23 junho 2006

ALCÂNTARA – REVIVER O PASSADO

No século XVII, a colonização do Brasil avançou decisivamente para o norte, motivada em parte pela exploração da cana-de-açúcar.

Nesse período, os nossos antepassados elegeram um promontório na costa do Maranhão, próximo da foz do rio Anil, para edificarem a cidade de Alcântara, que se tornou na capital da região.

Ali foram construídos casarões, sobrados, e igrejas claro, que deram outra vida a um local privilegiado pela natureza.

Hoje, quase 400 anos decorridos, ao chegar de barco (calhou-me o “Bahia Star”, construído há 30 anos atrás nos E.U.A.) vindo de São Luís (cerca de 1 hora de viagem), fico impressionado pela localização magnífica da povoação, sobrelevada relativamente ao mar, com vista panorâmica, e uma pequena ilha (Livramento) a curta distancia.

À medida que subo a encosta, a partir do cais, apercebo-me não só da pobreza da vida humana da actual Alcântara, mas também da degradação extrema de uma boa parte do património arquitectónico da localidade.

Percorro as ruas até atingir a praça principal, ampla, com uma ruína de uma igreja que já foi imponente, um pelourinho, e uma moldura de casarões em estado de conservação razoável.

Mais adiante, caminhando pela sombra, que o sol escaldava, passo frente a duas mulheres sentadas na ombreira de uma porta, supostamente da residência de uma delas. Cumprimentamo-nos, bom hábito que aqui ainda se cultiva, e a conversa nasce espontaneamente.

Uma das duas mulheres, a Miriam, manifesta-se mais comunicativa e perspicaz. Em breve se oferece para me acompanhar a uma visita à vizinha Casa do Divino, local dedicado às Festas do Divino Espírito Santo, que aqui se celebram há séculos, com devoção religiosa e esmero.

Lá, encontramos a alma da Festa do Divino, o Sr. Heidimar, personagem notável de Alcântara. Depois de uma visita curta mas significativa, saímos e a Miriam leva-me a passear pela sua Alcântara. Passamos à porta dela, e diz-me ser vizinha de D. Pedro. Paredes-meias com a casa da Miriam, encontra-se uma ruína de uma casa apalaçada, onde provavelmente teria pernoitado D. Pedro, daí a relação de vizinhança virtual.

Convido a Miriam para almoçar comigo, o que acontece, até porque a intenção dela ir à praia (era dia feriado), gorou-se.

A Miriam é professora e directora da escola local. Diz-me com orgulho, que a escola tem instalações novas, para os cerca de 700 alunos que a frequentam, estando o ano lectivo prestes a começar.

Fala-me da vida em Alcântara hoje, das dificuldades e dos anseios.

Diz-me que há poucos dias receberam a visita do embaixador de Portugal e da esposa. Eu penso que bom seria que Portugal assumi-se alguma responsabilidade para com o seu passado, contribuindo para a recuperação do riquíssimo património que construiu neste canto do Brasil, há muito abandonado.

A Miriam é uma pessoa inteligente. Conta-me histórias interessantes. Fala-me do “boca de lata” que percorre as ruas de Alcântara, anunciando informações de interesse local (como por exemplo, o inicio do ano escolar). Eu explico: já tinha visto viaturas automóveis com potentes sistemas de som a anunciarem mensagens. Até já tinha visto motociclos a fazerem o mesmo trabalho, como aqui. O que eu vi em Alcântara foi uma bicicleta, na qual o ciclista cumpria não só o papel de pedalar em ruas de piso empedrado irregular, mas também lia mensagens dirigidas à comunidade local, através de um sistema de som amplificado, desproporcionado, quer em relação ao meio de transporte, quer ao local, onde impera o silêncio.

Ao fim da tarde, feitas as despedidas, desço para o cais, para regressar a São Luís. Ainda paro numa casa de doces local, onde só se vende um produto. Avisado estava da existência de uma especialidade local, o doce de espécie, espécie de biscoito feito à base de coco. Muito bom.

Despeço-me do Maranhão satisfeito com a escolha deste canto do Brasil, para início da minha peregrinação pelo mundo.

Encontrei um pouco da história de Portugal, não apenas na arquitectura, mas também na vida cultural da região.

A propósito do património arquitectónico de São Luís, tendo conhecido dois arquitectos ali residentes, fiquei a saber que os imóveis do centro histórico podem ainda ser adquiridos por valores inferiores aos que são praticados noutras cidades históricas do Brasil, tais como Olinda e Ouro Preto.

Dizem-me que um sobrado vale hoje entre 100.000 a 150.000 reais, ou seja, entre 35.000 a 50.000 euros, o que revela existir aqui uma oportunidade para serem feitos bons investimentos imobiliários.

Próxima etapa, Minas Gerais.

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Fernando,

E assim já conheci um pedaço do mundo através dos teus belíssimos textos sobre o Maranhão.
As fotografias estão muito bonitas.

Continuação de boa peregrinação!

Um beijo
susana