A ARGENTINA ANDINA – DE HUMAHUACA A TUCUMÁN
A chegada a Salta, capital de uma das províncias do noroeste da Argentina, revela de imediato uma outra realidade da Argentina: as culturas andinas.
Em Salta, as influencias europeias tão evidentes em Buenos Aires, quase não se sentem, tão fortes são as características dos modos de vida indígenas desta região dos Andes.
Salta é hoje a cidade que oferece o maior leque de serviços destinados aos visitantes da região. Apesar de estarmos no Inverno, é notória a presença de muitos visitantes, quer estrangeiros quer nacionais.
Há dias, o principal jornal diário da Argentina, La Nacion, noticiava que o Turismo tem uma importância crescente na economia nacional e que, este ano o país receberá mais de 4.000.000 de visitantes, beneficiando com a desvalorização da moeda argentina, o peso.
A cidade de Salta, popularmente chamada “La Linda”, tem um centro urbano que conjuga a maioria dos principais monumentos, com muito comércio de rua. Quase tudo converge para a Praça 9 de Julho, espaço amplo quadrangular, com um jardim central, na qual se situa a Catedral da cidade, ampla construção do final do século XIX.
Ao passear pela praça, num dos dias, observei que um grande número de jovens, em traje estudantil, se aglomerava à porta da Catedral. Tendo estabelecido contacto com eles, fiquei a saber que ali estavam para participar numa missa dedicada a duas figuras da religião católica, muito queridas pelos residentes de Salta. Tendo entrado na igreja para observar a missa, constatei que a mesma se encheu com largas centenas de jovens, de várias escolas da região. Cada escola, entrou na igreja de forma ordenada, com dois porta-estandartes à cabeça: um com a bandeira da Argentina, e o outro com a da escola.
Para além da Catedral, merece destaque a Igreja e Convento de São Francisco, edifício de fachada exuberante, ricamente iluminado, tal como outros imóveis importantes da cidade.
No que respeita a locais de interesse cultural, visitei o recente Museu de Arqueologia de Alta Montanha – MAAM (http://www.maam.org.ar/), também situado na Praça 9 de Julho, dedicado a um achado arqueológico que ocorreu em 1999 na mais alta montanha vulcânica existente na Argentina, Llullaillaco, junto à fronteira com o Chile.
A 6.700 metros de altitude, uma expedição internacional descobriu três corpos de jovens, sepultados juntamente com inúmeros objectos, há cerca de 500 anos atrás, supondo tratar-se de um sacrifício de acordo com rituais da civilização Inca, que na altura se estendia até ao norte da Argentina.
O museu está soberbamente organizado, e a exposição, constituída sobretudo pelos objectos encontrados juntamente com os corpos, embora restrita a um acontecimento, é muito interessante. De referir que, as múmias dos jovens encontrados, em excelente estado de conservação, não estão ainda expostas, o que deverá acontecer a partir do final do presente ano, numa nova sala.
Apesar da cidade de Salta ter atractivos para me manter activo por vários dias, saio da cidade ao terceiro, para conhecer a região andina, no norte da Argentina.
Das várias possibilidades que se me oferecem, opto por alugar um carro, com o qual me vou deslocar durante uma semana, primeiro para norte de Salta, e mais tarde para sul, até chegar a Tucumán, de onde terei um voo para Córdoba.
No primeiro dia de viagem de carro, saio de Salta (situada a cerca de 1.200 metros de altitude) de manhã cedo, com tempo frio e encoberto. Dirijo-me para noroeste, para percorrer um desfiladeiro chamado Quebrada del Toro, que acompanha o leito do rio Toro, largo mas, quase seco, como aliás todos os rios desta região. Pelo que li, nesta região, a pluviosidade é baixa, particularmente nesta época do ano, e os rios são instáveis, provocando enxurradas nalgumas ocasiões.
Esta característica faz-me lembrar os “oueds” (rios) de Marrocos.
A estrada que percorro acompanha uma via-férrea, durante muitos quilómetros, famosa por nela transitar um dos comboios que viajam a altitude mais elevada no mundo. Trata-se do “Tren a las Nubes”, que agora está parado, para renovação.
A meio da manhã, o tempo muda radicalmente, aparecendo um sol radioso, e o céu apresenta-se com um azul intenso.
As primeiras paisagens montanhosas são impressionantes, quer pela escala das montanhas, pela quantidade, e pela riqueza cromática das encostas, bastante rochosas, quase desprovidas de vegetação, à parte cactos de grandes dimensões (aqui chamados de “cardones”) e uma erva baixa, de cor amarela.
Ao fim da manhã, passo pelo primeiro cume a mais de 4.000 metros de altura, pouco antes de chegar a uma vila mineira de aparência fantasmagórica, chamada San António de los Cobres.
Antes de iniciar esta parte da viagem, em Salta, informei-me acerca de possíveis efeitos e riscos de subir a altitudes elevadas, às quais não estou habituado.
Foi-me dito que, se sentisse o “apunamiento”, termo local que identifica os sintomas de má adaptação a locais muito elevados, poderia aplicar as seguintes fórmulas:
- Mastigar folhas de coca
- Beber chá de coca
- Cheirar dentes de alho
Na verdade, para além desta informação, não tomei nenhuma medida preventiva, e foi com algum alívio que constatei que, para além da minha respiração se ter alterado ligeiramente, provavelmente devido à menor percentagem de oxigénio no ar, não senti qualquer outra reacção.
Quanto ao consumo humano de folhas de coca nesta região, é comum.
Voltando à minha curta visita a San António de los Cobres, depois de comer num dos restaurantes mais pobres que conheci, volto à estrada, para percorrer um troço de cerca de 100 km de extensão, em terra, com muita pedra. Estou num planalto, a mais de 3.000 metros de altura, e os únicos seres vivos que vejo são, um rebanho de ovelhas e lamas, e as escassas pessoas que ali vivem, em casas modestas de barro.
Neste percurso, cruzo-me apenas com dois automóveis.
Duas horas depois, avisto as salinas, ou lagos salgados, designados como “Salinas Grandes”. São as maiores da Argentina, e não muito distantes das que se encontram no Chile e Bolívia, países próximos.
Aliás, aproveito para revelar um eventual erro de planeamento desta minha viagem, relacionado com esta área geográfica.
Ao decidir visitar o Chile, país que se segue no meu itinerário, escolhi a região do deserto de Atacama, pelo qual sempre me interessei, situado a poucas centenas de quilómetros da área em que agora me encontro.
Em Salta, fiquei a saber que existe uma viagem de autocarro que une as cidades de Salta, na Argentina, com San Pedro de Atacama, no Chile. Esta viagem dura cerca de doze horas, e é diurna. Parte do trajecto é aquele que fiz até chegar a Salinas Grandes. Se eu soubesse o que sei hoje …
A área das salinas é estranha. O terreno é plano, liso, branco, com camadas variáveis de sal. Faz frio e muito vento. Dizem-me que o vento é normal nesta época do ano.
Depois de apreciar o local, volto à estrada para percorrer o último bocado de estrada do dia, felizmente asfaltada, e em bom estado.
Inicio mais uma subida, de grande beleza paisagística, para passar mais um cume alto, El Quemado, com cerca de 4.200 metros de altura. Aqui começa a maior atracção natural desta região, a Quebrada de Humahuaca, conjunto de desfiladeiros que se prolongam por dezenas de quilómetros, que é património natural da humanidade.
A descida que se segue, Questa de Lipán, é absolutamente deslumbrante.
As paisagens são majestosas, as montanhas parecem enfrentar-se fisicamente, é uma enciclopédia de geologia que está á minha volta.
Esta é a estrada de montanha mais impressionante que já percorri!
Ao final da tarde, chego a Purmamarca, aldeia localizada numa área privilegiada da Quebrada de Humahuaca, a cerca de 2.200 metros de altura.
Cansado, escolho o melhor hotel da aldeia, e provavelmente da região, para pernoitar. É o Hotel El Manantial del Silencio (http://www.hotelmanantial.com.ar/), acolhedor e requintado, no qual pago uma diária correspondente a 50 euros.
Acabo por permanecer três noites neste local, a partir do qual visito a área da Quebrada de Humahuaca.
As localidades que visito não são particularmente interessantes, a não ser em aspectos pontuais, como sejam as praças principais, sempre cheias de vida, e algumas igrejas edificadas no período colonial, ou já no século XIX.
Para além das povoações, interessa-me conhecer os modos de vida dos indígenas, sobretudo os descendentes dos incas, e a gastronomia.
Pela primeira vez, como carne de lama, que faz parte dos cardápios da maioria dos restaurantes locais.
Mas, o que mais me interessa aqui, é o contacto com a natureza, particularmente as grandes montanhas dos Andes, e as formas e cores com que elas se apresentam.
As paisagens são verdadeiramente deslumbrantes, e difíceis de descrever. Mas, para terem uma ideia da riqueza geológica, cito como exemplo a localidade de Purmamarca, onde tenho a minha base, que está rodeada por elevações de altura e cores variáveis. É como se a natureza tivesse construído um cenário envolvente à aldeia, de modo a torná-la mais interessante do que na realidade é.
Uma destas formações geológicas, que se encontra atrás da aldeia, é chamada de “Cerro das Sete Cores”, tantas são as cores que nela se podem identificar.
Para os amantes da natureza, e particularmente das montanhas, este é um templo importante, para conhecer.
Nesta mesma área, existem inúmeros vestígios de ocupação humana anterior à chegada dos europeus, no século XVI, chegando a remontar a 10.000 anos A.C.
Aquele que está em melhores condições para ser visitado, é o povoado pré-inca “Pucará” (palavra que na língua Quechua, que era utilizada na região, no período Inca, significa fortaleza) de Tilcara.
Localizado no topo de uma colina situada no vale da Quebrada de Humahuaca, junto ao rio, o que lhe confere uma localização excepcional, tem inúmeras ruínas de construções em pedra, das quais uma parte foi reconstruída, com absoluto rigor.
Passados três dias nesta área inesquecível, inicio o percurso para sul, passando por Jujuy, uma das principais cidades da região, e por uma área montanhosa que contrasta com as que visitei nos dias anteriores, pelo facto de ser densamente arborizada. Aliás, quer pela vegetação (floresta “Yunga”), quer pela estrada que a percorre, estreita e sinuosa, faz-me lembrar a Serra de Sintra, nos arredores de Lisboa, só que esta na Argentina, tem uma escala muito maior.
Pernoito em San Lorenzo, localidade nos arredores de Salta.
Esta é uma área residencial de luxo, e em conversa com a proprietária (Josefina) da casa/pousada em que pernoito, Posada Don Numas (http://www.donnumas.com.ar/), fico a saber que aqui existem muitos investimentos imobiliários da Bolívia, para escapar ao poder politico reinante naquele país.
Apesar das amabilidades dispensadas pela Josefina, proprietária da casa em que fiquei, e dos seus colaboradores, parto na manhã seguinte para fazer uma etapa que me vai levar a uma povoação remota da região, Molinos, através de uma estrada que é maioritariamente de terra, que atravessa os chamados Vales Calchaquíes.
A parte inicial da estrada acompanha um rio até que sobe vertiginosamente (Cuesta del Obispo) até ao cume da montanha com o mesmo nome, a mais de 3.300 metros de altura.
Atingido o planalto, entro na área do Parque Nacional Los Cardones, repleta de cactos gigantes, alguns com mais de 5 metros de altura, os quais têm um crescimento lento, de apenas alguns centímetros por ano.
Antes de alcançar a aldeia de Cachi, a estrada dirige-se perpendicularmente para uma autêntica parede de montanhas, que se apresentam em três níveis de altura crescente. A mais afastada e alta, com alguma neve no topo, é o Nevado del Cachi, com 6.380 metros de altura.
Após uma paragem para recuperar energias, em Cachi, onde reencontro duas conhecidas, uma espanhola e uma italiana, com quem tinha tido um primeiro contacto há alguns dias atrás em Tilcara, sigo viagem para Molinos, percorrendo mais umas dezenas de quilómetros por uma pista sinuosa, que no entanto tem a classificação de estrada nacional, de piso impróprio para o pequeno carro que conduzo. Lembro-me várias vezes, com saudades, do meu antigo Land Rover. Como ele seria útil nestes caminhos!
Ao fim da tarde, chego a Molinos, mais uma povoação desinteressante, com a excepção de um conjunto arquitectónico constituído por uma igreja e o casario fronteiro, edificados no século XVIII.
É numa parte deste conjunto arquitectónico que está localizado o Hostal Provincial de Molinos, no qual me hospedo.
O local é muito agradável e acolhedor, sendo predominantemente rústico. Os quartos e áreas de serviço distribuem-se à volta de um pátio quadrangular, no centro do qual está uma árvore magnífica (aguaribay), cuja copa ocupa na totalidade a área do pátio.
Naquela noite conheço os responsáveis pela gestão do hotel, Marcelo e Ana, com quem tenho o prazer de jantar, e passar um agradável serão.
Na manhã seguinte, parto para nova etapa de pista dura, mas antes, vou visitar uma propriedade vizinha da povoação, na qual são criadas vicunhas, que são agora uma espécie protegida, depois de ter sido quase extinta, por caça indiscriminada.
A vicunha é um animal parente da lama, alpaca e guanaco, elegante na sua forma, de comportamento sensível. A sua lã, a mais fina de todas as espécies animais do mundo, muito apreciada para trabalhos têxteis, é de difícil tratamento. Para além do mais, a produção da lã é escassa já que, cada animal só pode ser tosquiado em cada dois anos, permitindo uma recolha de apenas 250 gramas de lã.
Ao sair de Molinos, encontro duas jovens mulheres a pedirem boleia. Contrariamente ao meu hábito, paro para saber quem são e para onde vão.
A Alfonsina e a Belen, argentinas, residentes na cidade de Paraná, a norte de Buenos Aires, são estudantes de Sociologia e, estão a viajar nesta região com o intuito de conhecerem melhor as culturas nativas, particularmente no que aos têxteis diz respeito.
O que acontece é que, viajam à boleia, por opção pessoal. Ao vê-las naquele local ermo, senti necessidade de as ajudar, pelo que as transportei até ao meu destino desse dia, Cafayate.
Nesse dia, por um dia, viajei acompanhado, coisa a que já não estou habituado.
A estrada manteve o mesmo nível do dia anterior, mau, o que nos obrigou a um esforço maior, até porque o espaço interior tinha diminuído.
De resto, percorremos novas paisagens impressionantes, nomeadamente na Quebrada de las Flechas, cujo nome ilustra bem as formas estranhas com que os penhascos aqui estão moldados.
Antes de entrarmos em Cafayate, ainda percorremos alguns quilómetros de uma outra estrada, que não a que nos leva à cidade a que nos dirigimos, que percorre
uma área natural fascinante mas, o final do dia obriga-nos a retroceder.
No decurso deste dia, observei que as minhas duas companheiras de viagem consomem erva-mate, na forma de chá, hábito muito comum aqui na Argentina, como no Uruguai, e no sul do Brasil.
Os consumidores fazem-se acompanhar por um conjunto de objectos que lhes permite satisfazer o gosto, onde quer que estejam. Assim, é comum verem-se pessoas na rua, com uma garrafa termos nas mãos, na qual transportam água quente, e o copo com uma palhinha, especiais, para poderem usufruir do prazer de beber mate, como vulgarmente é chamado.
Esta tradição mantém-se, mesmo nas gerações mais jovens, e na Argentina, para além da água, é a bebida mais consumida.
Chegados a Cafayate, deixo as minhas companheiras de hoje num dos Parques de Campismo da cidade, cujo conforto deixa muito a desejar.
Quanto a mim, hospedo-me no Hotel Killa (http://www.killacafayate.com.ar/) ou melhor, Casa de Hóspedes, como a Martha, sua proprietária, a identifica.
A Martha, ex-professora, argentina de origem local, explica-me no seu tom didáctico e amável, que o nome Killa é de origem Quechua, e significa “lua”.
Aprecio bastante o local, a casa e o quarto que me dão, e decido ficar duas noites.
No dia em que chego a Cafayate, na casa onde estou, conheço um casal de hóspedes, Justine e Adriano, ela de Hong Kong e ele de Itália, residentes em Paris. Decidimos jantar juntos, e sigo-os na escolha de um hotel recente nos arredores da cidade, do qual tinham boas referencias.
O hotel está instalado numa das várias propriedades vinícolas da região, famosa por aí serem produzidos vinhos, ao que parece de boa qualidade, das castas cabernet e torrontés, a quase 2.000 metros de altitude.
Chegados ao hotel, gerido pela empresa Starwood, com a marca Sheraton, descobrimos que os proprietários do hotel são uruguaios, e os da exploração vinícola, suíços. Mais um exemplo da aldeia global em que o mundo está transformado.
Cafayate revelou-se um local agradabilíssimo, onde encontrei alguns dos melhores artesãos da região, com trabalhos notáveis, tendo tido a felicidade de conhecer alguns deles, com os quais estabeleci uma relação pessoal afectuosa.
A Andrea e o Alfredo, casados, ambos em segundas núpcias, dedicam-se a criar e produzir trabalhos artesanais, em áreas distintas, embora complementares.
A Andrea trabalha com flores, pequenas, algumas minúsculas, que eterniza com resina, produzindo peças de uma beleza e delicadeza extraordinárias.
O Afredo, depois de ter tido uma carreira como cabeleireiro, dedicou-se à criação e produção de peças em metal, normalmente prata e alpaca, que também combina com minerais e madeira.
Trabalham e vivem no mesmo local, e cada um deles tem os seus colaboradores, em oficinas separadas.
Numa outra visita, em condições idênticas, conheço o trabalho do Oscar Hipaucha, provavelmente o artesão mais conhecido da região, devido à qualidade extraordinária do seu trabalho. Este é desenvolvido com madeiras da região, combinadas com metal, com as quais desenha e produz sobretudo caixas, de muito bom gosto e originalidade.
Encontrei o Oscar acompanhado pelos seus dois colaboradores de longa data, a trabalharem no atelier/oficina.
Entre nós, criou-se de imediato uma relação empática, até porque descobrimos que temos pelo menos um outro gosto comum, o da música de jazz. Aliás, um dos dois filhos do Oscar é músico profissional desta área, vivendo actualmente em Barcelona, Espanha.
Nesse mesmo dia, mais tarde, voltei a visitá-lo, para conversarmos com mais disponibilidade, no jardim de sua casa, anexa ao local de trabalho. Aí, tive o prazer de conhecer também a companheira do Oscar, Susana.
São pessoas deste nível que me fazem sentir bem, pensando que nem tudo está perdido para a espécie humana.
Ainda em Cafayate, tenho outra prova de gelados, que comprova o altíssimo nível dos mesmos na Argentina.
Uma das várias gelatarias de Cafayate produz um gelado a partir dos vinhos da região, com os sabores Torrontés e Cabernet.
Parece ser um caso único no mundo dos gelados, pelo que a proprietária da casa me disse. O criador é o seu marido Miranda, simultaneamente nome da casa, o qual é também artista plástico, pintor, expondo o seu trabalho no mesmo local onde os gelados são vendidos.
Como o vinho não me é particularmente querido, provei as novidades, mas deliciei-me com outros sabores.
Saio de Cafayate, em direcção a Tucumán, onde vou deixar o carro com que ando.
A primeira paragem ocorre em Quilmes, local onde viveu uma comunidade indígena, extinta, depois da colonização espanhola.
Esta é mais uma triste história do que aconteceu no passado com muitas comunidades indígenas, pelas acções dos colonizadores/invasores. Hoje, restam as ruínas de uma povoação que chegou a ter mais de 3.000 habitantes.
A estrada volta a empinar, subindo até aos 3.042 metros de altura, e aí, num ponto chamado Infiernillo, paro para admirar a paisagem, tal como outros viajantes. Chama-me a atenção um jovem casal, que viaja de bicicleta.
Dirijo-me a eles e apresento-me. Eles são a Lucia e o Daniel, argentinos, de Buenos Aires, e estão a viajar há cerca de sete meses, tendo visitado muitos dos países da América do Sul.
Já percorreram nesta viagem, cerca de 12.000 km, metade dos quais a pedalar.
Agora, já cansados, confessam, estão de regresso a Buenos Aires, para retomarem uma outra vida.
Talvez nos vejamos lá, quando eu estiver de saída da Argentina!
Chegado a Tucumán, à entrada da cidade, percorro uma avenida larga, e reparo num facto insólito: em ambos os lados da avenida, dezenas de pessoas acenam aos automobilistas que passam, para oferecerem serviços de lavagem dos automóveis, que são efectuados ali mesmo, na via pública.
Instalo-me por uma noite, num hotel no centro da cidade, na Praça da Independência.
Esta é de secção quadrada, com jardim central, e como sempre, fervilha de vida.
Observando os edifícios que a ladeiam, chamam-me a atenção os mais nobres: o palácio do governo provincial, a catedral, a Igreja Universal do Reino de Deus (instalada num antigo cinema, … onde é que eu já vi este filme?), e começo a reparar nas gelatarias. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis gelatarias, só aqui na praça central da cidade, para além de várias outras casas comerciais que também vendem gelados industriais.
Há noite, depois do jantar, não resisto e vou a duas delas. A lista de sabores é, como habitualmente extensa, e criativa. Numa das que visitei, há um gelado chamado “portuguesa”. Provei-o mas, não me cativou.
Em Tucumán, apercebo-me daquilo que me parece ser poluição atmosférica proveniente de chaminés que se encontram na periferia da cidade.
Esta região tem grandes extensões de campos cultivados com cana-de-açúcar, sendo a mesma posteriormente utilizada para a produção de açúcar para consumo interno e exportação.
Disseram-me que, nas imediações da cidade, estão actualmente em laboração dezasseis fábricas para tratamento de cana-de-açucar.
Aqui deixo o carro com que durante oito dias, percorri cerca de 1.500 km pelas más estradas do noroeste da Argentina.
Próxima paragem, Córdoba, a segunda maior cidade da Argentina.
Notas: creio que esta é a crónica mais extensa que escrevi até agora, nesta viagem.
Os dias aqui passados foram vividos intensamente, sobretudo pelo que a natureza deslumbrante me proporcionou, e também pelos contactos com algumas pessoas especiais que aqui conheci, que não só aquelas de que falei.
A natureza já anuncia a chegada da Primavera. Vêem-se cada vez mais árvores floridas, e outras com folhas novas.
Para além destes sinais, também as temperaturas estão em alta.
27 agosto 2006
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5 comentários:
Olá Fernando, sou o Tó Zé da Venda do Alcaide e tenho acompanhado as tuas crónicas de viagem desde que partiste. Tenho gostado imenso dos locais que descreves e da forma como o fazes. Como fàcilmente adinvinharás o teu blog foi-me facultado pelo Maurício que chegou ontem de férias. Eu cheguei hoje de uma viagem a Marselha, Nime, Zaragoza e Calatayúde. gostei muito de Marselha que percorri a pé ao longo de três dias em que lá estive. Hoje escrevo só a marcar presença, prometendo fazê-lo nos próximos dias com mais tempo. Um grande abraço e desejos de que tudo te corra bem e continues a escrever como até aqui para regalo dos amigos. Um abraço. Tó Zé
Caro Tó Zé:
Agradeço a tua mensagem, ficando satisfeito por saber que vocês estão bem.
Fico igualmente satisfeito por saber que aprecias o que tenho publicado no blog.
Na verdade, uma boa parte da motivação para escrever e publicar os relatos da minha viagem, tem a ver com a satisfação que tal poderá dar aos amigos, numa perspectiva de partilha de momentos da vida.
Se quiseres comunicar comigo por e-mail, poderás fazê-lo através do meu endereço, fmouramachado@gmail.com
Da Argentina, envio-vos abraços.
Fernando
Oh Fernando!
Vencida pelo sono, ontem já não consegui ler esta crónica toda. Ainda bem! Porque agora, mais espevitada, pude apreciar a riqueza nela contida.
País magnífico! Viagem fantástica!...
Aprecio muito as descrições tão humanas que fazes das gentes.
E como diz o Tó Zé, que eu não conheço, estes relatos são um regalo para os amigos.
Cá te espero com notícias do teu retiro.
beijinhos
susana
Hoje ao ler, por acaso, um excerto de uma frase de Almada Negreiros apresentada em 1932, achei que tinha muito haver com alguns dos teus comentários e experiências vividas na região andina:
"O indíviduo no mundo é exactamente como um dos órgãos do nosso corpo próprio corpo. Nós não temos vida própria. Dependemos da vida total e unânime do organismo colectivo, e de cuja unidade fazemos apenas parte; o que não é pouco nem muito, senão o justo para cada um de nós".
Continuação de boas viagens
e beijos,
DD
Ola Fernando
Hoje Sábado estivemos no Estoril, na praia, eu a Susana o Francisco, a Mena, Zé Carlos, Rafa e Gú e estivemos a falar de ti.
Estivemos a falar de uma possvel viagem á Nova Zelândia, na Páscua do proximo ano, com mai alguns teus amigos.
Esperemos que a todos a vida corra pelo melhor para podermos estarmos todos juntos.
Continua, a passear que nós aguardamos pelas tuas noticías.
Fica bem e um abraço
Ja anteriormente tinha-te eixao uma mensagem, mas não sei porque não ficou gravada.
Xico
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