27 junho 2006

MINAS GERAIS – BELO HORIZONTE E AS CIDADES HISTÓRICAS

Depois de uma maratona aérea pelo Brasil, chego a Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, considerada a terceira cidade mais populosa do Brasil.
À minha espera no aeroporto de Confins (o nome provem do facto deste se encontrar longe da cidade) está o meu primo Hernâni, nascido em Angola e residente no Brasil há cerca de 30 anos.
O Hernâni é casado com a Aílce, tendo duas crianças pequenas. Oferecem-me cama no seu apartamento. As crianças estão com a mãe do Hernâni, residente nos arredores de Belo Horizonte.
No dia seguinte à minha chegada, domingo, o Brasil tem o seu segundo jogo no Mundial de Futebol, pelo que é fundamental ficarmos na cidade.
Amavelmente, o Hernâni faz de cicerone e mostra-me alguns locais de interesse.
A cidade, em crescimento acelerado, parece-me pouco interessante, com excepção de áreas restritas como a Praça da Liberdade, com um jardim aprazível, com coreto, onde pontificam árvores para mim desconhecidas, ipês, que estão em flor, mostrando-se exuberantes.
Mais tarde, de volta a Belo Horizonte, visito o Mercado Central. Este é um mercado farto e peculiar, porque nele também existem bares e restaurantes (aqui chamados de botecos) frequentados pelos locais, para beberem muito chopp (cerveja a copo) e comerem petiscos da cozinha mineira.
O que impressiona é o facto de muitos dos bares estarem localizados nos corredores de acesso às áreas tradicionais do mercado, sem espaço para proporcionarem o mínimo de conforto aos seus clientes. Mesmo assim, nestes locais os clientes amontoam-se, literalmente, para beberem e comerem algo, e para confraternizarem, em pé.
Também de interesse é a Feira de Arte e Artesanato, de grandes dimensões, realizada todos os domingos numa das principais avenidas da cidade, fechada ao trânsito para o efeito, junto ao Parque Municipal.

No dia seguinte saio de Belo Horizonte, para Ouro Preto, acompanhado pelo Hernâni, que regressaria a Belo Horizonte ao fim do dia.
A viagem por estrada, demora pouco mais de uma hora. Ao chegarmos a Ouro Preto, encontramos uma cidade que, em termos arquitectónicos, parece ter parado no tempo, localizada numa área de relevo bastante acidentado, rodeada por montanhas. Aliás, a própria cidade está situada a mais de 1.000 metros de altitude.
A irregularidade topográfica associada ao facto de todas as ruas de Ouro Preto terem pavimentos de pedra antiga, faz com que o acto de caminhar nas suas ruas seja um desafio físico.
Comparando com Ouro Preto, poderíamos dizer que a cidade de Lisboa é quase plana.
Apesar do condicionalismo topográfico, a cidade revela-se fascinante, sobretudo pelo património arquitectónico aqui construído a partir do final do século XVII, quando nesta região foi descoberto ouro que, misturado com metal de ferro, se apresentava escuro, o que veio a originar o nome da cidade.
Impressiona o facto de, em terreno tão difícil, se ter edificado uma urbe tão rica, tudo graças ao ouro extraído das entranhas da terra.
O valor deste património foi há muito reconhecido pela UNESCO como de interesse mundial, o que talvez explique o bom estado de conservação da maioria dos imóveis, e a quantidade de lojas dedicadas aos visitantes.

A vida em Ouro Preto é claramente marcada por dois grupos populacionais: os visitantes/turistas, em pequeno número nesta época do ano, e os estudantes universitários (entre 4.000 a 5.000). A cidade tem tradição nesta área, e os estudantes residem maioritariamente em repúblicas (algumas centenas), talvez por influência de Coimbra, nome de um dos largos da cidade.

Fico hospedado numa casa antiga, localizada frente a uma das principais igrejas da cidade, Pouso do Chico Rey (recomendável), onde pago por dia um valor inferior a 30 €.
A casa é agora gerida por um casal do Rio de Janeiro, após a morte recente da anterior proprietária, com 99 anos de idade.

Ao longo dos dias passados em Ouro Preto, dedico-me a conhecer alguns dos edifícios notáveis da cidade, nomeadamente igrejas.
Estas, quase todas edificadas no século XVII, impressionam pela riqueza das decorações, no estilo barroco, denunciando a característica de ostentação da Igreja Católica.
Não sendo o estilo barroco muito de meu agrado, devo reconhecer o extraordinário trabalho de um génio local, na arte da escultura, quer em madeira, quer em pedra.
Refiro-me ao que ficou conhecido como Aleijadinho, filho de um artesão português aqui estabelecido, e provavelmente de uma escrava.
Aleijadinho nasceu no século XVIII, vindo a falecer já no século XIX.
Toda a sua vida profissional parece ter sido dedicada à arte sacra, sendo justamente considerado a referência máxima do barroco mineiro.
Ainda no campo do património, destaco o excelente Museu do Oratório, local onde encontramos toda a espécie destes objectos de culto católico, de variadíssimos tamanhos, formatos e estilos.

No Brasil, as pessoas em geral, primam pela simpatia e sociabilidade.
Aqui em Ouro Preto, encontro algumas com as quais simpatizo bastante: a Fernanda e a Natália, ambas empregadas da casa em que me hospedei. A Natália falou-me orgulhosamente da filha única que está no jardim infantil, e da festa que lá irá decorrer em breve, acreditando ela que a sua filha será eleita a “Rainha da pipoca”.
O senhor José Donato Lessa, que encontrei na sacristia da Igreja do Carmo, sentado numa conversadeira, ou fofoqueira, bancos de pedra que ladeiam as janelas de uma casa. O que me despertou a atenção, foi o facto do senhor Lessa estar a limpar uma coroa da igreja, em prata, antiga. Ao aproximar-me dele, fui recebido com simpatia e extrema educação. Falou-me das suas responsabilidades para com o património da igreja onde trabalha, e do desejo de ser algum dia substituído nessas funções, para dar lugar a pessoas mais jovens. O senhor Lessa tem 92 anos de idade, mantendo uma vitalidade e lucidez notáveis.
O Pedro, pintor autodidata, que vende os seus trabalhos em aguarela e bico de pena, na rua, junto à Praça Tiradentes. O Pedro, homem humilde, de forte personalidade, mostrou-se revoltado pelas injustiças sociais do seu Brasil, onde “a policia só prende os pobres e os pretos”, e “os políticos só têm papo furado”.
A Verônica, jovem estudante-trabalhadora que me recebe com simpatia e disponibilidade no seu local de trabalho, num edifício recém reconstruído na Praça Tiradentes, onde procuro informações para organizar a minha visita a Ouro Preto.
A Verônica, apesar de jovem, revela-se uma pessoa madura, sensivel e inteligente. Fala-me do seu percurso de vida, passado em várias regiões do Brasil, das suas viagens de orçamento apertado a outros países, e do prazer de viajar.
Conta-me da sua experiência de vários anos em Ouro Preto, primeiro como estudante de Turismo, e agora como responsável pela Agenda Cultural de Ouro Preto. Quanto ao futuro, quem sabe, o amor da Verônica vive em São Paulo e as saudades são muitas.

Em Ouro Preto encontro o restaurante mais interessante que pude conhecer até agora no Brasil. Chama-se “Chafariz”, tem a minha idade, e é uma instituição na cidade. Os proprietários, Rosa e Vicente, irmãos, são membros de uma família de origem italiana proprietária de vários espaços comerciais em Ouro Preto. O Vicente recebe-me dizendo que a casa é minha, e apresenta-me um retrato de Fernando Pessoa, de Júlio Pomar, exposto em destaque numa das paredes do restaurante. Este distribui-se por duas amplas salas, decoradas com objectos heterogéneos, que combinam bem entre si.
Quanto à oferta gastronómica da casa, em estilo buffet, é a cozinha mineira em todo o seu esplendor: feijão amigo, feijão tropeiro, tutu, frango ao molho pardo (cabidela), frango com quiabo, torresmos e muitas outras especialidades.
Aqui, pude comer algo inédito para mim, simplesmente delicioso: mousse de pepino.
Para quem queira comprovar, eis a receita do restaurante Chafariz:
6 pepinos grandes, sem semente
6 gelatinas de limão
5 colheres de sopa de maionese
1 molho de salsa
1 cebola média
Dissolver a gelatina em cinco copos de água a ferver, e deixar arrefecer. Juntar tudo e bater na trituradora até ficar em creme.
Colocar num recipiente e colocar no frigorífico, até endurecer.
Estas quantidades são as utilizadas no restaurante, para uma taça grande que é colocada na mesa de saladas.

O meu plano de viagem para Minas Gerais incluía outras cidades históricas, tais como Mariana e Tiradentes.
Quanto a esta última, perdi a esperança de a visitar quando soube que no período em que me seria conveniente ir a Tiradentes, estaria a decorrer um encontro de motociclistas que atrai muitos adeptos de motas.
Mariana, cidade menor que Ouro Preto, está a cerca de 30 minutos desta, em autocarro. É assim que me desloco a Mariana, em dia de mais um jogo do Brasil na Copa.
Encontro uma cidade pacata, a preparar-se para mais um jogo do escrete canarinho. Os monumentos encerram duas horas antes do início do jogo (excepto uma das igrejas), tal como os bancos, e a maioria das lojas.
Passeio pelas ruas cada vez mais desertas, o tempo está chuvoso, pelo que regresso a Ouro Preto. Felizmente que os autocarros não param.

No dia seguinte volto a Mariana, manhã cedo, com o propósito de lá apanhar um comboio para Ouro Preto. Parece confuso, não é?
Mas este não é um comboio qualquer. É uma Maria Fumaça, um comboio a vapor, recuperado para reabilitar uma linha ferroviária há muito abandonada. São 18 km, sempre a subir no sentido em que faço a viagem, com um desnível superior a 300 metros, por entre montanhas, com ravinas abruptas, e dois pequenos rios à vista do comboio.
À vista desarmada, apercebo-me da triste realidade dos rios estarem poluídos. Observo alguns garimpeiros há procura de fortuna, e uma das razões para a poluição destes rios está no mercúrio normalmente utilizado no trabalho de garimpo. Mais tarde, dizem-me que uma outra fonte de poluição reside numa fábrica de alumínio da região.
Poluição à parte, esta viagem no tempo é magnifica. Demora cerca de uma hora, e a Maria Fumaça, de origem Checa, fabricada em 1949, pesando 160 toneladas, consome cerca de 2 toneladas de carvão mineral e 18.000 litros de água.
Este belo passeio é possível graças ao investimento de uma empresa importante nesta região, e no país, a Vale do Rio Doce.
O projecto muito bem executado e concluído recentemente, incluiu a recuperação das estações ferroviárias de Mariana e Ouro Preto, nas quais o público pode usufruir de outras informações e serviços, relacionados com a região e a história ferroviária.
Para quem aqui venha, é um passeio obrigatório.

Ao deixar Ouro Preto, dirijo-me a Congonhas, para me encontrar com o Jorge, meu primo, irmão do Hernâni. O Jorge, engenheiro de profissão, trabalha actualmente na região, regressando a Belo Horizonte no final da semana.
Congonhas é uma das cidades históricas da região, e hoje atrai a atenção dos visitantes praticamente pela Basílica do Bom Jesus de Matosinhos, e dos restantes elementos arquitectónicos e escultóricos associados, localizados num ponto elevado, com vista panorâmica sobre a cidade e terras circundantes.
Esta obra da igreja católica, mais uma, edificada na segunda metade do século XVIII, contou com a colaboração de Aleijadinho, já na fase final da sua vida, com manifestas dificuldades físicas que ampliam o valor da obra por ele aqui produzida.
Dezenas de esculturas em pedra sabão, muito comum nesta região, representam o expoente máximo do génio de um homem que durante uma parte da sua vida sofreu de uma doença, provavelmente lepra, que lhe fez perder os dedos das mãos, e a utilização das pernas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Viva Fernando
Cá me entretenho vendo e lendo o que vais mostrando e é tanto e tão bonito! Beijos

Anónimo disse...

Gente! Gente! É o que vou sentindo ao ler as tuas crónicas.
Vou ter de experimentar essa mousse de pepino!
As fotografias estão muito bonitas.

beijinhos e até à notícias do Rio!
susana