se deve ao facto de não haver tráfego que justifique a construção de pontes de duas vias na maioria das estradas do país.
A partir de Haast, a estrada dirige-se definitivamente para o interior, ao longo do rio Haast, que tem um leito muito largo, embora não leve agora muita água.
Em breve, no lado direito da estrada surgem montanhas volumosas com vegetação densa. Esta área corresponde ao extremo norte do Parque “Mount Aspiring”, o terceiro maior da NZ. Durante 140 km, a estrada leva-me ao longo do parque, ainda com chuva, pelo que das encostas escarpadas das montanhas, jorram inúmeras cascatas, cuja água se despenha até à estrada.
Ao longo do caminho, encontro vários percursos pedestres sinalizados, para passeios no parque. Infelizmente, por razões diversas, não posso parar para passear a pé, com a excepção dum curto passeio que me leva às cataratas “Thunder Creek”, e pouco depois, no “Haast Pass”, onde existe uma ponte apertada, por baixo da qual o rio corre turbulento, entre rochas volumosas.
Por entre montanhas e florestas densas, prossigo a viagem, agora já sem chuva até que, chego ao extremo norte do Lago Wanaka, sabendo que o meu destino do dia é a cidade com o mesmo nome do lago, Wanaka, que se situa na ponta oposta do lago. Embora relativamente estreito, mais ou menos a largura do Rio Tejo frente a Lisboa, o Lago Wanaka tem várias dezenas de quilómetros de comprimento.
Antes de chegar a Wanaka, cidade, a estrada afasta-se temporariamente do lago que apresentei, para tocar um outro vizinho, o Lago Hawea, não tão grande como o primeiro mas mesmo assim, de dimensões consideráveis.
Chegado a Wanaka, encontro uma pequena cidade excelentemente localizada à beira do lago, com montanhas em fundo, e uma marginal cuidada, com extensas áreas ajardinadas, que permitem às pessoas usufruir da beleza do local de modo privilegiado.
Nesta altura, junto ao lago, está patente ao público uma exposição fotográfica que esteve em Lisboa há poucos anos, do Fotógrafo francês Yann Arthus- Bertrand, dedicada ao planeta Terra, visto do ar. A exposição foi muito bem montada, em dezenas de painéis ao longo de centenas de metros, junto ao lago, podendo ser visitada a qualquer hora do dia ou da noite.
Aqui, no lago, vivem muitas aves marinhas, particularmente patos e gaivotas. Se bem que por toda a NZ as aves demonstrem alguma confiança nos seres humanos, não fugindo destes à menor aproximação, foi aqui que presenciei as melhores relações entre estas duas espécies, as aves e os humanos.
Várias vezes observei que, pessoas que se sentavam perto do lago para comer, eram abordadas de imediato por patos, gaivotas e pardais, que lhes faziam companhia, indo comer à mão das pessoas, quando para isso convidadas.
Em Wanaka, fico hospedado em casa do casal Caroline e Suzie, ambas britânicas, que emigraram há quase dez anos para a NZ, não pensando regressar à Europa.

Wanaka é mais um exemplo de, como na NZ a qualidade de vida é medida não em função da quantidade de centros comerciais, que não existem em Wanaka, mas sim pela qualidade ambiental e urbana.
Para além dos lagos, e do grande Parque “Mount Aspiring”, Wanaka tem nas proximidades duas estâncias de desportos de Inverno, de nível internacional, que asseguram um fluxo permanente de visitantes.
Não visitei nenhuma destas estancias, até porque as montanhas ainda têm pouca neve mas, as minhas anfitriãs disseram-me que, há poucos anos atrás, foi apresentado à comunidade um projecto que visava a construção dum teleférico que iria transportar pessoas do sopé duma das montanhas, até ao cume, onde existe uma estancia de esqui.
Este projecto foi sujeito a um referendo local, e foi reprovado, para que a área de implantação, de grande beleza paisagística, como pude constatar, não fosse afectada.

De Wanaka, sigo para sul, com destino a Te Anau (pronuncia-se “tiánau”). Para lá chegar, tenho que passar por Queenstown, a cidade mais cosmopolita do lado ocidental da Ilha do Sul.
Antes de lá chegar, passo por Arrowtown, uma pequena localidade de interesse histórico, devido à prospecção de ouro, no final do século XIX, o qual trouxe muitos forasteiros para este local, nomeadamente chineses.
Hoje, já sem a riqueza do ouro, a povoação vive do turismo, mantendo o seu património arquitectónico em bom estado, para além de estar situada numa área de grande beleza paisagística.
Queenstown tem uma localização privilegiada, também junto a outro grande lago, Wakatipu, e está rodeada de montanhas que dificultam o crescimento urbano. A cidade tem uma imagem orientada para os chamados desportos radicais, reclamando ser o principal centro nacional para todo o tipo de actividades que desafiam as regras tradicionais. A título de exemplo, refiro que foi na NZ que o “bungee jumping” foi inventado
Assim, não me surpreendo ao encontrar em Queenstown uma grande quantidade de lojas de empresas que vendem serviços e produtos dedicados a actividades mais ou menos estranhas, que podem ser praticadas na região.
Como este não é um tema que me seduza, passo apenas umas horas em Queenstown, onde almoço, para seguir a minha viagem.
Daqui até Te Anau, percorro mais uma bela estrada, primeiro ao longo da margem oriental do Lago Wakatipu, com as montanhas à minha esquerda, para depois a paisagem se tornar mais ampla, com extensos campos agrícolas, onde predominam grandes rebanhos de ovelhas, vacas e veados.
Ao fim da tarde, chego a Te Anau, pequena povoação, igualmente localizada frente a um vasto lago, Te Anau. Aqui, a grande atracção é o que se vislumbra no lado oposto do lago, a natureza. Talvez pelo facto de não haver qualquer sinal de presença humana na margem oposta do lago, ocupadas por extensas florestas que cobrem as encostas das montanhas, vive-se um clima de grande tranquilidade, como se o mundo estivesse em equilíbrio.

A partir de Te Anau, tenho acesso ao maior parque natural da NZ, Fiordland, com 1.200.000 hectares de superfície. O Parque Fiordland, património natural da humanidade, tem algumas das maiores atracções da NZ, particularmente as áreas costeiras designadas Milford Sound e Doubtful Sound, e o Milford Track.
Como tenho limitações de tempo, escolho visitar Milford Sound, e caminhar durante um dia no Milford Track.
Para desfrutar ao máximo destes templos da natureza, observo cuidadosamente as previsões meteorológicas para os próximos dias, já que esta região tem níveis extraordinariamente elevados de pluviosidade, chegando nalgumas áreas do parque aos 8.000 milímetros de chuva por ano, e alterações frequentes do tempo.
Assim, decido começar pelo Milford Track já que, o programa inclui uma caminhada de cerca de 11 km, durante aproximadamente cinco horas.
Para se perceber melhor quão instáveis são as condições meteorológicas nesta região, cito dois casos concretos, ambos recentes. Quando estive em Auckland, referi que a Lisa, Richard e Rachel se preparavam para caminhar o Milford Track na íntegra (53,5 km feitos em quatro dias). Isso aconteceu no passado mês, e segundo eles, durante os quatro dias tiveram um tempo magnífico, com sol, sem chuva, o que é extraordinário.
Condições opostas encontrou um casal australiano que teve a sua primeira experiência no Milford Track, e que experiência, há poucos dias.
Segundo eles, desde o primeiro dia que tiveram chuva e, ao terceiro dia, o terreno estava praticamente intransitável, tendo que caminhar frequentemente com água acima da cintura. A paisagem era de estarrecer, pois as montanhas transformaram-se em gigantescas cataratas.
Com condições tão adversas, acabaram prematuramente o passeio, sendo evacuados de helicóptero.
No meu caso, com previsões meteorológicas favoráveis, parti de Te Anau integrado num grupo de dez visitantes (de países tão diversos como o Japão, Canadá, EUA, Irlanda e Israel), conduzido pelo Richard, jovem e competente guia neozelandês.
De Te Anau, viajamos de autocarro ao longo da margem oriental do Lago Te Anau, durante cerca de trinta minutos, até chegarmos a um cais onde se encontra o catamarã que nos transportará até ao extremo norte do lago, numa viagem de uma hora. Esta é a forma como a maioria dos caminhantes do Milford Track chega ao local onde se inicia o percurso pedestre. Como não existe qualquer estrada nesta região do Parque Fiordland, não é possível chegar de carro ao ponto de partida, nem ao final, do Milford Track.
Este passeio pedestre goza de bastante prestígio no mundo dos caminhantes, e é por muitos considerado como “o mais bonito do mundo”. Antes de iniciar esta viagem, li vários relatos entusiasmantes de caminhantes deslumbrados com a experiência.
Para se perceber a dimensão da experiência de caminhar no Milford Track, há que dizer que, quando saímos da povoação de Te Anau para chegarmos ao inicio do percurso, entramos noutro mundo, onde a natureza não foi, felizmente, significativamente afectada pela presença humana. O gigantesco Parque Fiordland, que é como que um mar de montanhas, tem a ocidente o Mar da Tasmânia, e a oriente raros e pequenos aglomerados populacionais.
O Lago Te Anau, que percorremos durante uma hora, é o segundo maior da NZ (o primeiro encontra-se na Ilha do Norte, e é o Lago Taupo), com 357 km quadrados de superfície, 517 km de perímetro, 66 km de comprimento e, graças à sua grande profundidade, de várias centenas de metros, é o lago com o maior volume de água doce de todo o Hemisfério Sul.
À medida que o barco avança em direcção ao extremo norte do lago, as montanhas que o circundam, com alturas variáveis entre os 1.000 e os 2.000 metros de altura, com um pouco de neve nos cumes mais altos, vão-se aproximando do barco, já que o lago se torna cada vez mais estreito. Nas margens, só se vêm árvores, e nenhuma construção.
No final da viagem, um pequeno cais recebe o barco, dele saindo umas dezenas de caminhantes, uns, como eu, para passar apenas algumas horas neste paraíso, e os restantes, para iniciarem o percurso completo do Milford Track, de quatro dias.
Perto do cais, uma tabuleta identificativa do Milford Track é ponto obrigatório para uma fotografia, tal é a popularidade deste passeio pedestre, classificado como um dos nove grandes passeios da NZ.
Guiados pelo Richard, iniciámos o nosso percurso, primeiro ao longo do lago, para pouco depois sairmos do trilho habitual do Milford Track, iniciando a ascensão duma encosta montanhosa ao longo do leito seco dum ribeiro. Este desvio, só é praticável nesta época do ano, quando chove menos.
No topo da encosta encontramos um pequeno rio cujas águas correm velozmente, junto ao qual paramos para descansar e comer.
Após o descanso, reiniciamos a caminhada, noutra direcção, entrando numa floresta densa, característica desta região húmida, onde imperam os líquenes e musgos que cobrem as outras espécies. Ultrapassada a floresta, chegamos a um vale com um rio de caudal apreciável, embora sereno. Cruzamos o rio para a margem oposta através duma ponte suspensa, e é aqui que reparo na incrível transparência das águas deste rio, quase irreal.
Após cruzarmos a ponte, caminhamos durante cerca de meia hora ao longo do rio, não resistindo a parar várias vezes para admirar a belíssima paisagem. Em determinado ponto, encontramos um desvio sinalizado como “Wetland Walk”, o qual seguimos, entrando numa passadeira de madeira que percorre uma área plana totalmente coberta por musgos e líquenes espessos e de cores diversas, como nunca havia visto. Nesta área, a água acumulada no solo é muita, pelo que a cobertura vegetal parece uma esponja.
Regressados ao trilho principal, seguimos até atingir um local com construções, onde se situa o albergue para os que caminham a totalidade do Milford Track pernoitarem no primeiro dia. Este e os restantes albergues do Milford Track, geridos pelo DOC, podem receber quarenta caminhantes por noite, havendo um outro grupo de albergues, geridos por uma empresa particular, Ultimate Hikes, que proporciona basicamente o mesmo passeio pedestre, com guias, podendo neste caso, os utilizadores do Milford Track caminhar com uma carga reduzida, já que usufruem dos serviços hoteleiros proporcionados pela empresa que os conduz no parque. Esta rede privada de albergues tem a capacidade de cinquenta lugares, pelo que, no máximo, por dia, apenas noventa pessoas podem pernoitar no percurso do Milford Track.
Após um curto descanso, invertemos a nossa marcha para regressar ao ponto de partida, agora sempre pelo trilho principal.
Ao final da tarde, chegamos ao cais onde já se encontra o barco que nos transporta de novo pelo lago. Para além dos que caminhámos durante o dia, também estão no barco alguns membros do DOC que trabalham no Parque Fiordland. Uma dessas pessoas é a Ruth, Governanta dum dos albergues que, quando lhe perguntei se gosta do trabalho que tem, me respondeu: “trabalho no melhor escritório do mundo”. De Outubro a Abril, trabalha oito dias consecutivos, após o que descansa seis, durante os quais vai visitar o marido, que reside na quinta de que são proprietários, a sul de Te Anau.
Para definir o passeio deste dia no percurso do Milford Track, digo que foi o melhor passeio da minha vida!

No dia seguinte, com previsão de chuva, decido ficar em Te Anau.
Ao longo deste dia, ainda cansado do esforço do dia anterior, faço um curto passeio a pé nas imediações do lago, onde termina outro dos nove grandes passeios da NZ, o Kepler Track. Inevitavelmente, aqueles com quem falo manifestam-se encantados com a experiência.
Cerca de 20 km a sul de Te Anau está a povoação de Manapouri, frente a outro grande lago, com o mesmo nome, que visito, de carro. É a partir deste lago que se chega a um dos fiordes mais visitados da região, o Doubtful Sound. Por opção, não visito este fiorde mas, não perco a oportunidade para visitar o Milford Sound.
A experiência de visitar Milford Sound, é uma combinação duma viagem inesquecível por uma estrada, pela qual se penetra no Parque Fiordland, para chegar ao inicio do Milford Sound, onde nos espera outra viagem inesquecível, de barco, até ao Mar da Tasmânia.
Como sabia de antemão que a viagem de 120 km, cerca de duas horas, para chegar a Milford Sound seria fascinante, optei por viajar de autocarro, para poder desfrutar o melhor possível das belíssimas paisagens.
Assim, manhã cedo, com um tempo radioso, sol e céu azul, praticamente sem nuvens, eu e mais umas dezenas de outros visitantes, percorremos a estrada cujo único destino é Milford Sound. Inicialmente, a estrada percorre a margem oriental do lago Te Anau, para depois se afastar deste, entrando então no território do Parque Fiordland, para penetrarmos densas florestas, intercaladas com lagos e pequenos rios, que nalguns casos nos brindam com pequenas cascatas.
Em determinado local, encontramos uma placa na berma da estrada que assinala o ponto situado a 45º de latitude sul, que é equidistante do equador e do pólo sul.
Ao longo deste percurso, o autocarro em que viajo faz algumas paragens, umas para apreciarmos melhor alguns pontos do parque, e num caso, para os passageiros poderem utilizar uma instalação sanitária, situada à beira da estrada, em local ermo, onde ninguém vive. No meu caso, não tive necessidade de utilizar a casa de banho, pelo que fiquei no exterior, a conversar com o motorista e guia, Alex, neozelandês, homem de sentido de humor apurado, como várias vezes pude constatar, como por exemplo, quando após termos presenciado as traquinices de algumas “kea” (papagaio alpino, originário da NZ), aves bastante sociáveis e astutas, que aproveitam todas as oportunidades para se apoderarem de coisas, particularmente comida, que estejam ao alcance delas.
O Alex disse-nos que, há poucos anos, presenciou um programa de televisão no qual especialistas em aves elogiaram as capacidades e inteligência desta espécie. Logo a seguir, opinou que, precisamente pela sua inteligência, as “kea” vivem na NZ e não na Austrália. Os australianos que estavam no grupo, não reagiram.
Voltando à instalação sanitária, quando os passageiros que a utilizaram regressavam ao autocarro, uma senhora comentou com o motorista que aquela era, segundo ela, a melhor casa de banho pública do mundo, quer pela localização, quer pela qualidade das instalações.
Retomando o caminho, já na parte final, entre várias montanhas, onde nos cumes das mais altas já existe neve, encontramos um longo túnel, após o que a paisagem se abre repentinamente num majestoso anfiteatro natural, de rocha granítica, que percorremos numa descida acentuada e sinuosa, até chegarmos ao ponto de embarque para Milford Sound.

Nesta área, para além dum grande e moderno terminal para passageiros que utilizam os barcos que percorrem Milford Sound, existe um pequeno porto pesqueiro, utilizado por pequenas embarcações de pesca, que operam na área, para pescar essencialmente lagosta.
Dada a grande afluência de visitantes a esta região, existe um aeródromo nesta área, com mais movimento de aeronaves que muitos aeroportos do país. As aeronaves que aqui operam são pequenos aviões e helicópteros, que transportam turistas, possibilitando uma visão aérea dos fiordes e montanhas circundantes. Atendendo ao facto desta ser uma área natural de grande qualidade, discordo da utilização comercial de meios aéreos, que provocam necessariamente alguma perturbação.
Do terminal marítimo, partimos para um outro passeio encantatório ao longo das margens do fiorde Milford Sound, até atingirmos o Mar da Tasmânia, naquele dia bastante calmo, numa distância de aproximadamente 14 km.
Este fiorde, rodeado de montanhas graníticas, algumas com mais de 1.000 metros de altura, tem uma largura variável entre os 400 e os 2.000 metros, e entre 100 a 300 metros de profundidade.
Dos cumes montanhosos, caem para o mar muitas cascatas, embora este aspecto seja mais espectacular quando chove, altura em que, segundo as palavras daqueles que ali estiveram com chuva, as encostas das montanhas transformam-se em enormes quedas de água.
Numa das cascatas, o navio em que viajei apontou à margem e aproximou-se tanto da rocha que, um dos tripulantes se colocou na proa do navio, com um jarro na mão, o qual encheu com água da catarata, para depois a servir em copos, a quem a quis beber.
Este número de perícia do capitão do navio tem o valor acrescentado da água que se despenha da montanha ser pura, a ponto de poder ser bebida. Mais tarde, na viagem de regresso a Te Anau, o motorista do autocarro parou junto a um ribeiro, sugerindo que aqueles que quisessem aproveitar para beber água directamente do ribeiro, poderiam fazê-lo sem qualquer receio, tendo ele dado o exemplo. Perguntei-lhe há quanto tempo é que ele bebia água daquele curso de água, ao que ele me respondeu que o faz desde que trabalha naquele percurso, há quinze anos.
Desde que estou na NZ, em todos os locais por onde passei, os residentes bebem água das torneiras, sendo a mesma servida nos restaurantes, de todas as categorias, sem restrições, o que atesta a elevada qualidade da água distribuída pela rede pública.

Após o regresso a terra, empreendemos a viagem de regresso a Te Anau, com algumas paragens, para apreciarmos mais alguns pontos interessantes do percurso.
Antes de partir de Te Anau, tive a oportunidade de visitar um cinema (http://www.fiordlandcinema.co.nz/) construído recentemente, onde diariamente é projectado um filme, Shadowland, criado e produzido por um empresário local, proprietário duma empresa de helicópteros, sobre o Parque Fiordland.
O filme é muito interessante, apresentando o parque essencialmente na perspectiva aérea mas, é de realçar a coragem do autor, que investiu não apenas no filme, mas também na construção dum excelente cinema, para potenciar o valor do seu trabalho.

O Parque Fiordland foi o último ponto visitado no lado ocidental da Ilha do Sul. De Te Anau, viajo para o lado oriental da ilha, para Dunedin. Este é um percurso por vastas terras agrícolas, onde sobressaem grandes rebanhos de gado.
Dunedin é uma importante cidade universitária, situada no litoral, junto a uma península reconhecida essencialmente pela riqueza da vida animal, a Península de Otago.
A minha visita coincidiu com o aniversário da cidade, num fim-de-semana, pelo que tive alguma dificuldade em encontrar alojamento, acabando por consegui-lo numa casa de turismo de habitação, na península, a cerca de meia hora de Dunedin.
Numa curta visita à cidade, encontrei uma população jovem, pela existência da universidade, com muitos asiáticos, e alguma arquitectura de interesse, nomeadamente a estação ferroviária, imponente, em estilo vitoriano.
Desta estação, parte um comboio que efectua um percurso que goza de bastante popularidade entre os apreciadores de viagens ferroviárias, chamado Taieri Gorge Railway (http://www.taieri.co.nz/).
A Península de Otago é visitada sobretudo pela existência de duas espécies animais, difíceis de encontrar noutras regiões da NZ. Uma dessas espécies, é o albatroz “Royal Northern”, que aqui nidifica, o que não acontece em nenhum outro local habitado por seres humanos, no mundo.
A outra espécie animal que atrai a atenção dos visitantes é o pinguim de olhos amarelos, o mais raro de todos os pinguins.
Tendo apenas um dia para visitar esta região, calhou-me um dia de nevoeiro cerrado, pelo que me limitei a viajar até ao extremo da península, visitando as instalações do centro que controla o território onde os albatrozes nidificam (http://www.albatross.org.nz/).

De Dunedin, viajo para norte, ao longo da costa, em direcção a Christchurch, a cidade mais populosa da Ilha do Sul.
No percurso, paro em Oamaru, pequena cidade localizada à beira-mar, com um núcleo interessante de edifícios históricos ocupados por actividades comerciais de interesse para os visitantes.
Oamaru, também se orgulha de ter no seu território duas colónias de pinguins, uma de olhos amarelos, e outra de pinguins azuis, os mais frequentes na NZ.
Curiosamente, estas duas espécies vivem em locais distintos, não se dando uma com a outra. Como estes animais passam a maior parte do tempo no mar, regressando normalmente a terra ao final da tarde, limitei-me a visitar o centro de apoio aos visitantes da colónia de pinguins azuis (http://www.penguins.co.nz/), construído e mantido pela comunidade local, absolutamente exemplar acerca de como neste país os interesses das comunidades são levados a sério.

Christchurch, revelou-se uma cidade bastante interessante, pelo desenho urbano, a arquitectura, e os espaços culturais e de lazer. Comparando Christchurch com as restantes cidades principais da NZ, que já visitei, esta é a que mais me agrada.
Ao longo dos poucos dias que aqui passo, visito algumas das principais atracções da cidade, de que destaco um interessante centro de actividades artísticas e artesanais, instalado num importante conjunto arquitectónico antigo, inicialmente construído para um estabelecimento escolar, e o excelente Jardim Botânico, com trinta hectares de superfície, que para além de espécies botânicas valiosas, conta com uma fonte de desenho original, diversas obras de arte, e uma parte do leito do Rio Avon, que cruza a cidade.
Durante a minha estada em Christchurch, tenho a oportunidade de visitar um casal de amigos, a Marie e o Des, que conheci em Wellington.
Ex-agricultores, agora reformados, vivem nos arredores de Christchurch, numa urbanização recente, orgulhosos da sua cidade.
Nesta altura da minha viagem, tenho a oportunidade de trocar de carro, já que o que vinha utilizando se apresentava pouco fiável.
Agora sei que, na NZ, muitas empresas de aluguer de automóveis utilizam viaturas usadas, importadas do Japão, nem sempre nas melhores condições mecânicas.

Próxima de Christchurch encontra-se a Península de Banks, pedaço de terra criado por erupções vulcânicas, e por isso bastante acidentada. Num passeio à península, em dia de chuva e nevoeiro, visitei Akaroa, a principal localidade desta região.
Akaroa é uma povoação pitoresca, localizada frente ao mar, com casario antigo, e sinais de influência … francesa. Esta influência deve-se ao facto da localidade ter sido fundada por uma comunidade gaulesa, em 1840, o que constitui caso único na NZ

De Christchurch, sigo em direcção a norte, até Kaikoura, a minha última paragem na Ilha do Sul, antes de empreender o meu regresso à Ilha do Norte.
As últimas dezenas de quilómetros deste percurso revelam-se espectaculares, com a estrada a acompanhar a costa, recortada por grandes baías, com montanhas cada vez mais altas à minha esquerda, muito próximas do mar, de tal modo que, uma linha férrea que segue paralela à estrada, passa por vários túneis.
Entretanto, à medida que conduzo, reparo na grande quantidade de aves marinhas que povoam esta área do litoral, e na existência de muitas algas à superfície do mar. Estes são bons indícios para aquilo que me traz a Kaikoura, que é a observação da vida animal marinha, nomeadamente baleias e golfinhos.
Efectivamente, Kaikoura goza de excelente reputação no que respeita à riqueza da fauna que habita nas suas águas, sendo considerado o melhor local, e o mais acessível, para observação de baleias e golfinhos.
De qualquer modo, embora a povoação seja modesta, tem uma localização fantástica, frente a uma grande baía, que se prolonga numa pequena península, tendo por trás uma impressionante muralha montanhosa, com picos acima dos 2.000 metros.
Para melhor avaliar as características geográficas da região, nada melhor que ir até ao extremo da península, onde existem excelentes condições para apreciar as belezas naturais. Aqui, para além de podermos observar uma parte das espécies animais que habitam na região, nomeadamente aves marinhas e focas, temos ao nosso dispor um magnífico passeio pedestre, mais um, Kaikoura Peninsula Walkway, que nos leva ao longo da costa, ao nível do mar ou, a umas dezenas de metros de altura, sobre as falésias, observando o oceano num dos lados e, no outro, a península com a povoação ao fundo, e mais ao longe, a muralha de montanhas, que no Inverno se apresenta normalmente com os picos cobertos de neve.
Neste passeio, recentemente sujeito a obras de requalificação, não posso deixar de referir o excelente miradouro construído em madeira e ferro, com a forma duma embarcação, com painéis informativos sobre as características geológicas, botânicas e da fauna local, localizado no inicio do percurso.

Das várias opções de serviços para observar a vida animal da região, opto por uma viagem de barco, para ver baleias que, no caso das “sperm whales”, habitam aqui durante todo o ano. Claro que, quando se trata de ver determinadas espécies animais, não podemos ter qualquer garantia de sucesso. No entanto, as condições para a observação de baleias nesta região, são tão boas que, a empresa que disponibiliza este serviço, Whale Watch (http://www.whalewatch.co.nz/), reivindica uma taxa de sucesso superior a 90%, o que me deixa animado.
A viagem é feita num catamarã com quase vinte metros de comprimento, excelentes condições de conforto, e um motor muito potente. O navio deixa o cais e, num ecrã situado na cabina onde nos encontramos, observamos a localização do nosso navio, e dois outros da mesma frota que se encontram também a navegar. Para além da localização, também vemos a profundidade do mar, que aumenta vertiginosamente, até ultrapassar os mil metros.
O facto do fundo do mar ser aqui extremamente profundo, associado ao facto destas águas serem muito ricas em nutrientes, ao que parece devido ao facto de se cruzarem aqui duas correntes marítimas, uma vinda do norte, quente, e a outra do sul, fria, faz com que a vida marinha seja abundante.
Passado algum tempo de termos deixado o cais, o navio parou, e fomos informados que, a partir daquele momento, poderiam aparecer baleias à superfície, o que seria monitorizado pelo capitão do navio, mediante a utilização de microfones submarinos, que gravam os sons emitidos pelas baleias, permitindo a sua localização.
Entretanto, próximo do navio, aparecem a flutuar alguns albatrozes e gaivotas. Os albatrozes impressionam pelo seu tamanho, muito superior ao das gaivotas.
Passado poucos minutos, somos informados que uma baleia está prestes a vir à superfície, próximo do navio. Assim, pouco depois do aviso, aparece o corpo duma baleia, da espécie “sperm whale”, que fica imóvel a pouco mais de trinta metros do navio.
Em poucos minutos, aproximam-se os dois outros navios da mesma empresa, informados da presença da baleia.
Ao fim de largos minutos, a “nossa” baleia (baptizada pela tripulação como Tiaki) decide mergulhar, formando o habitual movimento que permite a observação da barbatana caudal, até desaparecer, em direcção às profundezas do oceano.
Passados poucos minutos, somos informados que uma outra baleia, da mesma espécie, foi detectada à superfície por outro dos navios. Em pouco tempo estamos próximo dela, repetindo-se a situação atrás descrita.
Quando esta segunda baleia (Little Nick) desaparece, o capitão dá por terminada a busca de baleias, dirigindo-se para perto da costa.
O passo seguinte, foi a observação de golfinhos, da espécie Dusky, uma das duas que habitam nestas águas, que aparecem em grandes grupos, acompanhando o navio, quer nadando, quer saltando, fazendo piruetas que parecem previamente ensaiadas. Já havia visto, em muitas ocasiões golfinhos, mas nunca em tal quantidade, nem com um comportamento tão exuberante.
Deixámos os golfinhos entretidos com outros navios que estavam na área (um dos programas que aqui estão disponíveis, é o de mergulhar e nadar com golfinhos, o que algumas pessoas de outras embarcações estavam a fazer), para nos dirigirmos ao ponto de partida, passando por um ilhéu rochoso, junto à costa, onde habita uma colónia de focas, estando algumas a gozar o sol radioso da tarde.
Esta viagem fascinante pelo mundo animal desta região durou cerca de duas horas, ao longo das quais pudemos ver tudo o que estava previsto, pelo que me dou por muito satisfeito.

Despeço-me de Kaikoura, fazendo o trajecto até Picton, parcialmente na companhia da Kay, inglesa, que conheci na véspera, na viagem de barco.
A Kay, está também a viajar à volta do mundo, no mesmo sentido que eu, tendo visitado muitos dos países onde eu estive. Curiosamente, ambos começámos as nossas viagens em Junho de 2006.
Casualmente, encontrámo-nos agora, depois de termos percorrido meio mundo.
A estrada que percorremos, acompanha inicialmente a costa, e as montanhas vão decrescendo de altura.
Mais tarde, próximo de Blenheim, onde deixo a Kay, para ela seguir a sua rota, encontramos extensas vinhas, sendo esta uma das principais regiões vinícolas da NZ. De Blenheim, sigo para Picton, para embarcar no navio que me leva de regresso à Ilha do Norte, numa viagem tranquila, com mar calmo.
Agora, restam-me dez dias para me despedir da NZ, o que me vai custar bastante.

2 comentários:

Anónimo disse...

Fernando!

De facto que país extraordinário. Então e os planos de viagem, tudo na mesma?
Estou enganado ou vejo algumas saudades de profissionalismo nessas fotografias. De certeza que farias sucesso na NZ.

Um abraço,

José Manuel

Anónimo disse...

Sr. Fernando,

Fiquei maravilhada com a descrição da sua viagem e ainda mais com as restantes fotografias. O mundo onde vivemos é maravilhoso, é pena que a raça humana não o saiba estimar.

Cumprimentos,

Sofia Abrantes